domingo, 12 de julho de 2020

TRANSFORMAÇÃO: mulheres afro empreendedoras


Ao longo de 13 décadas, elas passaram da escassez e da vulnerabilidade para um momento de abundância e múltiplas possibilidadesEm 2020, completamos 132 anos de uma abolição da escravatura inacabada. Não houve nenhum processo de reparação social e racial para apoiai a inclusão dos povos africanos. Como resultado, tivemos mais de 13 décadas nas quais a população negra viveu num esquema de "sevirologia" - ou seja, teve de encontrar uma maneira de ganhar dinheiro no improviso. Neste artigo, vou falar sobre as minhas percepções sobre o afro empreendedorismo no Brasil e como isso se relaciona com a criatividade - e, consequentemente, com a minha vida.

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Para começar, gostaria de destacar trés grupos de mulheres que lideraram grandes transformações. O primeiro é o das africanas escravizadas, que criavam rotas de fuga desenhadas nas tranças do cabelo. Apesar de viverem em um contexto de vulnerabilidade, elas elaboraram estratégias inteligentes para dar conta da sobrevivência. Outro grupo é o das Mulheres do Tabuleiro da Bahia. O comercio de rua permitiu às escravas irem além da prestação de serviços a seus senhores. Com o fim da escravidão, a venda de acarajé permaneceu - e ainda perdura — como uma atividade econômica relevante para muitas. Por fim, temos influenciadoras digitais, como Xan Ravelli, Patricia Avelino, Gabi Oliveira, Ana Paula Xongani, Nátaly Neri, Rayza Nicácio e Débora Ninja, que mudaram a estética negra nas redes sociais, agindo como porta-vozes e ajudando a construir um novo mercado.

São três histórias potentes. Partimos da escassez e da vulnerabilidade para um momento de abundância e possibilidades. Ao mudar suas próprias vidas, essas mulheres impulsionaram a história de tantas outras, como a minha. Venho de uma família comandada por mulheres: bisavó, avó, mãe, eu e a minha filha de 7 anos. Quando passávamos por dificuldades, minha bisavó criava alguma coisa para vender. Começou com coxinhas, passou por marmitex, até transformar nossa casa em um restaurante, usando metodologias peculiares, que remetiam a saberes ancestrais. O que parecia um improviso tinha uma inteligência sagaz.

Comecei a empreender por não conseguir me inserir no mercado de trabalho formal. Montei um brechó com minhas próprias roupas, e fui trocando peças para obter um acervo maior de itens. Foi a partir daí que nasceu a ideia da Feira Preta, que tinha como objetivo dar visibilidade a potências criativas da comunidade negra — e acabou se transformando no maior evento de cultura e empreendedorismo negro da América Latina. Perceberam que. na minha história, escassez e abundância andam lado a lado?

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A criatividade e a inovação são temas inerentes aos negros empreendedores. Mesmo diante da falta de recursos, ferramentas, tecnologias ou formação, eles criam negócios potentes. Temos as histórias atreladas à escravidão, mas temos as de reis e rainhas. Temos a "sevirologia", mas também mulheres visionárias. E são essas narrativas que compõem o que somos. Saímos do improviso para a potência da nossa identidade.

Com essas histórias eu descobri que. diante do espelho ou em qualquer lugar, eu sou uma mulher negra, potente, abundante. Quero deixar como herança para a minha filha. Clara, uma verdade muito simples: que, no fundo, a mais refinada potência é ser quem a gente é.


Por Adriana Barbosa, na Pequenas Empresas Grandes Negócios