sexta-feira, 30 de julho de 2010

O sistema de ciclos

Deu na folha de hoje:
CICLOS, OU PROGRESSÃO CONTINUADA É O MELHOR SISTEMA NA EDUCAÇÃO!

(Fernando Barros - FSP, 30) 1. Quem implantou o sistema de progressão continuada em São Paulo foi o educador Paulo Freire, insuspeito de "tucanismo", quando secretário de Luiza Erundina. Mário Covas adotou o modelo no Estado em 1995. O desafio daquela época era, fundamentalmente, colocar (e manter) a criança na escola. As taxas de repetência e de evasão escolar eram alarmantes. Hoje, ao menos no ensino fundamental, as crianças estão na escola. O que é um avanço.

2. Reprovar mais não é sinônimo de elevar o nível do ensino. Pode, dizem especialistas, significar o contrário. Estudos mostram que o aluno repetente aprende menos, e não mais que seus colegas; que a reprovação pode ser fator de "deseducação", além de estímulo à exclusão social.

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E o que publiquei sobre o assunto, algum tempo atrás:

Erro histórico? Bah!!! ou "O sistema de ciclos"

Muitos apelidos e paradigmas pegam em função das oportunidades, dos interesses e até do humor do freguês. Às vezes escudam-se em justificativas inconsistentes, meias-verdades, arrazoados apenas envernizados de lógica. Não são poucas as vezes em que caem no domínio público em decorrência da mesquinharia que acomete meio mundo, mas não devemos perder de vista o impacto do preconceito sobre nosso comportamento.

Quantas vezes na vida já refugamos um bom livro, um filme interessante, uma idéia instigante por puro preconceito? Quem jamais se abrigou nas entranhas do jargão “não li, não vi, não conheço, e não gostei”?

Já faz um bom tempo que não encontro questão que galvanize tanta resistência e má vontade quanto o sistema de ciclos.

Este modelo surgiu como alternativa para substituir as antigas séries que avaliam os alunos ao término de cada ano letivo. No novo modelo as avaliações são realizadas ao longo do ciclo. Em decorrência da nova sistemática de avaliação, não existe mais a possibilidade do aluno ser reprovado ao final de cada ano, ao final de cada série. Quando não consegue responder ao demandado pelos professores, o aluno é reprovado ao final de cada ciclo. O ensino fundamental, por exemplo, está estruturado em dois ciclos, um da primeira à quarta série e o outro da quinta à oitava.

Como marco regulatório, o sistema de ciclos está amparado pela Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, que assegurou autonomia para estados, municípios e unidades escolares decidirem se incorporam ou não a nova estratégia.

Cá entre nós, o sistema é o que existe de mais produtivo. Despreza a possibilidade das provas e testes estanques, determinados num único instante, e abraça a visão larga do processo continuado, onde as avaliações não constituem um fim em si, mas uma sistemática diuturna, que incorpora múltiplos formatos, variados componentes, ensejando a interação do ensino formal com apreendido no universo familiar e social do estudante. Para ler o artigo na íntegra, clique aqui.

Antônio Carlos dos Santos - criador da metodologia de planejamento estratégico Quasar K+

segunda-feira, 26 de julho de 2010

Prisioneiros da idade média


Houve épocas em que foi diferente, mas, em tempos contemporâneos, o recurso econômico que vinca, faz diferença, que tem se mostrado mais expressivo e importante não é outro senão a educação.

Uma rápida incursão pela história da humanidade demonstra que nem sempre foi assim.

As civilizações antigas utilizaram o trabalho escravo para alavancar o progresso econômico. Na idade média a organização social se processou tendo como referência as terras dos senhores feudais. ‘Fábrica’, ‘maquinário’, ‘produção em série’ foram as palavras mágicas capazes de mover a moderna civilização industrial na direção da acumulação do capital.

E rompendo o século XX e em pleno curso no século XXI explode em toda a sua intensidade a sociedade do conhecimento.

Sociedade do conhecimento? O que é isso? Um pássaro? Um avião? Não, é o Super-Homem. É verdade, caro leitor... Não vai aqui nenhuma ironia ou piada de salão.

