segunda-feira, 23 de dezembro de 2019

Hollywood entre verdade e ficção em "O caso Richard Jewell"

Cena de interrogatório do filme O caso Richard Jewell
Paul Walter Hauser (dir.) representa o vigia Richard Jewell
"Baseado em fatos reais" é uma afirmativa que aparece na abertura de muitos filmes, nos últimos tempos. Estão em alta os roteiros que partem de casos verídicos e acontecimentos da história recente, seguindo o lema de que "a vida conta as melhores histórias".
O cineasta cult Roman Polanski não hesitou em chamar sua penúltima obra, lançada em 2017, de simplesmente Baseado em fatos reais, mesmo título do romance original. No caso, ele brincava com os diferentes níveis de significado e veracidade, explorando abertamente a relação entre verdade e ficção.
Bem diverso é o projeto do diretor americano Clint Eastwood em sua mais recente produção, O caso Richard Jewell, que chegará às telas brasileiras no início de janeiro. Aos 89 anos de idade, o veterano de Hollywood se enreda num emaranhado de interpretações, questões em aberto e acusações veementes.
O caso Richard Jewell narra um incidente transcorrido mais ou menos assim: no ano de 1996, em Atlanta, Estados Unidos, realizavam-se os Jogos Olímpicos, milhares de espectadores e visitantes circulavam pela cidade. Em 27 de julho o vigia Jewell descobre no Centennial Olympic Park uma mochila abandonada, com uma bomba cilíndrica dentro.
Ator e diretor Clint Eastwood
Ator e diretor Clint Eastwood
Graças a sua presença de espírito, a área é rapidamente evacuada. Ainda assim, o artefato explode, duas pessoas morrem e mais de 100 ficam feridas. Mas a grande catástrofe fora evitada, e o vigia é devidamente celebrado como herói pela mídia.
Mas quando, após algum tempo, as investigações ficam estagnadas, o próprio Richard Jewell entra na mira do FBI. A mídia se aferra ao caso, e o antigo herói é brutalmente derrubado do pedestal: o ex-policial obeso, que vive com a mãe e possui uma grande coleção de armas, tem todas as características de um pária da sociedade. Será que foi ele mesmo quem plantou a bomba?
Imprensa e investigadores vão a público com supostos fatos que mais tarde revelam ser falsos. Durante três meses, a vida do vigia e de sua mãe se transforma num inferno: jornalistas sitiam a casa, agentes do FBI a revistam. Passam-se semanas até as investigações serem suspensas.
Quando fica claro que Jewell não é o terrorista, polícia, autoridades e imprensa emitem desculpas e desmentidos pouco veementes. Mãe e filho entram em acordo com diversos jornais para receber indenizações. Contudo o caso deixa marcas no vigia: aos 44 anos, ele morre em 2007.
O filme de Eastwood é mais ou menos uma homenagem a Richard Jewell, condenando as reações excessivas das autoridades e da imprensa. "Ele foi colocado sob suspeita pela mídia pelo fato de sua aparência e histórico combinarem com a imagem que se tinha de um terrorista, mesmo que os fatos indicassem o contrário", comentou Clint Eastwood ao jornalista Dierk Sindermann.
Por isso, o cineasta considera "muito importante a imprensa noticiar de modo factualmente correto". No caso Jewell, "todos se deixaram levar pelos próprios preconceitos", e "ele é o pior exemplo do que pode acontecer quando não se leva a verdade totalmente a sério".
Atores Sam Rockwell e Paul Walter Hauser em cena do filme O caso Richard Jewell
Sam Rockwell (esq.) como advogado e único apoio de Jewell
Acontece que O caso Richard Jewell está sendo alvo de críticas que justamente têm a ver com narrativas erradas ou exageradas, pois também Eastwood teria tomado liberdades excessivas com os fatos. Segundo o jornal alemão Süddeutsche Zeitung, a empresa de mídia Cox Enterprises levanta graves acusações contra o diretor e o estúdio Warner Bros., que produziu o filme.
A Cox é a empresa-matriz do diário Atlanta Journal-Constitution, que na época noticiou sobre as investigações do FBI contra Jewell. Na película, uma de suas jornalistas, Kathy Scruggs, corresponsável pelas reportagens em 1996, é acusada de empregar métodos pouco lícitos.
Entre outros, consta que ela teria oferecido favores sexuais em troca de informações – uma imputação especialmente chocante em tempos de #MeToo. O jornal New York Times ressalta que nenhum relato do gênero consta, quer de artigos, quer do recém-lançado livro sobre Richard Jewell. Scruggs morreu em 2001, aos 42 anos de idade.
A Cox Enterprises enviou uma carta aberta a Eastwood, afirmando que a representação cinematográfica das ocorrências seria "errada e malévola [...] difamatória e destruidora de reputações". O Süddeutsche Zeitung afirma que agora se discute em Hollywood se, além de "baseado em fatos reais", o filme não deveria ser acompanhado do aviso de que mistura fatos e ficção, verdade e fantasia.
Assim, é possível que a nova obra eastwoodiana venha a se transformar num precedente na política de Hollywood. Depois da estreia americana e da exibição no Festival de Cinema do Rio de Janeiro, O caso Richard Jewell chega às salas de exibição no Brasil em 2 de janeiro de 2020. A Alemanha terá que esperar até 27 de fevereiro.
Da Deutsche Welle


