Moradores do Morumbi queriam muralha de 3 m de
altura para separar parque na favela de casas de alto padrão; outros bairros
têm atos de "não no meu quintal"Durou pouco mais de duas semanas a
ideia dos moradores do Morumbi, vizinhos à favela de Paraisópolis, de construir
um muro de 3 metros de altura para separar o futuro parque municipal de suas
casas. No último dia 27 de junho, a Associação dos Amigos do Jardim Vitória
Régia, que representa 250 residências, enviou o pedido à Secretaria do Verde,
alegando que a “pequena área recreativa”, de 60 000 metros quadrados (pouco
maior que o Parque Trianon), “poderá concentrar um grande público, dada à alta
densidade da comunidade”. Além disso, no documento, os vizinhos da maior favela
de São Paulo, com 100 0000 habitantes, não teriam mais acesso a um dos dois
portões do local. A solicitação foi rejeitada no último dia 13 e o parque
deverá ser entregue em outubro deste ano (o projeto foi lançado em 2008, mas só
começou no ano passado) sem muros e com duas entradas.
A solicitação da associação, que também queria proibir piqueniques no futuro
espaço, pegou a principal liderança de Paraisópolis de surpresa. “Achei
estranho. Eles sempre foram nossos principais parceiros no Morumbi e farão
parte do conselho do parque. Recentemente fizeram uma grande arrecadação de
alimentos e estiveram conosco na briga em prol do monotrilho, que nunca saiu”,
afirma Gilson Rodrigues, presidente da União de Moradores. Procurada, a
diretora da Associação Vitória Régia, Claudia Leme, que assina o ofício enviado
à prefeitura, não quis dar entrevista. A rejeição à aproximação de moradores em
áreas nobres (ou de proibir “novidades” nas vizinhanças) cunhou a expressão em
inglês not in my backyard, não no meu quintal, que pode ser observada em várias
situações mundo afora. Em 2010, ao reclamar da construção de uma estação de
metrô em Higienópolis, uma moradora afirmou que a obra levaria mendigos e
drogados, “uma gente diferenciada”, para o arredor. Dias depois, em protesto,
um “churrasco da gente diferenciada” levou centenas de pessoas à avenida que dá
nome ao bairro.
A dez quilômetros dali, na Vila Leopoldina, a construção de um conjunto
habitacional com mais de 500 moradias populares colocou mais uma vez o
preconceito em evidência. O projeto prevê a extinção de duas favelas ao lado da
Ceagesp (com a remoção de seus moradores) e a reforma de um conjunto Cingapura,
mas esbarra no aceite dos novos vizinhos. Em 2018, reportagem da Vejinha
mostrou as queixas. “Se viesse só o rapaz que trabalha e come marmita, não
haveria problema. A questão é o que vem junto”, disse um deles. O projeto está
parado há dois anos na Câmara. Para quinta-feira (16), a vereadora Soninha
Francine (Cidadania) convocou uma audiência pública para tentar dar andamento à
proposta. “Mesmo diante de um interesse egoísta, da valorização do seu imóvel,
como essas pessoas podem rejeitar um projeto como esse?”, questiona a
parlamentar.
Na Bela Vista, outro empreendimento popular deixou moradores contrários. Nesse
caso, dizem, a questão não é social, mas geológica. “Não é que somos
discriminatórios e não queremos conviver com um projeto social. Se esse tipo de
empreendimento for construído ruirá as fundações dos nosso prédios, é um
problema estrutural”, afirma o ex-deputado petista Adriano Diogo, morador do
condomínio Praça dos Franceses. O projeto da Canopus Construtora, elaborado
pelo escritório Königsberger Vannucchi Arquitetura, prevê seis prédios com nove
andares cada um. O condomínio de luxo, que se opõe, tem torres de 27 andares e
está em uma cota a 30 metros de altura em relação à rua de baixo, onde sairá o
projeto mais econômico. A construtora afirmou que, como o projeto está em
tramitação na prefeitura, não comentaria o caso.
No Litoral Norte paulista, a gritaria antipovo surtiu efeito. Previstas para
serem construídas a 500 metros da badalada Praia de Maresias, em São Sebastião,
cerca de 220 moradias populares viraram pó após a queixa da associação local. O
anúncio levou a uma mobilização da Sociedade Amigos da Praia de Maresias
(Somar). Em ofício para a prefeitura, os membros questionavam a falta de
saneamento na região, temores de uma piora na segurança e desvalorização
imobiliária. “Hoje esses grandes núcleos habitacionais acabam sendo dominados
por poderes paralelos”, afirma o ex-presidente da Somar, Eliseu Arantes, que
estava à frente da empreitada em janeiro, quando uma reunião do grupo contou
até com a presença do secretário-executivo do Ministério das Comunicações,
Fabio Wajngarten. “São Sebastião precisa de moradias populares? Sim. Mas não
sei se em Maresias, pois vivemos do turismo”, argumenta. A licitação foi
cancelada em fevereiro. Procurada, a prefeitura informou que não há nova data
para o lançamento. O quintal deles foi salvo.
Por Sérgio Quintella,
Guilherme Queiroz, na Revista Veja SP
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