quarta-feira, 31 de outubro de 2007

Patriotismo ou canalhice?

As causas... cada um dá guarida às suas. Acoberta-as conforme a bagagem teórica e os valores. O assunto é o estado terminal – de infindável crise - da educação brasileira. Pelo caos generalizado há quem atribua toda a responsabilidade aos professores, carentes de uma formação adequada que termina por provocar acentuadas distorções no processo de alfabetização. E se não é tudo, a alfabetização processada de forma correta, é muito. Outros preferem atribuir o problema crônico ao crescimento desordenado do ensino médio. E não sem parte da razão. Apenas na última década, o número de alunos no ensino médio foi triplicado, gerando fortes tensões sobre um sistema já frágil, débil e por demais deficiente.

Nessas condições, que cenário esperar senão este que se apresenta, vil, catastrófico, improdutivo? É como uma explosão atômica reduzindo a pó tudo o que se encontra exposto. E nesta insidiosa explosão, parte considerável dos estilhaços caiu sobre os ombros dos professores que tiveram as condições de trabalho degradadas e os salários aviltados.

Mas a parte maior dos estilhaços foi lançada diretamente sobre o colo da juventude, desfigurando-a de forma quase irremediável.

Exagero? Então vejamos. A última avaliação do Saeb - um dos exames federais de avaliação de aprendizagem - apresenta resultados devastadores: os estudantes que concluem o Ensino Médio apresentam conhecimentos esperados de alunos da 8ª série. Quando adentramos no universo das escolas públicas tão somente, ai os resultados são de amargar, tornam-se demolidores: é que a média dos alunos das escolas particulares geralmente é 21% maior que a dos estudantes do ensino público.

O cenário é de terra arrasada. Parte expressiva dos alunos fica três anos na escola cursando o ensino médio e aprende rigorosamente nada. Três anos jogados fora. Em São Paulo, a unidade mais rica da federação, praticamente a metade dos alunos conclui o ensino médio com conhecimentos de escrita e leitura que seriam apropriados para um estudante da oitava série. O Saeb denuncia que 43,1% dos alunos do terceiro ano do ensino médio tiveram notas inferiores a 250, patamar fixado como mínimo para a oitava série. Traduzindo em miúdos, esses estudantes não conseguem, por exemplo, compreender o efeito do humor provocado por ambigüidade de palavras ou reconhecer diferenças de opiniões em um mesmo texto.

Engana-se quem pensa que chegamos ao fundo do poço. Não, o buraco é muito mais profundo: 15,2% dos alunos tiveram desempenho ainda pior, apresentando conhecimentos similares aos que se esperam das crianças de quarta série.
Não custa repetir. O buraco é mais embaixo porque este quadro está distorcido pela presença dos alunos da rede privada, cuja média é 21,2% superior à dos alunos da rede pública. Quando o universo se restringe exclusivamente aos estudantes das escolas públicas então o cenário torna-se uma mistura ignominiosa onde se destacam incompetência, irresponsabilidade e crime de lesa pátria.

Todo o país que se preze reserva à juventude o que tem de melhor e mais nobre. E por uma razão bem simples e pragmática: mais dia, menos dias, o destino da nação estará em suas mãos. Mas Pindorama – os fatos comprovam! – não é um país que se preze: os jovens são humilhados e açoitados, porque deles se espera não combatividade, sabedoria e patriotismo, e sim leniência e cumplicidade com a canalhice que acomete uma fração expressiva dos que cuidam da educação e da política brasileiras.

Antônio Carlos dos Santos é professor, criador da metodologia Quasar K+ de Planejamento Estratégico e da tecnologia de produção de teatro popular de bonecos Mané Beiçudo. acs@ueg.br

terça-feira, 30 de outubro de 2007

Sobre Oswaldo Cruz, dengue, Cuba e otras cositas más...

A Saúde Pública no Brasil sempre esteve enferma, prostrada numa maca esquecida nos caóticos corredores dos hospitais públicos que envergonham os de boa índole.

E justiça seja feita: a responsabilidade maior por esta tragédia nacional nem sempre esteve sobre os ombros do governo.

Não custa relembrar o episódio protagonizado por Oswaldo Cruz e que se inscreveu na história como a Revolta da Vacina.

Oswaldo Cruz ingressou na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro em 1887, aos quinze anos de idade, especializando-se em Bacteriologia no Instituto Pasteur de Paris.

Quando nomeado Ministro da Saúde - na época o cargo denominava-se Diretor Geral de Saúde Pública – percebeu que a cultura médica e a própria população incorria num erro crasso: acreditar que a febre amarela resultava da transmissão pelo contato com roupas, suor, sangue e secreções de doentes. Logo o tino investigativo de Oswaldo Cruz percebeu o ‘x’ da questão. Seus estudos o conduziram ao verdadeiro vilão: o transmissor da febre amarela era um mosquito.

Convencido da consistência de suas teorias, contra tudo e contra todos, determinou a paralisação dos procedimentos convencionais, substituindo-os por medidas sanitárias focadas na criação de brigadas para eliminar os focos do inseto nas residências, ruas e lotes baldios. O stablisment não gostou e orquestrou violenta reação popular.

Mas foi em 1904 que a oposição a Oswaldo Cruz se mostrou mais feroz e irracional. Surtos de varíola varriam o Rio de Janeiro, calamidade que levou o sanitarista a promover uma campanha de vacinação em massa da população. A imprensa e o Congresso se levantaram contra, a oposição estruturou a Liga contra a vacinação obrigatória e no dia 13 de novembro estourou a rebelião popular - a Revolta da Vacina. No dia seguinte foi a vez da Escola Militar da Praia Vermelha se sublevar.

Não restou alternativa para o governo que não fosse suspender a obrigatoriedade da vacinação. Mas derrotou a rebelião.

De tanto insistir e perseverar, Oswaldo Cruz acabou conquistando a vitória, completa e maiúscula. Em 1907 o Rio estava livre da febre amarela.

No ano seguinte, epidemia de varíola. Mas o trabalho de Oswaldo Cruz já era reconhecido internacionalmente e, dessa vez, a própria população acorreu aos postos de vacinação. Este é um caso – não são muitos, é verdade! – em que o governo mostra como, onde, quando e com que intensidade intervir. Uma das raras oportunidades em que o fez com competência, presteza e eficácia.

Passados 100 anos de mais equívocos que acertos, o país volta a sentir saudades do grande sanitarista e se vê às voltas com o mosquito da dengue. O Brasil está de joelhos, dobrado pelo mosquito insidioso, humilhado pela incompetência das autoridades. É o maior surto de dengue da história, o que José Gomes Temporão considera “injustificável” e “inadmissível”. Só entre janeiro e setembro, o total de casos registrados aumentou 50% em relação ao mesmo período do ano passado.

E tem o triller da CPMF – quem seria capaz de esquecer? - bicho esquisito, mistura de lobisomem com mulher da meia noite, uma novela mexicana produzida nos estúdios do Palácio do Planalto: piada agourenta que transita entre a picaretagem e o patético. A tal coisa foi criada para ser provisória e sustentar alguns projetos da área da saúde. Qual?! Nem uma coisa e nem outra.

Sabemos da qualidade das escolas de medicina do país. Já escrevi sobre o assunto um artigo que denominei “Faculdades de medicina: péssimo para o Brasil, menos mal para Goiás”. Por oportuno, cuidei de reproduzi-lo logo abaixo:

A Associação Médica Brasileira divulgou, poucos dias atrás, levantamento mostrando que – em todo o planeta - o número de faculdades de medicina no Brasil só é menor que na Índia.

Esta seria uma informação animadora, um dado alvissareiro, um indicador para invejoso algum lançar praga ou botar defeito, uma realização, enfim, para comemorar com discursos e festanças regados a champanhe e entremeados com salvas de palmas e fogos de artifício... mas somente para um eventual marciano tresloucado, desses que – dizem – costumam pousar nos arredores de São Jorge.

Vejam só: no quesito quantidade, Pindorama encontra-se bem a frente de países como EUA, China e Rússia. Os norte-americanos contam com 125 faculdades de medicina, a China mantém 150, ao passo que a Rússia, 58. Para atender 180 milhões de habitantes o Brasil estruturou 167 cursos de medicina; enquanto a Índia, com mais de 1 bilhão de habitantes mantém 222.

A questão é que – todos sabem – se a quantidade importa, a qualidade importa tanto quanto. Mas o governo privilegiou a primeira em detrimento da segunda. E deu no que deu: a insipiente estrutura de ensino da esmagadora maioria das faculdades de medicina do país. E que contribui de maneira substantiva para o caos na saúde pública.