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domingo, 22 de dezembro de 2019

Formação de professores fica mais longa e mais voltada para prática




A formação dos professores no Brasil vai ficar mais longa e passar a ter maior foco na prática. As medidas estão previstas em resolução do Conselho Nacional de Educação (CNE) homologada pelo Ministério da Educação (MEC). 
A portaria que estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Inicial de Professores para a Educação Básica e institui a Base Nacional Comum para a Formação Inicial de Professores da Educação Básica - (BNC-Formação) foi publicada hoje (20) no Diário Oficial da União . 
Os cursos de licenciatura, para a formação de professores, passam da atual duração de três para quatro anos, ou 3,2 mil horas. Dessas 800 horas, o equivalente a um quarto do curso, devem ser voltadas para a prática pedagógica. 
A prática pedagógica deve, obrigatoriamente, ser acompanhada por um professor da instituição formadora e por um professor experiente da escola onde o estudante a realiza. 
Apesar da parte da formação dedicada exclusivamente à prática, a resolução estabelece que a prática deve estar presente em todo o percurso formativo do licenciando, “com a participação de toda a equipe docente da instituição formadora, devendo ser desenvolvida em uma progressão que, partindo da familiarização inicial com a atividade docente, conduza, de modo harmônico e coerente, ao estágio supervisionado”. 
A formação dos futuros professores também terá um maior foco na chamada Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que define o mínimo que deverá ser aprendido pelos estudantes de todo o país no ensino infantil, fundamental e médio. 

Histórico

Uma resolução que tratava da formação de professores havia sido homologada em 2015 e deveria ter sido implementada até 2017, mas, na época, o MEC pediu o adiamento da implementação. Isso porque a BNCC, que orientaria também a formação dos professores, ainda não estava em vigência.
A nova publicação homologada nesta sexta-feira revoga a de 2015. Agora, foi estabelecido um novo prazo de dois anos para que as instituições de ensino superior se adequem às medidas. 
Aquelas que já implementaram a resolução de 2015 terão três anos para adequar as competências profissionais previstas na nova resolução. Os estudantes que iniciaram os estudos seguindo as diretrizes da resolução anterior deverão concluir os estudos “sob a mesma orientação curricular”. 

