sexta-feira, 30 de outubro de 2015

A canção como arma de protesto

Livro repassa o impacto social da música anglo-saxã de contestação

De Billie Holiday a Woody Guthrie, passando por Dylan e The Clash



Woody Guthrie se apresenta em um bar de Nova York, em 1943, com seu famoso violão onde se lê: “Esta máquina mata fascistas”.

Por Fernando Navarro, no El País
Quando Billie Holiday cantou pela primeira vez Strange Fruit no teatro Apollo, do Harlem, o filho do proprietário do local, Jack Shiffman, disse: “Não havia uma alma no público que não se sentisse estrangulada”. O cantor negro Josh White afirmou: “A música é a minha arma. Quando canto Strange Fruit me sinto tão poderoso como um tanque M-4”. Aquela certamente não era uma canção qualquer. Como descreveu um jornalista do New York Post: “Se a ira dos explorados algum dia chegar a arder no Sul, agora ela já conta com a sua Marselhesa”.
Ao denunciar o linchamento de negros norte-americanos que tinham seus corpos pendurados, Strange Fruit, de 1939, aparece como a primeira canção protesto da história da música popular na lista de 33 Revolutions Per Minute – A History of Protest Songs, from Billie Holiday to Green Day (33 revoluções por minuto – uma história das canções de protesto, de Billie Holiday ao Green Day, inédito no Brasil), monumental livro de quase 900 páginas escrito pelo crítico musical britânico Dorian Lynskey, do jornalThe Guardian. “É um começo natural, porque foi quando a canção pop abraçou inteiramente a política”, diz Lynskey por telefone de Londres.
Billie Holiday.
Algo semelhante aconteceu em 1944 com This Land Is Your Land, deWoody Guthrie, que, agarrado ao seu violão com a inscrição “Esta máquina mata fascistas”, dizia que seus olhos eram uma câmera que “tira fotos de todo o mundo”. Com sua máquina, o músico podia alcançar o cidadão comum, em povoados e estradas vicinais, com mais eficiência do que os escritores, por exemplo. Ao escutar Tom Joad, canção de Guthrie inspirada em As Vinhas da Ira, o autor desse romance, o prêmio Nobel de Literatura John Steinbeck, exclamou: “Maldito! Em 17 versos resumiu a história inteira que levei dois anos para escrever”. Mas Steinbeck, admirador do aguerrido bardo, reconheceu seu valioso trabalho: “Canta as canções de um povo e, de certa forma, ele é esse povo”. “Estas canções fizeram colidir tensamente a diversão das casas noturnas e dos palcos com a realidade social mais brutal ou injusta”, observa Lynskey.