A pesquisa da AMB registra que nos anos 70 o número de faculdades de medicina funcionando no Brasil não passava de 62. De 1971 a 1976 e depois de 1979 a 1987, o MEC não autorizou a abertura de novos cursos de medicina. Mas, a partir de 1990, o governo adotou nova política, e o descontrole ficou patente, a ponto de chegarmos aos números atuais. Nenhum problema caso as faculdades em operação estivessem funcionando de modo satisfatório. Mas quem desconhece que boa parte delas não tem condições de ministrar sequer cursos de ensino médio, como o de técnico de enfermagem. É José Gomes Amaral, presidente da Associação Médica Brasileira, quem afirma: “(...) a maior parte delas (das faculdades de medicina) não tem condições de funcionar”.

Salvo raríssimas exceções, faltam às faculdades hospitais-escolas, corpo docente qualificado, bibliotecas básicas, ou seja, o mínimo minimórum.

Mas se o diagnóstico está assim tão evidente, então por que razão o mal prevalece. Não é difícil entender. Com as mensalidades girando ao redor de R$ 4.000,00, esta fração da educação virou um mercado altamente lucrativo.

Os 167 cursos de medicina existentes no país disponibilizam 17.836 vagas todos os anos, sendo que mais da metade (exatos 58%) no sistema privado de ensino. Onde trabalharão ninguém sabe, onde se especializarão ninguém sabe, mas que infernizarão a vida de uma infinidade de brasileiros, isso também, todos sabemos.

O MEC teve que sair da letargia e se movimentar: em fevereiro deste ano editou a Portaria 147 tentando disciplinar a questão. A partir de agora o Conselho Nacional de Saúde também terá voz quando da abertura de novos cursos. E novas diretrizes deverão ser observadas: a necessidade social da abertura do curso será avaliada de forma regionalizada e a existência de hospital-escola próprio ou conveniado já se tornou pré-condição para a autorização de abertura.

Mas o MEC deve também cuidar para que todo este esforço não atenda exclusivamente aos interesses corporativos e de reserva de mercado.

Dos mais de 13 mil cursos avaliados pelo MEC através do Enade, tão somente três cursos de medicina obtiveram nota máxima na avaliação e no indicador que mensura o conhecimento agregado pelo aluno no decorrer do curso (IDD). Uma delas, a Universidade Federal de Goiás. Péssimo para o Brasil, menos mal para Goiás


Se a qualidade dos cursos de medicina já está mais que comprometida, o que dizer então dos 18% dos municípios brasileiros – mais de mil, principalmente na região Norte – que não contam com um médico sequer para o atendimento mais elementar.

Para resolver este quadro de insolvência, o ministro da Saúde, José Gomes Temporão, parece colocar todas as fichas nos brasileiros que se formaram ou estão concluindo medicina em Cuba. E para isto está dando prioridade aos processos internos de validação dos diplomas.

É evidente que este tratamento especial para com a ilha de Fidel está vinculado às questões ideológicas que, desde 2.003 tem pautado o governo federal. Que outra hipótese justificaria o privilégio a Cuba, tão somente a Cuba e não a outros países? Não temos brasileiros cursando medicina em inúmeras outras nações, muitas delas mais desenvolvidas que a pequena república insular americana?

A ideologia não pode perpassar o ensino e nem as relações de governo, caso contrário retrocederemos à idade da pedra.

Mais. Ainda que enviesado pelo corporativismo que domina, assola e vilipendia a carreira profissional no Brasil, o Conselho Federal de Medicina exerce algum tipo de fiscalização positiva sobre a qualidade dos cursos. É do CFM que origina parte da pressão para que o sistema público de saúde restabeleça as pazes com os anseios e as necessidades da população. E só os obliterados pela inocência ou os mal intencionados acreditam que Cuba permitirá que o Conselho Federal de Medicina ou as próprias instâncias do MEC fiscalizem os seus cursos de formação dos profissionais da saúde.

O ministro Temporão deveria recordar o tempo de estudante quando – imagino – gozou o prazer de esquadrinhar a vida e a obra de Oswaldo Cruz. Ganharia muito, e muito mais sua gestão frente á pasta, e mais ainda os brasileiros que, não obstante a garantia constitucional, jamais receberam serviço de saúde pública que possa ser categorizado como decente, quanto mais eficaz.

Antônio Carlos dos Santos é professor, criador da metodologia Quasar K+ de Plenejamento Estratégico e da tecnologia de produção de teatro popular de bonecos Mané Beiçudo.

segunda-feira, 29 de outubro de 2007

O salário afugenta o professor do magistério

Nas últimas décadas, a questão salarial dos professores foi se agravando a tal ponto que, hoje, se constitui num dos principais gargalos da educação.

Houve épocas em que os professores gozavam não somente do respeito da comunidade, como também do reconhecimento das autoridades governamentais. Faziam jus à uma remuneração condizente com as responsabilidades do profissional que esculpe cidadãos, e recebiam salários similares aos que, contemporaneamente, recebem os juízes de direito, por exemplo. Mas é um tempo que já vai longe. E que poucos se recordam.

Com o objetivo de universalizar o acesso ao ensino, o governo encontrou no achatamento salarial uma estratégia – simplista e perversa - para financiar seus investimentos na educação. E perseguiu de forma tão obstinada esse objetivo que a parca remuneração acabou se tornando o motivo mais salientado pelos profissionais para justificar a evasão dos educadores para outros setores da economia.

Todas as pesquisas recentes evidenciam que os professores formados evitam o magistério. Os profissionais mais experientes abandonam o setor mal se deparam com a primeira oportunidade, enquanto os recém-formados sequer ingressam na carreira.

A mais recente pesquisa sobre o assunto vem do Instituto Nacional de Pesquisas e Estudos Educacionais – Inep - do Ministério da Educação. E se ainda pairasse no ar qualquer sombra de dúvida, lançou para escanteio: os formados em Licenciatura sequer se aproximam das salas de aula, guardam da lousa a mesma distância que o diabo mantém da cruz. Os dados são reveladores e pela expressividade, chegam a chocar os mais desavisados. Na média, 71,2% deles não atuam no magistério. Estamos falando em média, conceito que - de alguma forma - ajuda a escamotear o problema, porque esconde a fuga que, em algumas áreas, beira a casa dos 90%.

O resultado da pesquisa mostra que não ocorre déficit de professores. Nos ensinos Fundamental (da 5ª a 8ª série) e médio atuam 1.049.099 mestres. A necessidade real, contudo, é de 725.991 profissionais para atender aos 15 milhões de alunos matriculados.

Quando se analisa a evasão dos profissionais da educação por disciplina, o quadro fica ainda mais desolador. Para se ter idéia, nos últimos cinco anos, dos 33.361 formados em Química, só 8.466 estão em sala de aula, apenas 25% não abandonaram o barco. Em Física, dos 18.158 diplomados, restaram 6.196 para lecionar.

As razões desse quadro caótico, de penúria e insustentabilidade? O próprio estudo do MEC sugere: os professores foram em busca de empregos com maiores salários.

É óbvio ululante que a crise que acomete a educação brasileira não se resolve num passe de mágica, simplesmente com o Estado atuando sobre a oxigenação da massa salarial do setor. Como é óbvio evidente que sem esta providência o setor jamais conseguirá responder às demandas da sociedade.

Resolver a questão da remuneração insuficiente dos professores deve ser prioridade das autoridades do setor. Conjugada com políticas eficazes de gestão que contemplem sistemas de cobrança por resultados, sem dúvidas, conduziria ao ambiente e ao cenário propícios, necessários, para a qualificação da educação brasileira.

Antônio Carlos dos Santos é professor universitário, criador da metodologia de planejamento estratégico Quasar K+ e da tecnologia de produção de teatro popular de bonecos Mané Beiçudo. acs@ueg.br

sábado, 27 de outubro de 2007

Dialogando com Camões, Shakespeare e Vianinha

Por que não aprender com os melhores professores, sorver o que de melhor a humanidade conseguiu produzir, se deleitar com os mais expressivos escritores da dramaturgia universal?

Chegar à fonte e saciar a sede com água límpida e cristalina é uma possibilidade real e plenamente possível. Está ao alcance de todos que queiram.

E o caminho não passa por uma floresta fechada e indevassável. Ao contrário. A estrada já está desbravada, é larga, plana e arejada. Para começar, para dar os primeiros passos, nada melhor que se familiarizar com os escritores mais recentes. Mas no caminhar, o natural é adentrar no tempo, mergulhando no passado para desbravar a genuína história.