 Da Agência Brasil



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sábado, 21 de dezembro de 2019

Fies exigirá 400 pontos na redação do Exame Nacional do Ensino Médio




Até agora, bastava não tirar zero para ter direito ao financiamento


O Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) passará a exigir nota mínima de 400 pontos na redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Esta foi uma das mudanças aprovadas pelo Comitê Gestor do Fies. Além disso, a partir de 2021, o programa poderá ter uma redução na oferta de vagas financiadas pelo governo federal.
Até então, não havia a exigência de uma nota mínima na redação do Enem, era necessário apenas não ter zerado a prova, mesmo critério usado para seleção de estudantes para o Sistema de Seleção Unificada (Sisu), que oferta vagas em universidades públicas, e para o Programa Universidade para Todos (ProUni), que oferece bolsas de estudo em instituições particulares de ensino superior.
Agora, além da nota mínima na redação, continua valendo a regra de nota média mínima de 450 pontos nas provas objetivas do Enem. Ficou também mais difícil mudar de curso dentro da instituição de ensino. Agora, para serem transferidos, os estudantes beneficiados pelo Fies precisam ter resultado igual ou superior à nota de corte do curso de destino desejado.
De acordo com o Ministério da Educação (MEC), as mudanças foram feitas para garantir “a meritocracia como base para formar profissionais ainda mais qualificados”.
Redução de vagas
O comitê gestor aprovou também a possibilidade de redução das vagas mantidas pelo governo federal, ofertadas aos estudantes em condições socioeconômicas mais vulneráveis. As vagas poderão passar de 100 mil em 2020 para 54 mil em 2021 e 2022, caso não haja alteração nos parâmetros econômicos atuais. Segundo a pasta da Educação, os valores serão revistos a cada ano, “podendo voltar a 100 mil vagas caso haja alteração nessas variáveis ou aportes do MEC”.
Por outro lado, o comitê flexibilizou as regras do P-Fies, modalidade mantida por fundos constitucionais e de desenvolvimento e por bancos privados. Agora, para contratar essa modalidade, não será mais preciso ter feito o Enem e não há mais limite de renda. Além disso, será possível contratar esse financiamento durante todo o ano e não mais apenas nos processos seletivos do Fies.
O Fies oferece financiamento a estudantes de baixa renda em instituições particulares de ensino, a juros mais baixos que os de mercado. O programa, que chegou a firmar, em 2014 mais de 732 mil contratos, sofreu uma série de mudanças e enxugamentos. O programa foi dividido, em 2018 em Fies juro zero e P-Fies.
O Fies juro zero, financiado pelo governo federal, é voltado para alunos cuja renda familiar bruta mensal por pessoa não ultrapasse três salários mínimos. Já o P-Fies, que deixa de ter limitações, era voltado para estudantes cuja renda familiar bruta mensal por pessoa não excedesse cinco salários mínimos.
Inadimplência
Um dos principais motivos para as mudanças feitas nas regras do Fies, de acordo com gestões anteriores do MEC, é a alta inadimplência no programa, ou seja, estudantes que contratam o financiamento e não quitam as dívidas. O percentual de inadimplência registrado pelo programa chegou a atingir 50,1% de acordo com dados do MEC. Em 2016, o ônus fiscal do Fies foi de R$ 32 bilhões, valor 15 vezes superior ao custo apresentado em 2011.
O comitê gestor aprovou agora a possibilidade de cobrança judicial dos valores devidos. A judicialização poderá ser feita no caso dos contratos firmados até o segundo semestre de 2017 com dívida mínima de R$ 10 mil. O ajuizamento deverá ser feito após 360 dias de inadimplência na fase de amortização, ou seja, do pagamento em parcelas dos débitos.
Hoje, segundo a pasta, a cobrança de quaisquer valores é feita no âmbito administrativo. Pela resolução aprovada pelo comitê, só continua a se enquadrar nesse campo quem deve menos de R$ 10 mil. O devedor e os fiadores poderão ser acionados.
As medidas não foram bem aceitas por instituições de ensino privadas. Para o diretor executivo da Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (Abmes), Sólon Caldas, as mudanças “vão acabar de enterrar o programa”. Ele defende um modelo novo, que atenda à necessidade da sociedade e acrescenta: "O Fies precisa ser visto pelo governo como investimento na educação.”
De acordo com Caldas, os estudantes que cumprem os critérios socioeconômicos exigidos pelo Fies juro zero geralmente não atendem aos critérios de nota, gerando um “gargalo no programa”. Ele diz ainda que o P-Fies, contratado junto aos bancos, "não resolve o problema".
Da Agência Brasil