Em português, nenhuma; em espanhol, Víctor Jara

Nem todas as que merecem estão lá, mas todas as que estão merecem. De uma sucinta seleção de 33 canções, naturalmente faltam muitas obras de criadores importantes na história da música popular. Não há, por exemplo, nenhuma canção brasileira, ou mesmo em português. Dorian Lynskey sabe disso e admite que se centrou na canção anglo-saxã, transitando entre Reino Unido e Estados Unidos, mas nem por isso ignorou totalmente o resto do mundo. Três canções de fora desse universo foram incluídas: War In a  Babylon, dos jamaicanos Max Romeo and the Upsetters;Zombie, do nigeriano Fela Kuti e Afrika 70; e Manifiesto, do chileno Víctor Jara. “São composições que tiveram certo impacto no rock e no pop das nossas sociedades”, argumenta.
Desta forma, o único rastro de canção em idiomas neolatinos é do cantor e compositor chileno mais conhecido internacionalmente, que foi assassinado pela ditadura de Pinochet logo após o golpe de Estado de 11 de setembro de 1973. “Morreu cantando. Foi vítima de uma década desoladora em seu país”, observa o escritor britânico.
No Brasil, as canções de protesto ganharam um importante impulso em meados dos anos de 1960, quando o início da ditadura militar (1964-1985) coincidiu com o surgimento de uma nova geração de músicos —Caetano Veloso, Gilberto Gil, Chico Buarque, Gal Costa, Geraldo Vandré, entre outros. Protestaram tanto contra o regime autoritário como contra a sociedade conservadora da época e marcaram a Música Popular Brasileira (MPB).
Na Espanha, a tradição da canção protesto remonta à época da Guerra Civil (1936-39), mas alguns de seus nomes mais conhecidos surgiram nas décadas de 1950 e 60. Entre eles estão Chicho Sánchez Ferlosio, Paco Ibáñez, que musicou poetas espanhóis de todas as épocas, e os bascos Raimon e Mikel Laboa, cantando em seu idioma. Numa geração posterior figuram Lluís Llach, Pi de la Serra, Joan Manuel Serrat, Patxi Andión, Labordeta e Javier Krahe, entre outros.
Dessa tensa colisão, gerada entre o mundo do espetáculo e o dos acontecimentos políticos, sociais e culturais do último século, se nutre esse minucioso levantamento, que se centra em 33 canções, de Strange Fruit a American Idiot, do Green Day, a composição que serve de pretexto a Lynskey para analisar como eram os Estados Unidos em plena psicose antiterrorista na era George W. Bush e comentar o papel de diversos músicos dessa época. “Minha intenção foi fazer uma espécie de biografia das canções”, diz. De fato, esse é o grande trunfo do livro:
por trás de cada música se descortina toda uma época e um contexto político, social e cultural, fazendo da sua apertadíssima seleção um mal menor, uma vez que prevalece uma leitura apaixonante sobre o poder da música como crônica humana e social, embora seja muito difícil definir o conceito de canção de protesto. “Bob Dylan se encarregava de recordar, pouco antes de tocar Blowin’ in the Wind, que essa não era uma canção protesto, mas é impossível não reconhecer o efeito que ela causou. Interessaram-me aquelas que abrem uma porta pela qual o mundo exterior penetra”, diz.
De Dylan, nome-chave para a canção de protesto, o livro incluiMaster of War (1963). Lynskey lhe atribui o mérito simbólico de ter liquidado a tão ativista comunidadefolk e dado o salto para a modernidade rock, passando do “nós” para o “eu”. Dylan tinha vontade de enterrar as suas próprias canções protesto, mas, como lhe respondeu o incansável agitador Phil Ochs: “Não pode enterrá-las. São boas demais. E já não lhe pertencem”. Também são parte do patrimônio popular outras músicas analisadas no livro, como Mississippi Goddam, cantada porNina Simone, que em 1964 entrava no contexto da luta de Malcolm X pelos direitos civis, A Change Is Gonna Come, de Sam Cooke, associada ao discurso menos radical de Martin Luther King Jr, eWhite Riot, do The Clash, talvez a única banda do punk dotada de certo heroísmo – ou, como dizia Joe Strummer: “Não tínhamos soluções para os problemas do mundo, mas começamos a pensar e nunca nos acomodamos”.
The Clash em uma imagem de arquivo.
O The Clash deixou um legado poderoso para outras formações citadas no livro, como U2, R.E.M., Manic Street Preachers e Billy Bragg, um estandarte do ativismo que sempre lutou contra a “retórica vazia” e admitiu que era preciso “passar o bastão ao público, porque só o público pode mudar o mundo, não os cantores”. Seu equivalente norte-americano, ao menos durante bastante tempo, foi Steve Earle, ex-presidiário sem papas na língua, de quem o livro inclui John Walker’s Blues, canção que buscava combater a paranoia patriótica nos EUA após os atentados de 11 de setembro de 2001. “As melhores canções políticas são periscópios que nos permitem ver uma parte da história”, reflete Lynskey. Isso e algo mais, como dizia Billie Holiday quando cantava Strange Fruit, que alguns empresários tentaram proibir, mas que a diva cantava sempre graças a uma cláusula especial: “Eu conseguia distinguir os imbecis no meio do público. Eram aqueles que aplaudiam quando eu terminava de cantá-la".