A sociedade do conhecimento resulta da educação que re-elabora, recria valores, revoluciona paradigmas, uma indústria ininterrupta de produção de novas tecnologias, capital humano e qualidade sustentável. É o que mais pode aproximar a espécie das estórias em quadrinhos que povoaram nossa infância, é o que mais pode nos fazer parecer com o homem de aço do planeta Krypton.

Países que - até algumas décadas atrás - situavam-se no mesmo estágio de desenvolvimento que o Brasil, hoje se encontram anos-luz à frente. Parece que ficamos imobilizados num desses atoleiros fantasmagóricas onipresentes nas estradas federais.

Por mais que doa, a verdade não deve ser ignorada: Pindorama ficou para trás. Boa parte do país parece aprisionada, é como se gigantescos grilhões nos impedissem de romper com a idade média e com os primórdios da revolução industrial. Enquanto o mundo desbrava o futuro, gastamos o suor e a energia da nação conquistando fatias de um passado já longínquo, distante, atrasado e obsoleto.

Mas a Ásia, Irlanda, Austrália, e aqui bem próximo, o Chile, avançaram, e continuam avançando, progredindo, deixando a república Tupiniquim submersa numa nuvem densa de poeira vermelha. Investindo de forma decisiva e progressiva na educação, esses países vêm alcançando elevados níveis de emprego, sustentabilidade e bem estar social.

O Brasil que desdenhou o dever de casa amarga indicadores perversos, vergonhosos, abomináveis, sempre ocupando as últimas posições nos exames internacionais que avaliam o ensino, que mensuram o nível de conhecimento agregado pelos alunos. Uma panorâmica pelas últimas edições do PISA-OCDE mostram que o mar não está para peixe.

Por considerarem a educação uma alavanca para o progresso, países como Coréia, Irlanda e Austrália estão em vias de encontrar o super-homem, pelo menos a parte humana do super, aquela que usufrui privilégios triviais, como o de ter acesso a emprego e renda; o de não ser achincalhado com bombardeios diários denunciando maracutaias e corrupção; como o de poder levar a família para um simples passeio familiar, sem temer a parada no semáforo, sem a preocupação com o estampido seco e fatal. Vai dizer que não é um privilégio ter a certeza de que gatunos da merenda, dos livros didáticos ou do transporte escolar acordarão vendo o sol nascer quadrado? Vai garantir que não é privilégio ter a convicção de que corruptos cumprirão longas penas nas cadeias?

Tudo correndo bem, sendo a corrupção endêmica estancada (e os corruptos encarcerados!), assegurando que os investimentos não sofram solução de continuidade, o Ministério da Educação prevê cerca de duas décadas para que o Brasil alcance a média dos estudantes dos países-desenvolvidos. Vinte anos. É um tempo longo, por demais longo.

Tivéssemos uma maioria de políticos com vergonha na cara e este tempo se reduziria substancialmente. Mas este é o Brasil real e de nada vale dar asas à ilusão.

Fixemo-nos então nas projeções do MEC. Pelo menos é uma oportunidade e não uma daquelas miragens tão ao gosto dos nossos legítimos ‘representantes’. É importante atenção e vigilância. E ante o perigo e a iminência do primeiro desvio, gritar, berrar, espernear, indignar, protestar. É nossa obrigação romper os grilhões que nos aprisionam à idade média. Devemos isso à nossos filhos e netos.

Artigo de Antônio Carlos dos Santos publicado no portal da Associação dos Professores de São Paulo

domingo, 18 de julho de 2010

Camões e a ideologia de matula

“Só o tempo cura o queijo”, desejaram ensinar nossos avós. Poucos conseguiram, verdadeiramente, aprender este milenar ensinamento.

O tempo – cansou-se de versar o poeta – é o senhor da razão.

Na arte como na vida, é o tempo que determina o que – qual flecha pontiaguda – vai atravessar a linha que separa o presente do futuro. O juiz soberano que separa o efêmero do perene não é outro senão o tempo.

O conjunto Legião Urbana transformou em música um dos mais belos e singelos poemas de todos os tempos, escrito pelo poeta maior da língua portuguesa.