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quinta-feira, 19 de dezembro de 2019

Como a Polônia virou uma potência em educação em apenas 20 anos - e o que o Brasil pode aprender com isso

Em 1999, país iniciou reforma profunda em educação



No alto dos rankings internacionais da educação, perto de conhecidas "potências" da área como Finlândia, Cingapura, Canadá e Coreia do Sul, está um país que tem avançado há relativamente pouco tempo, mas com constância e velocidade surpreendentes: a Polônia.
Na edição mais recente do Pisa, exame internacional que em 2018 avaliou 600 mil estudantes de 15 anos em 79 países ou regiões (Brasil entre eles), a Polônia ficou entre os dez melhores colocados do mundo nos exames de leitura, matemática e ciências.
Para efeitos comparativos, os estudantes poloneses fizeram, em média, quase 100 pontos a mais que os brasileiros em leitura: 512 contra 413. E ficaram 129 pontos à frente na avaliação de matemática. A prova, aplicada pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), visa medir a habilidade de alunos globais em compreender textos, captar informações-chave, entender e aplicar conceitos matemáticos e científicos em seu dia a dia.
O sucesso polonês — cujas pontuações superam, inclusive, as médias da própria OCDE — chama a atenção por ocorrer em um país que, até poucas décadas atrás, era inexpressivo na educação. E que tem um passado recente de destruição e pobreza.

Mortes e destruição na guerra

Ao fim da Segunda Guerra Mundial (1939-45), quando a Polônia passou da ocupação nazista para a esfera comunista do Leste Europeu, estima-se que o saldo de poloneses mortos no conflito tenha sido de 6 milhões de pessoas. Cidades como a capital Varsóvia, Wróclaw e Gdansk estavam em ruínas.
Nos anos durante e pós-comunismo, a situação do país tampouco era alentadora social e economicamente, segundo relatos históricos.
"É difícil descrever de maneira sucinta a desordem que assolou a Polônia no espaço de meio século. Depois da derrocada do comunismo, em 1989, a hiperinflação entrou em cena e dominou o país. As prateleiras dos supermercados ficaram vazias, e as mães não conseguiam encontrar leite para seus filhos", descreve a autora Amanda Ripley em As Crianças Mais Inteligentes do Mundo (ed. Três Estrelas, 2013), livro que mergulha em experiências internacionais bem-sucedidas de sistemas educacionais.

O panorama da educação também era ruim, aponta a autora: somente metade dos adultos de áreas rurais do país havia concluído o ensino fundamental.
Mesmo em 2010, diz Ripley, quando a Polônia entrou para a União Europeia e depois de reformas que promoveram o livre mercado no país, "aproximadamente uma em cada seis crianças polonesas vivia na pobreza. (...) Em um estudo das Nações Unidas sobre o bem-estar material infantil, a Polônia figurava na última posição do mundo desenvolvido".
À essa altura, porém, a Polônia já passava por intensas reformas, às quais muitos analistas atribuem as altas taxas de crescimento econômico que persistem até hoje, embora lado a lado com desafios políticos. Uma dessas reformas acontecia na educação.

Valorização de professores, autonomia e 'terapia de choque'