quinta-feira, 29 de outubro de 2015

Teatro Amazonas

Óperas, glamour e história em Manaus



Vista de longe, a cúpula do Teatro Amazonas destaca-se no centro de Manaus como símbolo de um tempo glorioso. Há 100 anos, francês e inglês eram idiomas correntes nas ruas da capital amazonense, na boca de homens de negócio que portavam no bolso notas de libras esterlinas. Senhoras esbanjavam elegância em roupas finas encomendadas a costureiros da Europa. Pairava no ar o espírito da modernidade, do crescimento econômico e da renascença cultural. Manaus, na época, era “a única cidade brasileira a mergulhar de corpo e alma na franca camaradagem dispendiosa da belle époque”, observa o escritor Márcio Souza em seu livro História da Amazônia.
Estou sentada no largo São Sebastião, na frente do belo teatro de paredes rosadas, sorvete na mão para amenizar o calor. Casais apaixonados beijam-se sem pudor e pessoas circulam animadas pela noite. Gosto de vir para cá desde que morei em Manaus, em 2007. Já assisti a inúmeros concertos, espetáculos de dança, shows de jazz. Espremi-me na multidão para contemplar o prédio iluminado na noite de Natal. Não importa quanto tempo eu fique longe da cidade: sempre que volto, corro a essa praça que povoa minha mente de lembranças da história local.
A riqueza que fez de Manaus uma cidade cosmopolita e levou à construção do teatro foi gerada por uma árvore da floresta, a seringueira. No fim do século 19, a borracha, flexível e à prova d’água, causou furor em um mundo em plena expansão industrial, mas acostumado a lidar apenas com madeira e ferro. O látex, suco que emana da seringueira e é a matriz da borracha, respondia, em 1910, por um quarto de todas as exportações brasileiras, e saía da Amazônia em barcos a vapor direto para a Europa e os Estados Unidos, onde fábricas da Goodyear produziam de espartilho a mola para porta e zepelins.
A alta sociedade manauense apreciava a dramaturgia estrangeira, mas reclamava de seus palcos acanhados. O projeto do grande teatro ganhou corpo em 1893, com o governador Eduardo Ribeiro. “Ele queria usar a beleza para transforma a cidade”, diz Otoni Mesquita, professor da Universidade Federal do Amazonas. “E, naquele momento, aspirar melhores condições de vida implicava em reproduzir o modelo europeu.”
No porto no rio Negro, a cidade viu desembarcar materiais, arquitetos, construtores, pintores e escultores renomados vindos do Velho Mundo. Espelhos foram importados de Veneza; lajedos e escadarias de pedra, de Lisboa; a cúpula, em verde , amarelo e azul, possui 36 mil peças de escamas de cerâmica esmaltada e telhas vitrificadas na França. No começo de 1897, uma semana depois da inauguração, via-se no palco La Gioconda, de Ponchielli, apresentada pela Companhia Lírica Italiana. O Guarani, Fausto, Carmen e La Traviata foram outras famosas óperas assistidas a seguir no coração da selva. Doenças tropicais não impediam a vinda dos artistas, animados pelos ótimos cachês. (De acordo com o historiador Mário Ypiranga, em 1900, pelo menos seis deles morreram de febre amarela por não cuidar da saúde e se entregar a “excessos boêmios”.)
O teatro era um espaço social tão importante que mantinha o próprio jornal, A Platéa. Em 4 de maio de 1907, os textos mostravam indignação com o fato de que poucos cavalheiros sabiam vestir corretamente o smoking. A mesma edição revela que o chapéu das mulheres era uma questão polêmica: por menor que fosse, atrapalhava a vista de quem se sentava na poltrona de trás.
Entre outras regalias, as elites locais mandavam lavar roupa em Portugal e passavam férias em Nova York. Essa vida fácil iludiu os senhores da borracha. Para eles, a seringueira, ao contrário do ouro, uma riqueza finita da floresta, era uma planta que crescia em um ritmo de fartura eterna. Mas tanto esplendor começou a ruir diante da ambição de um único homem, o jovem inglês Henry Wickham, que convenceu o comandante de um navio a contrabandear 70 mil sementes de seringueira, a pedido do diretor do Jardim Botânico de Londres. Da Inglaterra, elas seguiram para a Malásia, onde milhares de árvores dispostas em plantações sistemáticas resultaram em produção intensa e regular – uma ideia simples e eficiente ignorada pelos barões de Manaus, acomodados na exploração extrativista.
Em 1914, o preço da borracha despencou no mercado internacional; dois anos depois, 200 firmas foram à falência em Manaus. E assim acabou o sonho de quem acendia charutos com notas de 1 000 réis. A cidade entrou em colapso, como descreve Márcio Souza: “Numa manhã calorenta, apareceram os quadros da falência: suicídios, navios lotados de arrivistas em fuga, famílias inteiras de mudança, palacetes abandonados”.
Por Karina Miotto, na NATIONAL GEOGRAPHIC BRASIL

quarta-feira, 28 de outubro de 2015

O homem que sobreviveu a 8 campos de concentração nazistas

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United States Holocaust Memorial MuseumImage copyrightUS Holocaust Memorial Museum
Image captionCrianças sobreviventes em Auschwitz - foto tirada de imagens gravadas pelas forças soviéticas
Um sobrevivente do Holocausto que escapou da morte em oito campos de concentração nazistas durante a Segunda Guerra Mundial relatou suas experiências à BBC, no ano em que a liberação do campo de Auschwitz completa 70 anos.
Por Tom Mullen, na BBC
"Chegamos à meia-noite. Havia um silêncio mortal e a visão era assustadora", conta Chaim Ferster, que vive na Grã-Bretanha desde 1946, lembrando a primeira vez que chegou ao notório campo de concentração.
"Podíamos ver à distância as chamas que subiam de quatro chaminés. Naquela hora não percebi que eram os crematórios". disse ele.
Nascido em uma família de judeus ortodoxos na cidade de Sosnowiec, na Polônia, Ferster tinha 17 anos quando a Segunda Guerra Mundial começou, em 1939.
Em 1943, aos 20 anos de idade os nazistas foram buscá-lo em casa. Entre 1943 e 1945, ele viveu em oito campos de concentração diferentes na Alemanha e na Polônia, onde enfrentou trabalhos forçados, desnutrição e doenças como tifo.
Agora, com 93 anos de idade e já bisavô, morando em Manchester, ele recorda o tempo em que as comunidades judaicas temiam a expansão militar da Alemanha.
BBC
Image captionFerster foi levado de casa na Polônia, passou por vários campos de concentração mas sobreviveu e foi morar na Inglaterra
"Podíamos ver os aviões alemães. Os nazistas invadiram Sosnowiec muito rapidamente. Lembro que os judeus estavam muito preocupados com tudo o que estava a ponto de acontecer", contou o sobrevivente.