Nossa jornada se dará dentre compêndios e coleções de livros. Sim, em uma boa biblioteca estão disponíveis os grandes gênios da dramaturgia universal. Estão todos lá, ávidos, ansiosos para nos conhecer, trocar idéias, nos inspirar... Basta acomodar em uma cadeira para gozar os prazeres de uma boa conversa, uma deliciosa prosa com Ibsen, Pirandello, Moliére, Ionesco, Beckett, Shakespeare. E também com os clássicos gregos como Ésquilo, Sófocles, Aristófanes. Acredite, não há quem não se surpreenda com os romanos Plauto e Terêncio. Um caminho conduz a uma descoberta que remete a outra, e mais outra, numa sucessão infindável, de modo que parar, interromper o processo, é decisão impossível de adotar. Resta então uma só alternativa, a única possível: caminhar, continuar, aprofundar a investigação, dar vazão à sede de conhecimento. Num remanso do mar, logo desperta a possibilidade de navegar com os grandes da literatura de língua portuguesa: Gil Vicente, Luís Vaz de Camões, padre José de Anchieta, Antônio José da Silva - o Judeu, Martins Pena, José de Alencar, Artur de Azevedo, Joracy Camargo, Oduvaldo Vianna, Nelson Rodrigues, Guarnieri.

Mas atenção, alto lá! Agora não basta ler, não tão somente, não simplesmente. É uma fase que ficou para trás. Mais que a leitura precursora e superficial, o estudo é a nova palavra de ordem, o ente capaz de assegurar profundidade: esquadrinhar cada texto, cada peça teatral, desbravando suas entranhas, compreendendo suas minúcias. Com redobrada atenção e a perspicácia de um exímio cirurgião trata-se de verificar a estrutura das tramas, a forma como as idéias são enlaçadas, como o perfil psicológico de cada personagem é elaborado e de que modo se relaciona com os demais, que mecanismos o autor utiliza para fazer com que as cenas, quadros e atos interajam entre si, assegurando continuidade à estória, como trabalha a relação tempo-espaço cênico,...

Lidaremos com os escritores de peças teatrais, mas também com os grandes teóricos, os magistrais encenadores, precursores, desbravadores dos caminhos trilhados pelo teatro e pela dramaturgia. Nosso universo se ampliará, ganhará nova dimensão. Conhecendo as técnicas desenvolvidas por Aristóteles, pela Commedia dell’Arte, por Artaud, Stanislavski, Brecht, Meyerhold, Grotowski e outros exímios encenadores, estaremos mergulhando no que de mais profundo existe no teatro, estaremos aprimorando as habilidades do dramaturgo.

Para acessar os textos é necessário adquirir este novo hábito, o de freqüentar as bibliotecas, livrarias, clubes de livros,... sem descartar os sebos. Certa dose de paciência para procurar e a recompensa torna-se inevitável. Não é raro se deparar com preciosidades no comércio de livros usados. Outro bom costume é recorrer aos amigos, conhecidos, professores, pesquisadores, escritores, estruturando uma rede de fornecedores de conteúdos, sem dar espaço para que a vergonha e a inibição impeçam de solicitar emprestado. E devolver – sempre, inexoravelmente – no estado e prazo anteriormente acordado, condicionantes que devem ser assumidas como cláusulas pétreas, compromissos inquebrantáveis.

Também a rede mundial de computadores é excelente alternativa. Na internet encontramos enorme variedade de dados e informações. E são tantos que, às vezes, a dificuldade é separar joio do trigo, lixo do que efetivamente importa e nos interessa. Alternativas não faltam. O fundamental é que este novo hábito seja incorporado à nossa rotina: o hábito de ler, estudar e aprender com os clássicos da dramaturgia universal.

Antônio Carlos dos Santos é professor, criador da metodologia Quasar K+ de Planejamento Estratégico e da tecnologia de produção de teatro popular de bonecos Mané Beiçudo. acs@ueg.br

segunda-feira, 22 de outubro de 2007

PAULO AUTRAN

A data 12 de outubro ficará guardada na memória dos que apreciam teatro como o dia em que as cortinas se fecharam definitivamente para o “Senhor dos Palcos”, encerrando uma vida repleta, intensa, produtiva, que demandou 58 anos de carreira e mais de 90 peças teatrais montadas


”Ele era um herói”. Assim se manifestou Bibi Ferreira, a diva do teatro brasileiro, diante do corpo inerte de Paulo Autran. Parecia inacreditável, mas o enfisema e o câncer de pulmão rancaram de todos nós o cadinho em que se forjaram nossos melhores atores. Neste instante, descasa ao lado de outros ícones do teatro brasileiro como Gianfrancesco Guarnieri, Vianinha e Nelson Rodrigues.

A data 12 de outubro ficará guardada na memória dos que apreciam teatro como o dia em que as cortinas se fecharam definitivamente para o “Senhor dos Palcos”, encerrando uma vida repleta, intensa, produtiva, que demandou 58 anos de carreira e mais de 90 peças teatrais montadas.

Paulo Autran era carioca e muito cedo se mudou para São Paulo. Aspirando a carreira de diplomata e estimulado pelo pai, cursou Direito, formando-se em 1945. Tanto a profissão de advogado como a intenção de seguir carreira diplomática jogou para o espaço. Quatro anos depois de formado na Faculdade de Direito do Largo São Francisco, já estava apresentando seu primeiro trabalho como ator profissional – Um Deus dormiu lá em casa, de Guilherme Figueiredo - que rendeu o cobiçado prêmio da Associação Brasileira de Críticos Teatrais.

Encontrou um estilo de exercitar teatro que demandava longa concentração, meticulosos estudos, exaustivos e prolongados ensaios que o afastaram da televisão. Esta é a razão de tão poucas aparições na tv. Com ironia, não cansava de desdenhar o mais poderoso meio de comunicação de massas: “Cansei de fazer débil mental (...) Meu próximo projeto para televisão é não fazer televisão (...) Fazer TV é muito chato”. Sequer o cinema demoveu o gênio da interpretação de priorizar o teatro. Porque foi um daqueles artistas especiais que encenadores de todos os tempos classificam como “nascido para a ribalta”. Como poucos compreendeu a dimensão e as infinitas possibilidades da voz e do gesto teatral. Utilizava com maestria as diversas entonações, explorando a carga dramática decorrente das pausas cuidadosamente construídas, meticulosamente inseridas entre uma fala e outra. Com o cadenciamento da respiração, imprimia diferentes ritmos aos diálogos, emprestava aos movimentos da face e do corpo expressividade intensa, em tudo singular, conduzindo a platéia à plenitude do ato teatral.

Muitos não entendem como um bacharel em direito foi capaz de alcançar a perfeição nos tablados sem jamais ter freqüentado uma escola de teatro. Ainda que não tenha freqüentado a escola convencional, desvendou os mistérios da milenar arte adotando um processo individual de preparação que envolveu a seleção dos maiores escritores e dos melhores textos já produzidos pela humanidade. Percebeu as vantagens da água cristalina e foi beber na fonte límpida, originária, nomeando Sófocles, Shakespeare, Moliére e Arthur Miller... seus professores preferidos.

A bagagem teórica adquirida de forma empírica com os clássicos da dramaturgia ocidental, o salvou do hermetismo improdutivo e da mediocridade acadêmica, e rendeu ao ator um temperamento forte, que o tornou verdadeiro, autêntico, mesmo nas tarefas mais rotineiras. Na defesa de valores não hesitava em – quando julgasse necessário – ultrapassar os marcos da razão. Certa vez, defendendo Tônia Carrero do que considerava injustiças escritas por Paulo Francis, rompeu os limites da boa convivência e cuspiu na cara do então crítico teatral. Era um dos momentos que recordava com um misto de orgulho e sarcasmo: “Juntei bastante cuspe e cuspi com prazer”, recordava em meio às gargalhadas. Seus entreveros com um dos papas do jornalismo brasileiro (Francis chegou a fazer teatro com Pascoal Carlos Magno e estudar com Bertolt Brecht e Eric Bentley) não pararam por aí. Em outra oportunidade tentou ir às vias de fato. Abrindo mão das artes teatrais, recorreu às marciais para aplicar um golpe certeiro no crítico teatral: “Nunca havia dado um soco em ninguém. É difícil, sabe? O corpo se contrai, o braço fica sem força” contava sempre bem-humorado.

Agarrou-se ao humor e prazer para dar contornos às suas escolhas. “Teatro para mim é paixão, sempre foi”, repetia incansavelmente.