A poesia que sustenta a melodia entoada pelo Legião foi escrita nos idos do descobrimento do Brasil e sua transposição para os dias de hoje é comprovação de que a arte, quando consistente e inundada de qualidade, brinca com a linha do tempo, transforma passado, presente e futuro num único instante, um ponto indivisível da quarta dimensão.

Na realidade, a banda capitaneada por Renato Russo (Monte Castelo) entremeou trechos de Camões com outros de Paulo, o Aposto.

Aqui está o soneto de Camões:

Amor é um fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer;

É um não querer mais que bem querer;
É um andar solitário por entre a gente;
É nunca contentar-se de contente;
É um cuidar que ganha em se perder;

É querer estar preso por vontade;
É servir a quem vence, o vencedor;
É ter com quem nos mata, lealdade.

Mas como causar pode seu favor
Nos corações humanos amizade,
Se tão contrário a si é o mesmo Amor?


A magnífica obra é de Luiz de Camões que, presumivelmente, nasceu em 1525, vindo a falecer no ano de 1580.

Camões revolucionou a poesia lírica portuguesa. A condição humana e o intrincado universo dos sentimentos são explorados de forma sutil, mas densa o suficiente para promover a reflexão filosófica.

Vejam a beleza deste soneto, outra obra prima do mestre do classicismo lusitano:

Alma minha gentil, que te partiste
Tão cedo desta vida, descontente,
Repousa lá no Céu eternamente
E viva eu cá na terra sempre triste.

Se lá no assento etéreo, onde subiste,
Memória desta vida se consente,
Não te esqueças daquele amor ardente
Que já nos olhos meus tão puro viste.

E se vires que pode merecer-te
Alguma cousa a dor que me ficou
Da mágoa, sem remédio, de perder-te,

Roga a Deus, que teus anos encurtou,
Que tão cedo de cá me leve a ver-te,
Quão cedo de meus olhos te levou.


No período do Renascimento, a expansão comercial gerou um movimento cultural denominado Classicismo, estilo literário logo abraçado por Luís de Camões.

A obra de Camões adentrará o futuro eterno influenciando os escritores de todo o mundo, sobretudo os que receberam a graça de escrever em português.

“Soneto de Carnaval” de Vinicius de Moraes é mais um exemplo da presença inspiradora de Camões:

Distante o meu amor, se me afigura
O amor como um patético tormento
Pensar nele é morrer de desventura
Não pensar é matar meu pensamento.

Seu mais doce desejo se amargura
Todo o instante perdido é um sofrimento
Cada beijo lembrado uma tortura
Um ciúme do próprio ciumento.

E vivemos partindo, ela de mim
E eu dela, enquanto breves vão-se os anos
Para a grande partida que há no fim

De toda a vida e todo o amor humanos:
Mas tranqüila ela sabe, e eu sei tranqüilo
Que se um fica o outro parte a redimi-lo.


Os livros didáticos e para-didáticos utilizados em nossas escolas preocupam-se sobremaneira em politizar nossas crianças e jovens, incutindo – muitas vezes extemporaneamente – conceitos do viver politicamente correto. E tome cidadania, inclusão, ações afirmativas, participação popular, sustentabilidade, etc. e etc. Nada de mal. Tudo bem se é para formarmos cidadãos de bem com o mundo e com as pessoas. O problema é que muitos de nossos educadores acreditam que para vestir um santo devem descobrir o outro. E esquecem-se do conhecimento básico, que dá suporte aos demais; e desdenham deixando de lado a ciência dos números e a das letras.

Sim, passam a tratar a matemática e o português como uma espécie de filhos bastardos, aos quais se dá uma certa atenção, mas nada que implique maiores comprometimentos. Pitágoras e Camões são aprisionados no lugar mais ermo da escola, no canto mais escuro e empoeirado da biblioteca.

E esta é – não tenho a menor dúvida – uma das causas (das principais!!) do Brasil ter se tornado especialista em ocupar os últimos lugares nos ranking’s que hierarquizam a qualidade e o nível da educação. Sejam as sucessivas edições do Pisa, seja qualquer outro indicador, sempre estamos segurando a lanterna, atrás até mesmo dos vizinhos sul-americanos.