Viver com medo

Ferster conta sobre a chegada do racionamento, a fome generalizada e as doenças que se proliferavam pelo gueto judeu na cidade polonesa.
"Tínhamos cartões de racionamento e não havia muita comida nas lojas", lembrou.
"Não tínhamos remédios. As pessoas estavam morrendo e a vida era muito difícil. E, em um certo momento, reuniram vários líderes da cidade e dispararam (contra eles). Assim, sem mais nem menos."
Mais tarde, começaram as deportações de milhares de famílias de judeus para os campos de concentração. Em meio ao caos, ele conseguiu evitar de ser levado em 1942, quando sua mãe e sua irmã desapareceram, e seu pai morreu.
"Todo mundo sabia que as pessoas selecionadas pela Gestapo nunca voltavam", disse.
Com isso em mente, um parente o convenceu a aprender uma habilidade que pudesse ser útil aos alemães: consertar máquinas de costura, o que permitiu com que fosse classificado oficialmente como "mecânico".
A partir de 1943, quando foi preso, Ferster passou pelos oito campos de prisioneiros. Ele se lembra que foi obrigado a carregar blocos de cimento em meio a temperaturas abaixo de zero.
BBC
Image captionChaim Ferster tinha 17 anos quando a guerra começou em 1939
"Fazia um frio insuportável, uns 25 ou 26 graus abaixo de zero. Os soldados começaram a nos bater, gritando que não éramos rápidos. Muitos não podiam aguentar, tinham pneumonia. E alguns morreram", disse.
No fim de 1943, houve um surto de tifo no campo em que Ferster estava e ele ficou muito doente. Muitos morreram devido à doença, mas ele sobreviveu.
Ferster se lembra de ver corpos dos mortos pela doença "empilhados (...) formando torres altíssimas".

Auschwitz

Ferster foi deportado para Auschwitz.
AFP
Image captionCerca de um milhão de judeus foram mortos no campo de concentração de Auschwitz-Birkenau (Foto: AFP)
Ele se lembra muito bem dos prisioneiros que eram mandados para os infames "chuveiros".
"Nos colocaram em um grupo. Todos nós, um grupo especialmente grande. Na manhã seguinte, alguns de nós foram selecionados para ir para os chuveiros", disse.
"Fomos ali, na mesma sala com chuveiros onde outras pessoas tinham morrido com os gases. Mas, quando entramos, caiu água no lugar do gás e pudemos nos lavar."
Ferster foi um dos poucos sobreviventes de Auschwitz, que foi liberado pelos aliados em janeiro de 1945.
Mas, naquele mesmo ano, à medida que a Alemanha perdia a guerra, os nazistas começaram a acelerar o plano de execução dos prisioneiros judeus.
Como resultado, Ferster foi colocado em outro grupo de prisioneiros enviado caminhando para outro famoso campo de concentração, Buchenwald.
Foi em Buchenwald que ele achou que fosse morrer.

Liberdade

APImage copyrightAP
Image captionFerster conseguiu sobreviver a Auschwitz mas então foi levado e obrigado a caminhar até outro campo, Buchenwald
Os prisioneiros estavam sendo assassinados em massa, dia após dia. Ferster aguardava um destino parecido com o dos companheiros de prisão.
Mas justamente quando Ferster e os outros estavam sendo chamados para a execução, o campo foi liberado.
"De repente chegaram os aviões americanos e todos os soldados alemães fugiram", disse.
"Meia ou uma hora depois, um tanque americano atravessou os portões do campo e os soldados (chegaram) gritando 'vocês estão livres, vocês estão livres!'".
Tempos depois da liberação, Ferster descobriu que apenas dois membros de sua família sobreviveram ao Holocausto, a irmã Manya e a prima Regina.
"Não conseguia acreditar. Não conseguia acreditar", contou Ferster emocionado.
Ele foi para a Inglaterra depois da guerra e trabalhou em uma loja de consertos de máquinas de costura até estabelecer sua própria pequena empresa.

terça-feira, 27 de outubro de 2015

Pediatras recomendam que mãe leia para o bebê ainda na barriga

Receita é aconselhada pela Sociedade Brasileira de Pediatria. Leitura de histórias tem importância enorme no desenvolvimento das crianças.