A tolerância era outra de suas obsessões. Enquanto atuava em Visitando o Sr. Green deu um depoimento reiterando sua preocupação com o tema: “A peça discorre sobre a relação entre as pessoas, o respeito pelas idéias dos outros. Embora não concordemos sempre, temos que aceitá-las. Não podemos brigar com as pessoas porque são de um jeito ou de outro, porque têm uma ou outra religião. Temos que ser tolerantes. Depois que você assiste à peça, sai com vontade de perdoar, de compreender, de se dar bem com os outros. É uma das razões do sucesso dela.”.

Todo o processo de criação e aprendizagem de Paulo Autran decorre dos bons textos, da ótima literatura que sempre fez questão de cultivar e sorver. Em 1952 já estava às voltas com os clássicos gregos montando Antígona de Sófocles. Quatro anos mais tarde, foi-se encontrar com uma das mais expressivas obras dramáticas de todos os tempos, Otelo, o Mouro de Veneza, uma peça que retrata, com riqueza inesgotável, o brilhante universo de William Shakespeare.

Autran ia amadurecendo à medida que acessava os textos, que navegava na complexidade das personagens neles contidos.

Em 1965, por intermédio de Millôr Fernandes e Flávio Rangel, mergulhou na história universal montando o musical Liberdade, Liberdade, espetáculo que discorre sobre o pensamento de importantes personalidades sobre o assunto: Sócrates, Marco Antônio, Platão, Abraham Lincoln, Martin Luther King, Castro Alves, Anne Frank, Danton, Winston Churchill, Vinícius de Moraes, Cecília Meireles, Geraldo Vandré, Jesus Cristo, Shakespeare, Moreira da Silva, Carlos Drummond de Andrade. Naturalmente um brado, sua forma particular de resistir à ditadura militar.

Retorna, em 1967, às tragédias gregas de Sófocles e monta Édipo Rei, peça que Aristóteles cultuava como “o mais perfeito exemplo de tragédia grega”, ainda hoje esmiuçada dada a influência que exerce na cultura ocidental.

A Morte do Caixeiro Viajante — peça teatral de Arthur Miller —, escrita em 1949, e Rei Lear, de William Shakespeare, escrita nos idos de 1605, foram peças que ajudaram a estruturar a veia performática de Paulo Autran. Todavia, foi O Avarento — que Moliére escreveu inspirando-se em Aulularia, de Plauto — a obra escolhida para encerrar em alto estilo a carreira e a vida, mantendo-as, doravante, sob a luminescência de um spotlight que jamais se apagará. Com sua última apresentação, o ator conseguiu expressar tudo o que humanamente é possível aprender sobre a arte da interpretação.

No cinema a participação se circunscreveu a não mais que dez filmes, com destaque para Terra em Transe, de Glauber Rocha, filmado em 1967. Sua última aparição na tela grande se dá em O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias, filme que representará o Brasil no Oscar do ano que vem.

Com o falecimento de Paulo Autran fecha-se, no Brasil, um ciclo caracterizado por atores completos, brilhantes, que priorizaram o palco, o contato direto com a platéia, a criação meticulosa das personagens, deslocando para um enésimo plano as oportunidades oferecidas pelo cinema e, sobretudo, pela televisão. Sucessores? É o próprio ícone do teatro brasileiro quem aponta uma juventude ávida pela mais fina dramaturgia e menciona Lázaro Ramos e Wagner Moura. Atores que têm o teatro como referência, mas que aprenderam a conviver com a televisão, explorando toda a potencialidade que dela emana.

Antes de encantar quis deixar uma derradeira lição. E, num ultimo suspiro, solicitou que a mulher Karin Rodrigues retransmitisse suas últimas palavras: “Morri porque fumava e nunca consegui largar o vício”.

ANTÔNIO CARLOS DOS SANTOS é dramaturgo, criador da metodologia de produção de teatro popular de bonecos Mané Beiçudo.

sexta-feira, 19 de outubro de 2007

O Brasil e sua guerra sanguinária

O Estado de Israel já nasceu mergulhado numa guerra com os países árabes, um conflito sem tréguas, e por isto o esforço da nação está permanentemente focado em suas defesas, na vigilância de suas fronteiras, na diuturna modernização de suas forças militares.

Apesar de comprometer a maior parte de suas energias num colossal esforço de guerra, Israel compromete 8,4% do Produto Interno Bruto em investimentos no setor educacional. Faz assim porque desde sempre compreende que o conhecimento, o know how, a educação, é o patrimônio maior de qualquer povo, o grande insumo capaz de garantir estabilidade social e – ante vital necessidade - a manutenção de sua superioridade política, econômica e militar sobre os demais atores regionais.

O Brasil não está em guerra. Pelo menos não em guerra convencional. Não sofre ameaça dos vizinhos, não precisa tensionar e convergir seus esforços para a área militar, e, portanto, deveria ter o devido discernimento para estabelecer melhor as prioridades, alocando maiores parcelas para investimentos estratégicos e estruturais. Não é o que ocorre, todos sabemos. Num exemplo categórico, investe tão somente 2,9% do PIB em educação. Considerando o ensino superior, o índice chega, cambaleante, a 3,9%. Menos da metade do que investe Israel. Menos da metade do que investe um país mergulhado em um sangrento conflito de 40 anos.

A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE – divulga, a cada ano, o relatório Education at a Glance. Na última edição o Brasil figura com o menor gasto por aluno entre as 34 nações avaliadas. Aliás, temos vestido bem este modelito de nos sairmos em ultimo lugar nos ranking’s produzidos mundo afora, sobretudo os de âmbito internacional, que avaliam a educação e o ensino. O que muitos imaginavam - e não tão poucos sabiam - agora está comprovado e documentado, é oficial: o Brasil figura em ultimo lugar no quesito investimento em educação.

Totalizando o investido em cada aluno, do ensino básico ao superior, o valor gira nem torno de R$ 1.303,00.

Os Estados Unidos gastam anualmente U$ 12 mil por aluno e a Suíça e Noruega chegam a aplicar dez vezes mais que o Brasil. Entendem por que são países desenvolvidos?

Poderiam argumentar os mais governistas, EUA, Noruega e Suíça são países desenvolvidos e não dá para estabelecer comparações com nações deste nipe. Seria uma argumentação trágica não fosse ela tradução literal de uma insossa ópera bufa.

Que seja então, tudo bem. Mas, o que dizer de países como Chile e México, latino-americanos como o Brasil, em vias de desenvolvimento como o Brasil e com inúmeras similaridades com nosso país? Há aqui uma diferença expressiva: Chile e México não desdenham a educação como o Brasil. E por isto, numa rasa análise comparativa, fica mais que demonstrado que investem o dobro em educação, duas vezes mais que Pindorama.

Não bastasse o problema de investir o mínimo minimórum em educação – relembro ao caro leitor que estamos, entre os 34 países pesquisados, em ultimo lugar – a corrupção endêmica cuida de fazer com que o diminuto vire quase nada, o parcimonioso torne risco n’água.

A equação é ingrata, nefasta, e não está de todo completa: último colocado em investimento em educação; corrupção inclemente até mesmo com a merenda escolar (e o leite das crianças) e problemas crônicos de gestão que levam boa parte do professorado a não cumprir a jornada de trabalho, apresentando excesso de faltas e nunca menos que 30% em regime de licença, seja médica, seja por interesse particular.

O país não está em regime de guerra declarada contra uma nação estrangeira. Mas experimenta a tragédia de uma guerra interna, tão odienta e abjeta quanto a externa. Sim, a guerra que aqui se trava é outra. Não menos sangrenta, não menos injusta para os mais fracos, indefesos e excluídos. Não combatemos um inimigo que fala uma outra língua e vive em um outro território. Na guerra que aqui se trava, brasileiros exterminam brasileiros utilizando armas, às vezes, muito mais sofisticadas e mortais que as manuseadas pelos soldados israelenses. O armamento que aqui se utiliza tem o poder de excluir milhões, de mantê-los no analfabetismo, numa educação periférica e marginal, num estágio permanente de atraso e subdesenvolvimento. A guerra que aqui se trava decorre fundamentalmente da mediocridade das autoridades que, no discurso, elevam a educação à prioridade absoluta, à redentora da nação, mas que na prática diária, a vestem como mulher da vida, como amante bandida, como prostituta e meretriz.