Como é possível acreditar que, desconhecendo as quatro operações da aritmética e sem conseguir extrair de um texto elementar seu sentido figurado, pode um aluno alcançar a cidadania? Não pode. A não ser que o objetivo seja inflar os números e maquiar os relatórios pedagógicos.

Caros mestres. Tratem com mais carinho e apreço seus alunos. Matemática e português neles. Pitágoras e Camões jamais farão mal a ninguém. Ao contrário, sem eles, inclusão e cidadania não passam de jargões e palavras de ordem, ideologia de matula, uma sistemática de todo incompatível com educação de qualidade.

Antônio Carlos dos Santos é engenheiro e escritor, criador da metodologia de planejamento estratégico Quasar K+ e da tecnologia de produção de teatro popular de bonecos Mané Beiçudo. acs@ueg.br

domingo, 4 de julho de 2010

A República Federativa do Sugabão

O Brasil sempre foi um país onde riquezas naturais nunca faltaram. Sempre existiram em profusão. Daí a naturalidade com que ostentamos a posição de uma das maiores economias do planeta.

A pujança que a natureza nos presenteou se fez fartura econômica e não poucos estudiosos estimam que – passada a atual crise mundial – o país passará a ocupar a posição de 8ª maior potência econômica do planeta, superando economias estabelecidas, como a da Inglaterra.

O grande problema do Brasil, portanto, não se refere ao volume e dimensão de suas riquezas e potencialidades e sim como elas são distribuídas, como chegam ao conjunto da população. E aqui, temos um problema gigantesco, um nó górdio que cinco séculos de história não foram suficientes para equacionar e resolver.

A distribuição da riqueza brasileira é tão nefasta e perversa que os extratos da população que compõem a base da pirâmide social –os mais pobres – encontram-se em condições de exclusão similares aos das nações mais miseráveis do planeta. Em contra-posição, as faixas que ocupam o topo da pirâmide, igualam-se, em posses, luxo e ostensividade, aos extratos mais ricos e poderosos das primeiras potências do mundo.

Já me referi, em outros artigos, ao Brasil como uma república resultante da simbiose entre o que de melhor existe na Suécia com o que de pior foi gerado no Gabão. Um nome semelhante a Sugabão não nos faria injustiça, porque, verdadeiramente, é o que somos.

E como se não bastasse a gravidade da situação, um quadro mais terrífico acaba de ser anunciado pelas Nações Unidas.

Relatório do PNUD que analise as mais recentes informações do Índice de Desenvolvimento Humano demonstra que os 20% de brasileiros mais ricos vivem em situação melhor que os extratos mais ricos da população da Suécia, Alemanha, Canadá e França.

O estudo "Desigualdade no Desenvolvimento Humano: Uma determinação empírica de taxas de 32 países" revela que, no Brasil, a fatia mais rica da população tem um IDH de 0,997, indicador muito próximo do máximo (1,000) e que ultrapassa o valor correspondente aos 20% mais ricos de todos os outros países calculados, incluindo o do Canadá (0,967) e o da Suécia (0,959).

Quando descemos para os recônditos do subsolo, verificamos que o atual IDH do Brasil, é, na média geral, de 0,807. Contudo, os mais pobres gravitam em condições correspondentes a um IDH de 0,610, o que os colocam em um universo mais indigente que os mais excluídos da Indonésia (0,613), do Vietnã (0,626), do Paraguai (0,644) e da Colômbia (0,662).

Portanto, os opulentos brasileiros são mais ricos que os ricos suecos; e a plebe verde-amarela, mais pobre que os pobres paraguaios. O relatório das Nações Unidas conclui ainda que “no Brasil e em países como Guatemala e Peru, a diferença do IDH dos 20% mais pobres para o IDH dos 20% mais ricos só não é superior à de alguns países da África, como Madagascar e Guiné”.

Os números enfatizam que nos encontramos numa encruzilhada, num daqueles famosos “becos sem saída”. A solução, sabemos todos, consiste em priorizar investimentos para qualificar nossa educação. Porque qualificando a educação, qualificamos as pessoas, qualificamos o voto, qualificamos nossa representação, corrigimos as injustiças e distorções... para então – coletivamente - nos distanciarmos do Gabão, nos colando indissoluvelmente à Suécia.