Do Jornal Nacional/G1

A Sociedade Brasileira de Pediatria divulgou uma recomendação para quem quiser estimular o desenvolvimento das crianças. A leitura de histórias tem uma importância enorme nesse processo. E é muito mais cedo do que se imaginava.

Era uma vez um lindo reino da espera. No mundo das barrigas enormes, cuidados, afeto e livros. Em uma maternidade pública do Rio de Janeiro também se aprende a importância da leitura.

Luciana lê para Jéssica, que escuta em silêncio. As palavras são para Samuel e Cauã, que chegam a qualquer momento.

Jornal Nacional: Que lindo, falando de amor para os filhos de vocês. É isso?
Luciana França, mãe de Samuel: Sim, é muito bom falar de amor para nossos filhos para eles acostumarem desde a barriga.

Para os que já chegaram ao mundo, mas ainda precisam lutar mais um pouquinho, o livro também é tratamento na UTI Neonatal. O Pietro nasceu há três dias e ainda não pode ir para casa, mas enquanto isso vai ouvindo historinhas com final feliz.

Na incubadora, Miguel recebe carinho de muitas formas. A leitura da mãe é uma delas. “É o tom de voz também. A gente fica conversando. Ele fica bem mais calminho”, ela conta.

A receita de leitura cada vez mais cedo, ainda na gestação, é a nova recomendação da Sociedade Brasileira de Pediatria. E segue o mesmo caminho da Academia Americana de Pediatria.

“O cérebro começa a desenvolver dentro do útero e a criança sente. Ela pode não entender as palavras, mas ela sente que alguém está se comunicando com ela. Aquelas conexões neuronais estão todas começando a formar. E se nós tivermos bons estímulos, nós fazemos conexões boas”, afirma o presidente da Sociedade Brasileira de Pediatria, Eduardo da Silva Vaz. 

Sara só tem cinco meses e essa intimidade com os livros foi estimulada pela mãe. “Ela teve a oportunidade de ouvir muito a minha voz antes mesmo de me conhecer. Acho que a leitura aumenta muito o poder de reflexão, de imaginação”, diz.

O vídeo você assiste aqui.

segunda-feira, 26 de outubro de 2015

Dom Pedro II na Atenas sergipana: ecos da cidade rica, culta e negra

                                      Mestre Zé Rolinha, rei dos Lambe Sujos, segura sua espada / MAURICIO PISANI

Laranjeiras é hoje o 3.254° município em IDH do país. Mas guarda na memória os tempos que fizeram o Imperador cruzar o seu caminho