Antônio Carlos dos Santos é criador da metodologia de Planejamento Quasar K+ e da tecnologia de produção de teatro popular de bonecos Mané Beiçudo.

quinta-feira, 18 de outubro de 2007

O computador e a nova escola – uma forma de confrontar os interesses subalternos

Em 2005, Nicholas Negroponte, pesquisador de Massachusetts Institute of Technology (MIT), dos EUA, apresentou ao governo brasileiro o projeto Um Computador por Aluno – UCA.

De lá pra cá o que andou, que medidas foram tomadas, que objetivos foram alinhavados pelo governo brasileiro?

Cinco meses atrás o Ministério da Educação deu início a um piloto disponibilizando os computadores para alunos e professores de cinco escolas públicas de cinco unidades da federação: Rio Grande do Sul, São Paulo, Rio de Janeiro, Tocantins e Brasília.

Cada uma das escolas beneficiadas está sendo monitorada e assistida por uma universidade da região que deverá produzir relatórios e análises para orientar o governo quanto ao formato e desdobramento do programa. Nos documentos e relatórios técnicos deverão constar as avaliações quanto as condições físicas do equipamento, sua conservação, mas, sobretudo a freqüência dos alunos e a aprendizagem verificada.

O Ministério da Educação mantém metas arrojadas. Entre os anos de 2008 e 2010 estão previstas a aquisição e distribuição de 150 mil laptops para alunos e professores de 300 escolas públicas distribuídas por todo o território nacional.

Nos cinco projetos pilotos em curso, a experiência tem sido avassaladoramente produtiva. O corpo de professores teve que rebolar, correr atrás, retomar os estudos para atualizar os conhecimentos. Os alunos - estimulados pela curiosidade e rara oportunidade - retomaram o interesse pelo espaço escolar e a aprendizagem atingiu patamares jamais alcançados. Resultado: a freqüência elevou-se significativamente, as aulas tornaram-se mais dinâmicas, ágeis e interessantes, e a escola agregou um plus, um diferencial de qualidade, um upgrad que a distancia anos-luz do sistema tradicional.

Os laptops são conectados a Internet e acessam a rede mundial sem a utilização de fios e cabos. Cada equipamento pesa 1,5 quilo e tem uma memória de 512 MB. A utilização em sala de aula, com o acompanhamento de um professor, é prioritário. Mas o aluno pode levar o computador para casa, familiarizando-se com a máquina de modo a extrair dela tudo o que é possível. Além de compartilhar o benefício com familiares, amigos e vizinhos.

Um grande diferencial do piloto é o processo de acompanhamento e supervisão, sempre efetuado através dos professores. É esta supervisão, realizada de forma pessoal e direta, que assegura o direcionamento de toda a potencialidade da tecnologia para o aprendizado, libertando o aluno, impedindo que utilize a máquina exclusivamente para jogos, salas de bate papo e entretenimento virtual.

É uma prova inconteste de que o governo só não acerta quando interesses subalternos o manipulam em direção a subterrâneos distantes dos largos e arejados espaços onde vigoram os legítimos interesses populares.

Antônio Carlos dos Santos é professor universitário, criador da metodologia de Planejamento Estratégico Quasar K+ e da tecnologia de produção de teatro popular de bonecos Mané Beiçudo.

terça-feira, 16 de outubro de 2007

Sobre chamas e lampejos: o dia do professor

“Só quem educa sabe da graça que é demover barreiras, construir pontes, harmonizar diferenças”. Rodoux Faugh

Quando se trata de obter produtos industriais há quem aposte na supremacia das máquinas, dos equipamentos, dos processos informatizados, de uma cultura direcionada para a criatividade e para as inovações, mas tão somente como contraponto ao papel fundamental do trabalhador, que é desdenhado, relativizado no limite da ruptura, tido como a força motriz dos desvios e problemas, o ente cingido pela áurea do subjetivismo que afronta a exatidão perfeccionista e agride a sistemática esterilizada da produção em escala.

Parte da ficção científica esquadrinha um futuro sombrio, revelando um tempo em que máquinas dirigirão máquinas para a produção de outras máquinas, com o homem mantido à margem, escravizado, mero adereço ou insumo de um exército de robôs inteligentes. Mas... homens comportando-se como máquinas dominadoras, como lobos do homem, já não ocorre presentemente? E com desmedida freqüência?

Um certo papel subalterno tem sido enfatizado nos últimos tempos para caracterizar o homem. Avançamos num mundo em que o indivíduo parece perder espaço para uma coletivização forçada, onde o outro não passa de trampolim, alavanca, escada ou coisa que o valha. A nova ordem parece determinar: “se tem alma e espírito, coisifique-se!”

Mas, se o mundo desenha um cenário onde ao homem está destinada uma posição periférica e marginal, que refuga relações sociais solidárias, pelo menos em dois setores é no centro que o homem finca âncoras, irradiando luz e aroma, sabor e espiritualidade.

No teatro como na educação existem dois sujeitos que dão plena sustentabilidade ao processo. No primeiro, ator e platéia. Ainda está para nascer manifestação teatral que prescinda de um e de outro. Não, por mais radical que seja a concepção, é impossível ao teatro ignorar a existência de algum desses personagens. Ambos – ator e platéia - se complementam para tornar esta arte milenar perene, pujante, patrimônio da humanidade. Grandes encenadores como Antonin Artaud e Jerzi Grotowski preconizaram um teatro radicalmente renovador, suprimindo a distância entre atores e espectadores, reduzindo-os a um só corpo, vivo, atuante, num teatro total onde a platéia seria levada a abandonar a característica passividade para atuar num nível mais elevado, no mesmo patamar onde se expressa o ator. Experimentos importantes, mas que só realçaram a importância de ambos no processo de produção artística.

Também na educação ocorre a presença de dois sujeitos sem os quais o processo não se verifica, pelo menos não na intensidade e dimensão demandados pelos agentes, pela sociedade, pelo desenvolvimento. Tanto como no teatro, na educação a existência de professor e educando são determinantes. Comungam de um universo particular, onde um depende do outro para que o conhecimento adquira a habilidade do movimento, condição indispensável para que se processe, ganhe substância para então se multiplicar, propagar, alçar o vôo livre e sereno do canário, sincopado do beija-flor, fulminante e eficaz do gavião.

E neste universo particular, o professor é figura de proa.

Fossemos, em parcimoniosas linhas, resumir a realidade do setor, o diagnóstico não seria nada animador. É bem provável que, filmado, o filmeto apresentasse na tela uma seqüência mais ou menos assim:

• professores descontentes com os salários e as condições de trabalho;
• alunos satisfeitos com o “ensino” oferecido que pouco exige, muito pouco cobra e quase nada ensina;
• pais conformados por, ao menos no período em que os filhos estão nas escolas, contar que os pequenos permaneçam longe das ruas, distantes da violência explícita, da criminalidade e das drogas;
• invariavelmente nas avaliações internacionais o Brasil, quando não ocupa a ultima posição, ostenta as últimas colocações.


Durma-se com um diagnóstico desses. É um cenário dos mais terríveis, muito semelhante aos retratados nos filmes que cultuam Frankenstein, figuras disformes e monstros bizarros. E, talvez exatamente por inaceitável, pela insustentável situação, a sociedade – com os professores à frente – se levanta, mobiliza mundos e fundos para exigir mudanças, transformações que recoloquem o país nos trilhos da ética, do progresso e do desenvolvimento.

O Brasil merece um futuro melhor, bem melhor, substancialmente melhor que o presente. Merecemos um mundo feliz. E não porque nascemos num país continente, “abençoado por Deus e bonito por natureza”. Mas porque temos uma gente que labuta, que de sol a sol, rosto salpicado de suor, conquista o pão de cada dia. Não se trata de merecimento pura e simplesmente, coisa de olhos verdes ou pele ungida com óleo consagrado. E sim porque nos ancoram episódios heróicos como Quilombo dos Palmares e a Inconfidência mineira. Zumbi e Tiradentes são alguns de nossos maiores professores.

O Brasil terá um futuro diferente que só se apresentará próspero e alvissareiro caso o presente mantenha-se vinculado de forma indissolúvel à educação e, por extensão, ao professor. Outubro abriga o dia destinado a comemorar o professor, o mestre, o educador, data propícia para refletir sobre este artista do saber e do conhecimento, este mago capaz de transformar escuridão em claridade, ignorância em sapiência, miséria e parcimônia em abastança e poder, servidão em altivez e cidadania.

Não por acaso, o dia seguinte, o dia 16, é o dia mundial da alimentação. Com certeza uma nova homenagem ao educador, este homem de luz que alimenta alunos, aprendizes, servindo num prato fundo e farto conhecimento, reflexão, saber.