Essa reforma, em 1999, é descrita por Ripley como uma espécie de "terapia de choque": no decorrer de apenas um ano, a Polônia implementou um currículo escolar mais rigoroso, mas com menos tópicos a serem abordados; as escolas tiveram mais autonomia para escolher livros didáticos e entre centenas de opções pré-aprovadas de didática e conteúdo a ser abordado.
"O novo programa fornecia os objetivos fundamentais, mas deixaria os detalhes para a escola. Ao mesmo tempo, o governo exigiria que um quarto dos professores voltasse à faculdade para aperfeiçoar sua própria formação", explica Amanda Ripley.
Isso forçou um grande investimento em professores, tanto em capacitação quanto em remuneração e bonificação, e também em avaliações, que permitissem mensurar o desempenho ao final de cada ciclo e identificar quais alunos, escolas e professores precisavam de mais ajuda do governo. Isso sinalizava, segundo a autora, "que os professores já não eram trabalhadores de nível inferior".
No que diz respeito às avaliações, a ideia era "não apenas (fazer os alunos) acertarem as alternativas corretas, mas sim queríamos que eles pensassem estrategicamente e queríamos saber como eles entendiam os problemas", disse à BBC, em 2015, Janusz Wolosz, conselheiro de educação da Embaixada da Polônia no Reino Unido.
Antes da reforma, quando chegavam aos 15 anos de idade, no ano equivalente ao primeiro do ensino médio, os alunos poloneses eram encaminhados, com base em seu desempenho, para cursos profissionalizantes/técnicos ou para o ensino regular/acadêmico. Essa divisão — chamada de "categorização" — foi, com a reforma, postergada em um ano. Ou seja, os alunos passaram a ter 12 meses a mais de estudos na escola tradicional e só sair dela aos 16 anos. Só para acomodar esse ano extra, foi necessário construir, rapidamente, 4 mil escolas a mais em todo o país.
"A diferença era de apenas 12 meses, mas teria consequências surpreendentes" na educação, diz Ripley, citando outro ponto crucial: "aumentaram as expectativas acerca de o que os estudantes seriam capazes de realizar".
"Em outras palavras, o sistema exigia mais responsabilização por resultados, ao mesmo tempo em que concedia mais autonomia de métodos. Essa mesma dinâmica podia ser encontrada em todos os países que haviam melhorado de maneira acentuada seus resultados, incluindo a Finlândia."

Resultados

Mesmo antes da reforma, a Polônia partiu de um patamar acima do Brasil porque conseguiu colocar todas as crianças na escola mais cedo do que nós, explica Claudia Costin, que foi diretora global de educação do Banco Mundial e hoje dirige o Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais da FGV Rio.
"Todos os países da esfera soviética universalizaram o acesso à educação bem antes. Essa educação podia ter uma série de problemas, mas não deixava as crianças fora da escola", diz ela à BBC News Brasil.
Costin explica que manter os alunos um ano a mais no ensino tradicional, entre 15 e 16 anos, foi um dos aspectos mais significativos da reforma polonesa, o que é confirmado por dados: esses estudantes (que antes teriam sido transferidos para escolas técnicas) fizeram, no primeiro exame Pisa, em 2000, mais de 100 pontos a mais do que seus colegas que, àquela altura, já haviam sido transferidos.
A suspeita de especialistas é de que, ao serem enviados para cursos técnicos com base em suas notas, os alunos perdiam a motivação, e seu aprendizado desacelere.
Como qualquer avaliação, o Pisa não é uma medição perfeita. Avalia apenas algumas habilidades dentro de um determinado recorte. Mas, especificamente para a Polônia, ele teve importância crucial, porque começou a ser implementado em 2000, justamente quando as reformas acima começaram a vigorar, dando um retrato do antes e depois da educação.
"De 2000 a 2006, a nota média de leitura dos estudantes poloneses de 15 anos de idade subiu 29 pontos no Pisa", reconta Ripley. "Era como se os poloneses tivessem de alguma maneira enfiado dentro do cérebro quase três quartos de um ano letivo de aprendizagem extra. Em menos de uma década, os alunos tinham saltado de um desempenho abaixo da média do mundo desenvolvido para uma nota acima da média." Na prova seguinte, em 2009, os poloneses superaram outros países desenvolvidos e com investimentos muito superiores em educação, como os EUA.
Essa performance continuou avançando, segundo os dados do Pisa. Na edição mais recente do exame, divulgada no início de dezembro, os estudantes poloneses mantiveram suas médias acima dos demais países da OCDE (grupo chamado também de "clube de países ricos") nas três esferas avaliadas: leitura, matemática e ciências.
Uma análise do Banco Mundial apontou que o aumento nas notas do país no Pisa foi "maior e mais consistente do que qualquer outro país próximo".