Por Carla Jimenez, no El País

Laranjeiras guarda na memória os tempos de bonança que levaram o Imperador do Brasil Dom Pedro II a visitá-la em 1850, quando o rei escolheu as cidades mais ricas do país para conhecer pessoalmente. Seguiu com a imperatriz Teresa Cristina, passeou pelas ruas da cidade, conversou com alunos das escolas, doou recursos para que os negros concluíssem a igreja que estavam construindo.  Era uma época em que o município nordestino fervilhava com uma elite intelectual que frequentava os três teatros da então vila imperial. Há registros de companhias francesas que se apresentavam ali, trazendo o melhor da bele epoque europeia.
A intensa atividade cultural rendeu-lhe o apelido de a Atenas Sergipana. Uma referência comum para falar de Laranjeiras era a cidade rica, culta e negra. O papel central da cultura entre as famílias abastadas fazia com que olhassem as festas folclóricas dos negros com benevolência. Eram os pobres vivendo a sua interpretação de arte. “Havia senhores de engenho que inclusive forneciam a cachaça para embalar a festa dos Lambe Sujos”, conta Evandro Bispo.
Nessa época, outras festas folclóricas nasceram e foram mantidas pela população pobre de Laranjeiras, algumas sob a influência dos colonizadores, como a Chegança, celebrada até hoje, que relembra as conquistas portuguesas do século XV, e a luta entre cristãos e mouros.
Hoje, a região ainda vive de engenhos de açúcar, e de algumas indústrias ali instaladas. Mas não é sombra do que foi um dia economicamente. É o 3.254° município no ranking das 5.500 cidades brasileiras, com um índice de desenvolvimento humano (0,64)– que inclui nível renda, educação e longevidade – abaixo do nacional (0,74).Mas, a cidade dinâmica, que prometia um futuro esplendoroso, foi atropelada pela revolução industrial, quando os barcos a vapor levaram a velocidade para o mundo. Esses navios mais sofisticados não tinham espaço para navegar no rio Cotinguiba, até então a porta de entrada fluvial de Laranjeiras. Foi o início do fim da época de ouro da cidade, que viveu um êxodo das famílias ricas, e levou junto seu desenvolvimento. Jornais do início do século XX se referiam a Laranjeiras como um “burgo podre”, segundo pesquisa da antropóloga Beatriz Dantas.
Os ecos do passado, porém, alimentam seu patrimônio cultural. E a riqueza agora pode se medir de outra forma. José Ronaldo de Menezes, mais conhecido como Mestre Zé Rolinha, sintetiza bem esse novo momento. Zé Rolinha é um dos mais ilustres moradores de Laranjeiras, devoto das tradições da sua terra desde criança, e por essa dedicação ostenta o título. Ascendeu socialmente e transcendeu na vida como ator da cultura popular. É também mestre na festa da Chegança.
Ser mestre em Laranjeiras nada tem a ver com dinheiro. O valor de um líder popular é medido pelo tamanho do seu amor pela história e as suas raízes.  “Vivemos aquilo que vem dos mais velhos, do passado, no presente. Meu dever é passar aos demais a cultura brasileira”, afirma Zé Rolinha.
Pela própria raiz histórica, é fácil deduzir que os Lambe Sujos cresceram à margem do poder local, sem recursos, com mais ajuda de guardiões como o Mestre Zé Rolinha ou Bispo, que conservam as histórias e seus mitos por tradição oral. O fotógrafo Lúcio Telles, de Aracaju, que retrata a festa dos Lambe Sujos há 18 anos, tem uma leitura particular no debate suscitado por esses personagens e por essa cidade escondida no menor Estado do Brasil. “Num momento em que a política não tem moral, o folclore é o oposto”, observa. “Tem prefeito, tem vereador, tem Governo, mas é tudo temporário, de quatro em quatro anos. A cultura, a pureza do folclore não é sazonal, e contrasta com essa decadência do poder político”, diz ele. Definitivamente, a riqueza em Laranjeiras mudou de forma e de mãos.

sábado, 24 de outubro de 2015

Thriller de espionagem marca reencontro de Spielberg e Tom Hanks: Ponte dos Espiões

Rodado em Berlim, "Ponte dos Espiões" conta a história de uma das mais famosas trocas de espiões da Guerra Fria. Bem recebido pela crítica, filme já é apontado como candidato ao Oscar.
Tom Hanks em uma das cenas gravadas em Berlim: filme teve orçamento de 40 milhões de dólares
Por Jochen Kürten , na Deutsche Welle
A estreia mundial de Ponte dos Espiões, o novo filme do cineasta americano Steven Spielberg, terminou com uma ovação de pé durante o 53° Festival de Cinema de Nova York, no início deste mês.
Será interessante observar como o grande público americano vai reagir após a chegada do filme aos cinemas do país nesta sexta-feira (16/10). No Brasil, o longa está previsto para estrear em 22 de outubro. Na mídia americana, Ponte dos Espiões já é considerado um forte candidato ao Oscar de 2016.