Sobre chamas e lampejos

Vê?
Nem tudo são trevas
Nem tudo é desilusão
Porque no lugar mais ermo
Onde a escuridão cega, traga e esmaga
Um valente carrega uma tocha
-É uma única chama, desdenha um
-Um fugaz lampejo, critica outro
Que seja... que seja, então... chama, labareda, fiapo de fogo, lampejo
Uma faísca qualquer, uma centelha, mas acredite, acredite, bastante para
vergalhar a noite, açoitar o oculto, romper o véu opaco que abriga os mistérios
Se chispa ou raio, importa?
O desafio não é subverter a opressão do breu profundo, a completa ausência,
deixando na terra - como um cometa desenha no céu - um rastro, uma estrada,
uma larga via iluminada, ungida de brilho e clareza?
A fugaz centelha se faz farol nas mãos hábeis do professor
e revela caminhos, desvela enigmas, conduz pequenos e grandes aprendizes
Nada resiste à luminescência da luz de Prometeu
porque quem hoje a carrega é um valente, um guerreiro, um destemido a
quem chamam educador
A vitória da flama contra a escuridão, do brilho contra a ignorância,
do conhecimento contra a mediocridade, da educação contra a estupidez é tão
certa como um rio que vai buscar repouso no estuário, o descanso final no
ponto mais confortável do mar
E para essa travessia, não existe timoneiro melhor que o professor
Porque sopra, porque canta
Porque como ninguém cintila o saber, exala o conhecimento
destila por todos os poros intensa e revolucionária reflexão
Porque, sobretudo, ensina e aprende... simplesmente assim.


Antônio Carlos dos Santos é professor da UEG, criador da metodologia de Planejamento Estratégico Quasar K+ e da tecnologia de produção de teatro popular de bonecos Mané Beiçudo.

terça-feira, 9 de outubro de 2007

Crueldade acima da medida.

Não há no Brasil nada, rigorosamente nada, que seja mais irracional e estúpida que a política praticada pelo Ministério da Educação quando se trata de punir municípios em falta com o importante programa da merenda escolar.

Quando o município deixa de cumprir suas obrigações regulamentares, de forma correta, o MEC define o prefeito como responsável pela situação. Mas aplicando uma lógica de avestruz, não é o chefe do executivo municipal que o governo federal escolhe para aplicar a principal punição e sim a crianças, sim, as crianças matriculadas na rede pública de ensino. Pode? Para a União, pode.

Agora mesmo o Ministério informa que 91 municípios brasileiros não receberão a oitava parcela do Programa Nacional de Alimentação Escolar, do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE/MEC). A justificativa técnica é que estão com seus conselhos de alimentação escolar vencidos há mais de 90 dias. Nesta leva, Minas Gerais é o estado com maior número de municípios com repasse suspenso, 23; enquanto São Paulo ocupa a segunda posição, com 18 municípios que não verão a cor do dinheiro destinado a alimentar os estudantes. Mas existem outros 394 municípios e três governos estaduais que estão com seus conselhos irregulares, com os mandatos dos integrantes vencidos, e que deverão se alinhar como nos novos alvos dos burocratas de Brasília.

O Programa Nacional de Alimentação Escolar já não é tão novo assim e suas regras já estão consolidadas. Todos sabem dos seus direitos e obrigações, sobretudo os municípios. Portanto, tanto as bonificações como as punições devem ser aplicadas com rigor, conforme preceituam as leis. Mas convenhamos, retirar o leite das crianças por conta da irresponsabilidade ou incompetência do prefeito é o cúmulo do absurdo. Sendo assim, quando houver irregularidade nos hospitais públicos, ao invés de punir os responsáveis diretos, basta suspender a entrega de remédios para os pacientes. Melhor ainda, que tal fechar o hospital abandonando os doentes na praça central da cidade? Se a estratégia não configura a lógica burra do avestruz, o que configuraria?

De seus gabinetes refrigerados em Brasília, os gestores do MEC deveriam propor alterações no marco regulatório que responsabilize diretamente o prefeito e – no limite – o conduza à cadeia (se for o caso) com direito a banho frio e uniforme alaranjado ou listrado a la “irmãos metralhas”. Mas deixemos nossos alunos em paz. A vida já não tem sido fácil para eles. Pitada de limão sobre a chaga exposta é crueldade acima da medida.

Antônio Carlos dos Santos é professor universitário, criador da metodologia de Planejamento Estratégico Quasar K+ e da tecnologia de produção de teatro popular de bonecos Mané Beiçudo.

segunda-feira, 8 de outubro de 2007

Erro histórico? Bah!!! ou "O sistema de ciclos"

Muitos apelidos e paradigmas pegam em função das oportunidades, dos interesses e até do humor do freguês. Às vezes escudam-se em justificativas inconsistentes, meias-verdades, arrazoados apenas envernizados de lógica. Não são poucas as vezes em que caem no domínio público em decorrência da mesquinharia que acomete meio mundo, mas não devemos perder de vista o impacto do preconceito sobre nosso comportamento.

Quantas vezes na vida já refugamos um bom livro, um filme interessante, uma idéia instigante por puro preconceito? Quem jamais se abrigou nas entranhas do jargão “não li, não vi, não conheço, e não gostei”?

Já faz um bom tempo que não encontro questão que galvanize tanta resistência e má vontade quanto o sistema de ciclos.

Este modelo surgiu como alternativa para substituir as antigas séries que avaliam os alunos ao término de cada ano letivo. No novo modelo as avaliações são realizadas ao longo do ciclo. Em decorrência da nova sistemática de avaliação, não existe mais a possibilidade do aluno ser reprovado ao final de cada ano, ao final de cada série. Quando não consegue responder ao demandado pelos professores, o aluno é reprovado ao final de cada ciclo. O ensino fundamental, por exemplo, está estruturado em dois ciclos, um da primeira à quarta série e o outro da quinta à oitava.

Como marco regulatório, o sistema de ciclos está amparado pela Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, que assegurou autonomia para estados, municípios e unidades escolares decidirem se incorporam ou não a nova estratégia.

Cá entre nós, o sistema é o que existe de mais produtivo. Despreza a possibilidade das provas e testes estanques, determinados num único instante, e abraça a visão larga do processo continuado, onde as avaliações não constituem um fim em si, mas uma sistemática diuturna, que incorpora múltiplos formatos, variados componentes, ensejando a interação do ensino formal com apreendido no universo familiar e social do estudante.

Na realidade, o que está ocorrendo é um confronto entre duas concepções, uma ensandecida peleja entre dois modelos bastante distintos. De um lado, um sistema que aposta na fragmentação, na ruptura, na tensão que muitas vezes exclui. Na extremidade oposta, uma metodologia ancorada na continuidade, na inclusão e na permanência do aluno na escola. De um lado o porto seguro do professor-inquisitor, aquele que tudo pode e tudo sabe, e do outro, o ancoradouro do professor-orientador, o que domina os conteúdos pedagógicos, mas se abre com generosidade para o conhecimento egresso dos colegas, dos alunos, da comunidade na qual a escola se insere.

Na reprovação anual por série, a escola atua no sentido de excluir, expulsar, encaminhar o aluno para as ruas onde estará sujeito à marginalidade e à violência explicitas. Ocorre que o lugar da criança e da juventude é na escola. No sistema de ciclos, sistemáticas avaliações realizadas no dia a dia possibilitam que os problemas de aprendizagem sejam identificados com maior eficácia, ao longo do processo. No sistema seriado, a reprovação é um fardo carregado quase que exclusivamente pelo estudante. O novo sistema privilegia o colegiado, as responsabilidades compartilhadas, o envolvimento de toda a equipe pedagógica. No frigir dos ovos, atua como uma garantia adicional de permanência na escola para que se ampliem as possibilidades de aprendizagem.

Desde os primeiros instantes, o modelo de progressão continuada tem sido submetido a um bombardeio sem tréguas, a críticas – duras e ressentidas - embasadas numa visão distorcida e enviesada dos que o entendem como mecanismo de aprovação automática de alunos que mereceriam ser reprovados.

Os críticos do novo modelo procuram desqualificá-lo afirmando que a verdadeira intenção é escamotear o problema da repetência no país. O próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva, durante a abertura da 18ª Bienal internacional do Livro de São Paulo chegou a classificar de "erro histórico" o sistema de ciclos.

