segunda-feira, 9 de setembro de 2013

Participação & Democracia

A maioria dos projetos governamentais destinados à educação, ressente a ausência -quando não graves distorções, de um componente extremamente importante para a viabilização de empreendimentos que atendam às justas demandas da população: a participação comunitária.

As palavras "participação" e "transparência" talvez sejam as mais presentes nos manifestos de todas as correntes políticas. Foram emolduradas, se volatizaram e hoje guardam significados distorcidos para as camadas populares.

Conforme seja o período histórico, a participação popular assume uma nova faceta. O populismo de Vargas foi a caracterização mais latente do paternalismo que concebe o governo como o senhor absoluto das soluções; relegando às comunidades um papel abominavelmente passivo.

Na década de 60, os próprios Centros de Cultura Popular da União Nacional dos Estudantes incorreram no equívoco de considerar o povo mero receptor, nunca emissor ou fonte do saber. Mas foi na década de 70 que o quadro se deteriorou. A ditadura reinante cerceava as possibilidades de discussões. Aventar soluções alternativas, que fugissem ao padrão estabelecido, significava descortinar uma realidade de perseguições, exílios, desterros quando menos.

É deste período os procedimentos metodológicos que, primavam pela externa centralização. Os projetos eram calhamaços enciclopédicos que despencavam nas unidades da federação, praticamente concluídos. Os recursos financeiros já chegavam aos municípios com aplicação determinada. Se a cidade passasse por um surto de meningite, os recursos chegavam para urbanização. Se o prefeito municipal era ignorado na eleição de prioridades o que dizer das comunidades?!

Mais absurdo é quando se verifica que esta concepção político-metodológica era estimulada pelas próprias agências internacionais de fomento ao desenvolvimento.

Foi o reinado dos tecnocratas, dos gabinetes refrigerados, das soluções artificiais que desconheciam as comunidades locais. A ditadura política na estrutura estatal atendia pelo nome de centralismo.

Sucateado, o estado brasileiro ainda amarga os efeitos da ineficácia. Autoritário, perdulário, impermeável aos avanços da sociedade, segue como um mamute, impassível ao seu destino de dar guarida às transformações necessárias, incapaz de se assumir instrumento do desenvolvimento e do progresso. Este cenário traz resultados trágicos para a educação e os sistemas de ensino.

Se a "centralização" constitui o cerne das ditaduras, a "descentralização" é o esteio das democracias. O esteio, porque a alma da democracia "se chama participação".

Participação enseja desprendimento, discussões, questionamento de paradigmas. Participação é a palavra que melhor expressa o âmago da democracia. Democracia sem participação é corpo sem alma, peixe fora d'água.

Por outro lado, "participação" é um incômodo descomunal à burocracia, ao estabelecido. Participação enseja movimento, dinâmica criatividade, hedionda heresia para a burocracia corporativa. E ainda, é um insumo vital.

Relatórios do Banco Mundial registram que, dos recursos aplicados pelo mundo, 80% dos projetos não lograram êxito devido à ausência do componente "participação comunitária".

Tais indicadores levaram o BIRD a redefinir seus critérios de financiamento, passando a exigir o componente nos projetos em análise.

Se a necessidade de incorporar aos projetos governamentais a questão da participação popular já é um consenso universal; resta então um exercício, não tão simples, de encontrar a metodologia mais adequada para tornar este processo efetivo, verdadeiro, e não figura de retórica, modismo momentâneo. Pois infelizmente é o que vem ocorrendo. Sob o rótulo de "participação” se promovem distorções, aleivosias e tantas outras invencionices, menos interação governo-comunidade.

É aqui que pesquisas e investimentos em educação são imperativos.

Politicamente o que tem sido perseguido é o incontinente atrelamento, a manobra, a cooptação de lideranças populares com objetivos eleitoreiros.

Tecnicamente se promove um massacre cultural, como os de período de guerra declarada, quando o dominador impõe seus valores, restando ao vencido a sobrevivência vegetativa, onde inexiste a identidade, o livre arbítrio, o conhecimento crítico. Pura catequese, a antítese da educação.

A formação acadêmica lega aos técnicos o conhecimento científico, auto-suficiente, onipotente e onipresente; antagônico ao conhecimento empírico, popular. Com este paradigma os agentes governamentais ignoram o potencial de criatividade que emana das camadas populares. É este potencial inesgotável que faz com que o povo sobreviva por séculos de literal desgoverno, particularmente nas áreas de saúde e educação.

O saber popular é visto com desdém, ironia, sarcasmo, e tido mesmo como a fonte dos problemas sociais.

Convenientemente o stabilishment é então absolvido e adentra o paraíso.

O máximo que permitem é legar ao povo - na fase de execução do projeto - a atuação como mão de obra não (ou sub) remunerada. É a famosa contribuição ou contrapartida da comunidade.

Participar das demais fases do projeto, do planejamento, da eleição de prioridades é pecado capital a ser purgado na fogueira do Santo Ofício.

A participação da comunidade nos projetos governamentais deve assumir nova dimensão. Deve iniciar com a modernização do Estado, passar por sua democratização e culminar na adoção da comunidade como sujeito de todo o processo.

Assim, o conhecimento científico não está acima e nem é melhor que o conhecimento popular. Está ao lado. Complementam-se. São verso e reverso da mesma moeda.

O técnico passa então a utilizar seu conhecimento não para unilateralmente impor soluções, e sim para estimular a comunidade a interagir e participar, resultando desta dinâmica a solução ideal da perfeita união dos conhecimentos, vivências e experiências.

Este é o jogo da democracia, o que estabelece regras honestas e harmônicas para com a comunidade, o jogo que aprofunda a relação estado cidadão.

Sem discriminação de qualquer ordem, o processo de planejamento, execução, avaliação e retro-alimentação, passa agora a contar em todas as suas etapas com as organizações comunitárias, formais e informais, ecléticas e religiosas, econômicas, sociais, políticas e culturais.

É uma tarefa e tanto. Um justo desafio para os que lutaram e conquistaram a democracia política; e que agora almejam a democratização do Estado, com plena participação popular. Investindo persistente e progressivamente em educação.

Artigo de Antônio Carlos dos Santos publicado no Jornal do Cerrado da Universidade Estadual de Goiás