A reação da imprensa após a pré-estreia já foi muito positiva. A revista especializada The Hollywood Reporter elogiou, dizendo tratar-se de um "melodrama otimista sobre a Guerra Fria". Por sua vez, o jornal New York Post prognosticou várias indicações ao Oscar. OIndependent também reagiu com entusiasmo. A revista Variety enalteceu principalmente a atuação de Mark Rylance, que faz o papel de uma agente do serviço secreto soviético KGB.
Orçado em 40 milhões de dólares, o filme marca o reencontro de Spielberg com Tom Hanks. Os dois trabalharam juntos pela última vez em O Terminal, de 2004.
O elenco também conta com o ator alemão Sebastian Koch, conhecido por sua participação em filmes como A vida dos outros e Operação Valquíria. No ano passado, ele passou semanas filmando em locações originais no país: em Berlim e Potsdam, em Brandemburgo, como também nos estúdios de cinema Babelsberg.
Um diretor entre a ficção e a história
Em sua longa e bem-sucedida carreira, Spielberg já produziu muito medo e terror, com seres cinematográficos fantásticos, como um tubarão branco e dinossauros gigantescos. Ele elaborou criaturas bizarras, mas absolutamente meigas como E.T., mas mostrou também o realismo nas telas: em A lista de Schindler, ele aborda Auschwitz e o Holocausto; em O resgate do soldado Ryan, o avanço dos Aliados sobre a Alemanha nazista.
Cena de "Ponte dos Espiões", com Tom Hanks (c.) no papel principal
Em Ponte dos Espiões, os espectadores vão reencontrar esse Spielberg "realista". Mesmo que a história contada pelo diretor possa parecer à plateia de hoje algo inimaginável, ela é baseada em fatos verídicos da Guerra Fria.
Ponte dos Espiõesdescreve o abate de um avião de reconhecimento americano do tipo U-2 por um míssil russo, sobre a União Soviética em 1960. Milagrosamente, o piloto Francis Gary Powers conseguiu se salvar a 20 mil metros de altura. Os acontecimentos se espalharam rapidamente por todas as partes do planeta, tirando o fôlego das pessoas no auge da Guerra Fria.
Trocas de agentes entre o Leste e o Ocidente, como esta em 1986, aconteceram várias vezes na Ponte de Glienicke
Sucesso de propaganda soviético
Os americanos já haviam relatado a morte de seu piloto quando os soviéticos, pouco depois, anunciaram ter prendido Powers: um tremendo sucesso de propaganda para os comunistas. Inicialmente, a tentativa de libertá-lo através de negociações fracassou.
Filmagens na Ponte de Glienicke: nova película de Spielberg foi rodada em locações originais
É neste ponto que entra o filme de Spielberg. Em Berlim Oriental, o advogado nova-iorquino James B. Donovan (Tom Hanks) entra em contato com autoridades da Alemanha comunista e com agentes russos. Ele se encontra com o negociador alemão-oriental Wolfgang Vogel, interpretado por Sebastian Koch. Finalmente, as negociações são bem-sucedidas, porque a superpotência EUA também tinha algo a oferecer em troca: o superespião soviético Rudolf Abel, que na época se encontrava preso pelos americanos.
Numa memorável permuta de agentes, em 1962, Powers e Abel trocam de lados na Ponte de Glienicke. A partir dali, a ponte se tornou palco de novas trocas. A construção que liga as cidades de Berlim e Potsdam entrou para a histórica como "ponte dos espiões", fato agora consagrado com a produção hollywoodiana.

sexta-feira, 23 de outubro de 2015

Paul McCartney: “Lennon e eu competíamos sempre, e era saudável”


Paul McCartney
McCartney, durante um show em Chicago em julho. / R. GRABOWSKI (AP)

Por Michael Bonner, no El País
“Sou péssimo em história”, admite Paul McCartney em tom de cumplicidade. “Sim, péssimo. E o pior é que as pessoas conhecem minha história muito melhor do que eu jamais chegarei a conhecê-la. Eu não me importo muito”. No escritório em cima de seu estúdio de gravação em Sussex, o velho beatle tenta se distanciar do peso de sua lenda.
Recentemente foram reeditados dois de seus álbuns solo, Tug of WarPipes of Peace. Ambos apareceram quando ele quis se afastar de tudo após começar a década de 1980 com o pé esquerdo. Foi preso no Japão por posse de maconha, seu disco McCartney II recebeu críticas ruins, sua banda Wings se separou e John Lennon foi assassinado em Nova York. Depois da morte do amigo, ficou oito anos sem fazer turnês. Tug of War, no qual participaram Ringo Starr, Stevie Wonder e Carl Perkins, seu herói de infância, incluiu uma comovente homenagem a Lennon, Here Today, e marcou um novo começo para McCartney que chega até nossos dias.
Pergunta. Em Tug of War você se reencontrou com George Martin [histórico produtor dos Beatles] pela primeira vez desde 1973. Por que?
Quando penso em John, prefiro ficar com a parte boa
Resposta. É o melhor. Sempre o admirei, e adoro o que fizemos juntos com os Beatles. Falaram mal dele. John estava em uma de suas fases de “odeio o mundo”. Disse coisas muito ácidas sobre George Martin que sei que depois retirou. De certo modo, George não estava tendo o reconhecimento que merecia. Mas trabalhar com ele era ótimo. Era o adulto da casa. Nós éramos os meninos malcriados. Apresentamos Please, Please Me como uma balada muito lenta ao estilo Roy Orbison, mas ele falou que ficaria melhor um pouco mais rápida. Ele nos convenceu e disse que seria nosso primeiro número um. E foi o que aconteceu daquela vez e um milhão de outras vezes.
P. Quando assassinaram John você estava trabalhando no que seriaTug of War. Quando foi a última vez que o viu?
R. Eu o vi com May Pang [sua namorada nos anos 70, quando esteve separado de Yoko Ono] em seu apartamento quando estavam juntos. Estava bem mais tranquilo. Era mais ele mesmo. Depois o vi quando estava em Los Angeles fazendo o álbum do Harry Nilsson [Pussy Cats], e todos estavam loucos.Yoko Ono tinha me enviado como mediador para dar a John um recado: “Se voltar para Nova York e namorar com ela, talvez te aceite”. Foi o que ele fez. Quando nasceu Sean, eu o vi. Creio que foi depois de Pussy Cats. Acho que a última vez foi em Nova York, em seu apartamento no edifício Dakota. Sempre me lembro de O Bebê de Rosemary.
P. Onde você estava quando soube que tinham atirado nele?
R. Estava em minha casa. Recebi um telefonema do meu agente na época. Foi um golpe brutal. O mesmo aconteceu com Linda. Tinha marcada uma sessão com os The Chieftains. Parte de mim dizia para não ir, mas pensei que seria melhor estar com George Martin e começar a trabalhar. Gravei com eles. Depois saí e continuava abalado.
No final dos Beatles houve uma amargura, achavam que eu era um presunçoso
P. Acredita que as pessoas esperavam que escrevesse uma canção sobre John?
R. Pensei que queria fazer a canção mais maravilhosa, mas nem sempre se é capaz de responder a esse estímulo. Não sei por que. Provavelmente fiquei esperando para ver se vinha algo, mas não podia me sentar e escrever uma canção como reação. Curiosamente, escrevi Here Today depois neste estúdio. Me ocorreu pensar o que diríamos, de que falaríamos, o que estaríamos fazendo se ele estivesse aqui e agora. Em meus shows eu a apresento como a conversa que nunca tivemos. Mas é uma canção, não um boletim psiquiátrico.