A solução para o caos em que se encontra a educação brasileira transcende os modelos seriado e de ciclo. O buraco é mais embaixo. O problema é que, qualquer que seja o sistema, nossos alunos estão saindo da escola semi-alfabetizados. Perdem oito anos da fase mais primorosa de suas vidas e não aprendem o mínimo necessário. Mas mesmo num cenário de terra arrasada quem poderia argumentar que um jegue é melhor que um puro sangue árabe? A questão de fundo é que o novo sistema é melhor, mais produtivo, enfrenta os desvios da reprovação-pela-reprovação e da evasão escolar.

Como as discussões sobre o assunto estão pautadas pelo preconceito e ignorância, poucos tem tido coragem e ousadia para adotar o novo sistema. Com exceção de São Paulo e Minas Gerais, poucas escolas no Brasil, não mais que 10%, trabalham exclusivamente sob o novo sistema.

O IPEA - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – em recente pesquisa desmistifica e lança por terra o muito de bobagem que, sobre o assunto, tem sido apregoado pelos quatro cantos do país.

Nas avaliações internacionais os países que sempre alcançam as melhores posições, as nações que sempre ostentam as notas mais altas, deixaram para trás o modelo da repetência seriada e, de forma quase generalizada, adotam o sistema de ciclos.
Na União Européia o sistema é exaltado pelo sucesso das sucessivas verificações levadas a efeito com vistas a aferir se as lições ministradas estão sendo processadas e assimiladas pelos alunos.
Japão, Coréia, Suécia e Noruega, por exemplo, ocupam as primeiras posições no ranking mundial da educação e não adotam o sistema de repetência por série.

Todos eles optaram pelo sistema de ciclos, pelo modelo de progressão continuada presente em todo o ensino fundamental. Característica comum nesses países: só admitem uma possibilidade para a reprovação do aluno: a ocorrência de faltas além do permitido. O mesmo ocorre com o Chile, Cingapura e Hong Kong que admitem reprovação, mas só a cada quatro anos.

E vejam que curioso: os países com pior desempenho nas avaliações internacionais refugam a progressão continuada, adotando e tecendo loas à repetência por série: é o caso do Líbano, Indonésia e Arábia Saudita.

Então responda você, caro leitor: onde está o erro histórico a que se refere o presidente Lula? No Japão, Coréia, Suécia e Noruega que estão no topo do ranking e adotam o sistema de ciclos? Ou no Líbano, Indonésia e Arábia Saudita, situados na rabeira da fila e que instituíram o sistema seriado?

Não custa insistir. O “ó do borogodó” não está no modelo. Em que pesem os países com melhor desempenho nas avaliações internacionais adotarem o sistema de ciclos, ocorrem exceções? Aliás, está para nascer regra que não tenha uma. A Bélgica ostenta alta posição no ranking apesar de manter o sistema de repetência por série. O que indica a sustentabilidade de uma tese que venho defendendo com ardor ortodoxo: o problema mais grave é o de gestão.

Que o Sistema de Ciclos é mais adequado e eficaz, os de bom senso já sabiam. As últimas pesquisas do IPEA apenas acabam de comprovar, como que lançando uma pá de cal sobre o antigo modelo.

Antônio Carlos dos Santos é professor, criador da metodologia de Planejamento Estratégico Quasar K+ e da tecnologia de produção de teatro popular de bonecos Mané Beiçudo.

quinta-feira, 4 de outubro de 2007

ESTAMOS PERDENDO OS NOSSOS ANJOS

Algum tempo atrás a pequena Kênia Barreto, de apenas nove anos de idade, foi ter com Deus.

Kênia era como as outras crianças de sua idade. Brincava, estudava, irritava-se ao ter que comer folhas e verduras amargas nas refeições, acalentava sonhos e esperanças.

Como todas as crianças da sua idade, em virtude da falta de segurança que assola nossas cidades, era mantida em seu castelo de fadas, e pouco saía do perímetro de sua casa. Que pai e mãe não respiram melhor e aliviados ao saber que a filha de nove anos brinca no quintal de casa?

Kênia morava em Santa Bárbara D’Oeste, município distante 138 km da capital do Estado mais rico e desenvolvido do país, São Paulo.

E a pequena criança de apenas nove anos de idade morreu num estado deplorável, envolto em vômito e diarréia, picada que foi em uma das mãos por um escorpião. E isto não ocorreu enquanto desbravava a floresta amazônica. Aconteceu enquanto brincava no quintal de sua casa.

Lembrei-me de um tempo já longínquo, quando coordenava um programa de saneamento rural e educação ambiental com recursos do Banco Mundial. Em uma comunidade rural goiana, o lixo, o entulho e as condições ambientais faziam proliferar um exército de escorpiões.

Como a pobreza e a miséria estavam enraizadas em todas as residências, optamos por uma solução alternativa para combater os escorpiões: distribuir galos e galinhas para a comunidade. Predadoras de insetos, escorpiões e pequenos animais peçonhentos, as galinhas fariam o papel de “agentes” capazes de sanear o ambiente e, ao mesmo tempo, agregar ao cardápio alimentar ovos e frangos, oriundos da criação.

O planejado, contudo, não logrou êxito porque, famintos e miseráveis, a comunidade não teve alternativa que não fosse comer todos os “agentes” saneadores.

No Brasil, as questões sanitárias e de educação ambiental, são, desde sempre, tratadas de maneira deplorável. O caso da morte da pequena Kênia é prova do descaso das autoridades e dos agentes públicos. Nesses últimos anos os recursos federais destinados às ações de saneamento foram os que mais receberam cortes para atender ao superávit primário.

Carcomidos pelos escorpiões, pela esquistossomose, pela cólera, pela amebíase, pela giardíase, pela febre tifóide, pela salmonelose, pela hepatite infecciosa, pela poliomielite e pela disenteria, são nossas crianças que pagam o alto preço da irresponsabilidade de nossos políticos, de nossos gestores públicos.

A sociedade deve se mobilizar para impedir que os lobos levem nossos anjos.

Antônio Carlos dos Santos é professor, criador da metodologia de Planejamento Estratégico Quasar K+ e da tecnologia de produção de teatro popular de bonecos Mané Beiçudo.

terça-feira, 2 de outubro de 2007

Violência, segurança & escolas

A imprensa nacional tem registrado com bastante freqüência a barbárie que está assolando nossas escolas.

A violência – que antes, quase sempre, incidia fora dos limites da escola – hoje se manifesta no seu interior, em plena sala de aula.

Os alunos utilizavam jogos juvenis e peladas de futebol para resolverem seus conflitos. Hoje se organizam em gangues e com freqüência preocupante, lançando mão de armas de fogo.

A este quadro se soma a desmedida progressão do consumo de drogas, popularizadas através do craque e da cola de sapateiro.

Até certo tempo atrás, os debates ocorridos entre os candidatos à presidência da república, eram polarizados por temas como educação, saúde, habitação... Mas a segurança pública adentrou um estágio tão traumático que passou à prioridade absoluta nas plataformas dos candidatos.

Este cenário não se restringe aos países subdesenvolvidos. Escócia, Estados Unidos, Alemanha e muitos outros, quase sempre se vêem surpreendidos pelos mais brutais atos de ferocidade ocorrendo no interior de suas escolas e universidades. Com armas letais, inóspitos personagens – muitos deles alunos – desatam a disparar sobre colegas e professores, deixando atrás de si um rastro de sangue, dor e indignação.

A TV via satélite transforma estes banhos de sangue num espetáculo transmitido ao vivo e a cores, com a humanidade estupefata perguntando as razões de tamanha insanidade.

A violência é um fenômeno mundial, globalizado. Sempre foi. A história do desenvolvimento humano é permeada de violências, tragédias, conflitos de todos os tipos e graus. Pois não suportamos até Guerras Santas (tamanha estupidez!) e contemporaneamente, conflitos religiosos entabulados em nome de Deus, não ocorrem praticamente em todos os continentes?

Mas em países como o Brasil, a violência tem também um outro perfil. Atinge de maneira infinitamente desigual os mais pobres, os excluídos. Em muitos casos, a violência é como que encomendada, uma crônica anunciando permanentemente a desgraça.

Aqui, a violência mais abominável se manifesta numa das mais perversas distribuições de renda de todo o planeta. Poucos têm tudo, de forma escandalosamente excessiva, e a esmagadora maioria da população tem nada ou quase nada. O desemprego, o subemprego, políticas públicas ineficazes, a corrupção endêmica engessa o país a ponto de atrofiá-lo, levá-lo a expressar os piores indicadores de desenvolvimento humano do mundo.

Inexorável que um dia este contexto envolvesse as escolas. Porque até então imaginávamos que – como num sonho infantil – seria possível manter as escolas, os berçários, as creches, nossas crianças e nossos familiares longe da violência, como se numa ilha pujante de paz e felicidade.