P. A canção se refere ao começo de sua relação com John. Era assim que costumava pensar nele após sua morte?
R. Os anos anteriores a sua morte foram dolorosos, sobretudo com relação à separação dos Beatles. Mas, como todo mundo, bloqueio as coisas ruins. Eu não gosto de ficar nelas. Por isso, mesmo agora, quando penso em John, penso em nós escrevendo juntos A Day in a Life. Coisas assim. Prefiro ficar com as coisas boas.
P. Carl Perkins interveio com Get It no disco Tug of War. Uma vez disse que, sem ele, os Beatles não teriam existido.
R. No princípio houve algumas pessoas realmente influentes, como Elvis. Depois teve gente como Jerry Lee Lewis. Buddy Holly foi uma grande influência porque escrevia e cantava suas próprias composições, que era o que nós fazíamos, e tocava seus próprios solos. Isso nos deu pistas. Isso é o que os Beatles faziam. Essa foi a revolução. Nem mesmo os Rolling Stones faziam isso. Pegamos tudo de Buddy.
P. Ringo afirmou que, em 1962, em Liverpool, todos os grupos tinham o mesmo repertório.
R. Todos recorríamos ao mesmo. Éramos basicamente bandas cover. Não havia forma de se livrar a não ser compondo suas próprias canções. É algo que eu gosto porque desmitifica a história de Lennon/McCartney. Em vez de dizer que foi a grande musa que desceu sobre nós, foi na verdade uma necessidade. Depois, chegou um instinto competitivo. O melhor de John e eu escrevendo juntos era que competíamos um com o outro sem parar, e isso era muito salutar. Dizíamos: “Droga, acabou de compor Strawberry Fields. Melhor eu compor Penny Lane”.

P. Acredita que Harrison se sentia intimidado quando apresentava canções a você e John?
R. No início compúnhamos canções para ele porque ele não compunha. Escrevemos Do You Want to Know a Secret para George, mas então nos mostrou pela primeira vez uma canção que se chamava Don't Bother Me e achamos boa. Fomos um pouco condescendentes. Estava boa, mas não tão boa como as que escrevíamos para ele. Foi melhorando cada vez mais: If I Needed Someone, Here Comes the Sun e Something. Trazia-nos coisas sérias.Something se tornou a canção de Lennon e McCartney favorita de Sinatra.
P. Depois da separação, você se mantinha a par do que os outros estavam fazendo?
R. Sim. Acredito que todos escutávamos os discos dos outros. Ao final dos Beatles houve amargura, eram três contra um, já que coube a mim fazer o que tinha de ser feito para que todos nos libertássemos do controle de Allen Klein [polêmico empresário da banda em sua fase final]. Deu certo, mas foi muito ruim porque pensaram que eu era presunçoso. Agora Yoko Ono e Olivia Harrison me falam do bem fiz porque se deram conta de seu valor. Os Beatles nunca teriam ido a algo como o iTunes. Allen Klein é que teria ido.
P. As coisas melhoraram?
R. Sim, sim. Depois, quando ia a Nova York, telefonava para John. A coisa melhorou com todos. Percebemos que isso era um monte de merda. Uma ruptura é como um divórcio: muito dolorosa. Ouvia as canções de John e aparecia a mesma competitividade de antes. Todos nos sentíamos inseguros, então o que precisávamos era nos dar ânimo em vez de nos afastar. Enfim, já se sabe. Foi um grande grupo enquanto durou.
Michael Bonner é jornalista da revista musical Uncut.