Infelizmente a escola está vivenciando a realidade produzida pela própria sociedade, que a gera e mantém. É preciso ter este ensinamento sempre em foco, abordar o problema despido de filtros, sob pena de desenvolvermos ações artificiais que levem do nada para lugar algum. Tudo será paliativo e efêmero se não atingirmos o cerne do problema, o desenvolvimento econômico social. O país precisa voltar a crescer, de modo que possamos alavancar o desenvolvimento através de investimentos que resultem em geração de mais conhecimentos, mais empregos e renda.

Mas a violência tem uma variedade de outras nuances, muitas subliminares, difíceis de identificar, mas que se manifestam com igual virulência nas salas de aula.

É correto afirmar que as últimas décadas registraram avanços significativos no campo da educação brasileira.

Temos uma gama de formuladores, gestores e educadores que permanentemente estão a refletir sobre os rumos deste setor tão estratégico para a promoção humana e para o desenvolvimento auto sustentado do estado.

Esta efervescência teórica influenciou legisladores que legaram ao país, em dezembro de 1996, um precioso insumo, a lei 9394 que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, a LDB.

Impregnada de um sentido renovador, a LDB dispõe sobre o processo educacional utilizando uma terminologia ousada para os padrões nacionais: prática social; princípios de liberdade e solidariedade humana; cidadania e qualidade; apreço à tolerância; valorização da experiência extra-escolar; vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as práticas sociais. Cada um desses componentes, de per si, encerraria um compêndio de teses sobre a cidadania e o desenvolvimento humano.

Todavia é lamentável o descompasso verificado quando se coteja os avanços obtidos na legislação e nas formulações teóricas, com nossa prática diária, com o dia a dia de nossas escolas.

Muitos “educadores” e “gestores públicos” se cercam de referências teóricas mais que sustentáveis, mas não conseguem se livrar dos paradigmas, das práticas autoritárias herdadas do passado. Como conseqüência, os expressivos avanços de concepção assemelham-se aos fortes clarões, às explosões de luz que, ao contrário de iluminar e desnudar o caminho, cega, prostra e imobiliza.

Armados da mais densa teoria dotam o discurso de uma carapaça – só na aparência - renovadora e revolucionária. A prática, contudo, guarda na essência os dogmas do autoritarismo. E o que torna este tipo de violência mais grave é a forma como se manifesta, sutil, sub-reptícia, envolta num discurso democrático, mas umbilicalmente retrógrado. Encerra conceitos de liberdade e democracia apenas como artifício para perpetuar a dominação, replicando velhos conceitos e impedindo o advento da criatividade que transforma.
Aos alunos e servidores públicos é repetido, à exaustão, que somos iguais, parceiros, que estamos ao lado e não acima, mas no dia a dia, nas salas de aula e locais de trabalho, utilizando a sutileza das palavras, cuida-se de reproduzir modelos defasados. Pior, na maioria das vezes ainda são utilizado instrumentos que nada deixam a dever à ardência das palmatórias: “castigos”, “testes” e “notas” para os alunos; “trabalhos” e “retrabalhos” para os servidores. Como retaliação, “serviços de orientação”, “transferências”, “suspensão”; “geladeira”...

É preciso refletir sobre nossas escolas e sobre todo o tipo de violência que incide sobre elas. Não há dúvidas que estão agora na mira da violência explicita. Mas atinemos para a violência intelectual provocada pelo professor colonizador, aquele que apresenta um invólucro de renovador, mas semeia o espírito catequizador, o que de forma unilateral impõe e dispõe valores, e não se habilita para lidar com as diferenças.

É preciso refletir sobre as celas de tipo novo onde certos educadores, estão encerrando nossos filhos.

Tão importante quanto combater a violência explicita, é a necessidade de adotarmos tolerância zero para com a violência subliminar dos discursos esteticamente libertários, mas vazios da práxis democrática.

Atinemos para as pedras de falso quilate, aos arrogantes e onipotentes representantes das academias do atraso, incapazes de compreender a dimensão que sábios e verdadeiros educadores emprestam à tolerância, à generosidade e à humildade. São incapazes de aprender que “hastes de trigo, cheias de grãos, aprendem a curvar a cabeça”.

Por outro lado políticas de segurança pública devem considerar não somente a modernização dos equipamentos. Mas, sobretudo, a formação de policiais que saibam conviver com a cidadania. Mais ainda: as políticas públicas só funcionam se adotadas de forma conjunta, orgânica, integral. O combate sistemático à violência urbana deve caminhar paralelamente à implementação de políticas consistentes de geração de emprego e renda, políticas de saúde, transporte, habitação, etc. e etc.

Não sendo assim, estaremos tão somente entoando a velha cantilena de preservar os dedos, enquanto todo o restante do corpo já estará exalando o odor nauseabundo da putrefação.

Antônio Carlos dos Santos é professor universitário, criador da Metodologia de Planejamento Estratégico Quasar K+ e da tecnologia de produção de teatro popular de bonecos Mané Beiçudo.

segunda-feira, 1 de outubro de 2007

A Educação a Distância veio para ficar

Ainda observado com desdém e desconfiança pela conservadora corporação acadêmica, o curso à distância vem se impondo, paulatinamente é bem verdade, mas de maneira irreversível.

Uma das mais destacadas e instigantes vantagens dessa nova tecnologia é o fato de ignorar fronteiras, fazer pouco caso da distância física, de modo que as pessoas –comungando do mesmo tempo – juntam-se, avizinham-se, tornam-se colegas de classe, ainda que estejam em continentes diferentes. Não é curioso e provocador criar uma sala de aula virtual onde colegas de sala interagem com um estando em Pirenópolis e o outro em Singapura?

Esta vantagem exclusiva, específica e inédita é que possibilitou fosse criado o primeiro curso à distância para o Japão. E não é nenhum curso Walita, desses penduricalhos de curtíssima duração que mal justificam um certificado. Não, nada disso. É um curso de graduação, isso mesmo! de graduação em Pedagogia, com 300 vagas, destinado a formar professores que, na Ásia, já estão na lida, no batente, ensinando para brasileiros.

A iniciativa resulta de uma parceria entre a Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) e o Ministério da Educação, que já reservou R$ 2,5 milhões para aplicar no projeto nos próximos cinco anos. O Banco do Brasil apóia a iniciativa e está propondo destinar outros R$ 2,5 milhões para turbinar o processo.

A vida de um migrante não é nada fácil. Não bastasse o preconceito, onipresente e radicalizado, quase sempre trabalham à exaustão, muito mais que os naturais do país para - ao final da jornada de trabalho – receberem muito menos. No geral tem quase nenhuma assistência médica, jurídica, social, além de amargar dia sim e o outro também, a saudade dolorida dos parentes, dos amigos, da pátria-mãe, saudade só levemente amenizada numa fotografia guardada com esmero no cantinho mais nobre e reservado da carteira.

E não é só. Outra questão por demais grave é a dos filhos dos dekasseguis que assistem aulas com professores improvisados, salvo um aqui e outro acolá, invariavelmente sem a habilitação e a formação adequadas.

O propósito é alterar este quadro, superar rapidamente esta etapa para enfrentar uma outra, tão carente quanto a da graduação, a especialização. Então se tratará de habilitar professores em disciplinas específicas como Biologia, História e Física, mas agora oferecidas não somente aos educadores brasileiros, como também aos professores japoneses que têm, dentre seus alunos, filhos de brasileiros.

Para dar suporte ao projeto será produzido material didático específico e, ao final de cada módulo – algo em torno de 40 dias - um professor brasileiro viajará ao Japão para cumprir a fase presencial do curso, ministrando aulas em caráter intensivo.

Estima-se que existam 320 mil dekasseguis no país do sol nascente. Todo esse contingente, no ano que vem, deverá estar mobilizado para comemorar os 100 anos da imigração japonesa no Brasil.

Se um projeto dessa dimensão não consegue demover a acidez e ojeriza cética dos críticos da Educação a Distância, o que mais na face da terra poderia sensibilizá-los?

A Educação a Distância está demonstrando no dia a dia que veio para ficar. Indiferente e independentemente dos críticos de plantão. Quem não se lembra quando, respondendo ao amargor dos mal humorados, nossos avós proclamavam: “enquanto a carruagem passa, os cães ladram”?

Antônio Carlos dos Santos é professor universitário, criador da metodologia Quasar K+ de Planejamento Estratégico e da tecnologia de produção de teatro popular de bonecos Mané Beiçudo.