A lições - e os problemas - da Polônia

"É muito impressionante: um país que foi destroçado pela guerra hoje mostra resultados muito consistentes", diz à reportagem Mozart Neves Ramos, que é diretor de inovação do Instituto Ayrton Senna e membro do Conselho Nacional de Educação brasileiro. Ele conheceu o sistema polonês alguns anos atrás, em visita quando era reitor da Universidade Federal de Pernambuco.
"Vi neles uma visão sistêmica, de melhorar a educação tanto básica quanto no ensino superior (sem priorizar um ou outro)", afirma. "Eles também estão muito focados na formação de professores, assim como todos os países no topo (do Pisa). Todos os estudos mostram que esse é o fator que mais faz diferença, entre os fatores que impactam na educação."
Em seu livro, Ripley avalia que o país foi bem-sucedido em mostrar que é possível avançar com diligência e altas expectativas sobre si mesmos: quando os estudantes passaram a corresponder às apostas que haviam sido feitas neles, e diretores das novas escolas começaram a contar com professores mais talentosos e engajados, os resultados positivos iniciais começaram a ganhar tração e a se retroalimentar.
Outra questão-chave, apontam diferentes estudos, foi a incorporação da educação como uma agenda essencial e estratégica para o país crescer e competir em patamar de igualdade com o restante da força de trabalho da União Europeia. "Sem melhoras na educação, os poloneses seriam relegados a subempregos não qualificados e de remuneração muito baixa, fazendo o trabalho que outros europeus não queriam fazer", explica Ripley.
Mas isso não significa que as reformas resolveram os problemas educacionais — e socioeconômicos — do país.
O ministro responsável pelas mudanças na educação, Miroslaw Handke, renunciou no ano seguinte à reforma, sem conseguir assegurar os recursos necessários para aumentar, no nível prometido, o salário dos professores.
A OCDE apontou, em relatório de 2015, que embora a autonomia sobre o currículo na Polônia seja superior à da média dos demais países do grupo, a remuneração de professores poloneses está abaixo da média não só da organização, mas também inferior ao de outros profissionais poloneses de educação superior.
Apesar de alguns aumentos recentes no salário docente, apenas 18% dos professores do país acreditam que sua profissão é valorizada na sociedade.
Em abril deste ano, esses professores fizeram uma greve histórica na Polônia, paralisando mais da metade das escolas em grandes cidades.
Mas a demanda por maiores salários acabou não sendo atendida pelo governo, comandado pelo partido populista e nacionalista de extrema direita Lei e Justiça (PiS), que foi reeleito no mês de outubro.
Essa mesma eleição evidenciou também desafios políticos poloneses: o PiS é acusado de interferir no funcionamento da imprensa e do Judiciário e de aumentar o isolamento da Polônia da União Europeia, por ter atitudes consideradas antidemocráticas.
"Durante décadas, cientistas políticos enxergaram a Polônia como a grande história de sucesso de transição do comunismo à democracia", escreveu o cientista político alemão-americano Yascha Mounk em artigo para a Folha de S.Paulo, em outubro. "Essa narrativa começou a ser posta em dúvida quando o PiS chegou ao poder, em 2015. (...) O líder da legenda, Jaroslaw Kaczynski, começou imediatamente a atacar o estado de direito e a limitar a independência de instituições fundamentais, como a rede de rádio e TV pública do país."
Na educação, o país avançou imensamente, mas não chegou ao nível de qualidade e igualdade de referências como a Finlândia, aponta Ripley em seu livro.
"A qualidade das faculdades de formação de professores variava tremendamente. Os professores que conseguiam arranjar trabalho ainda não ganhavam salários suficientemente bons. Enquanto não redobrasse o rigor e resolvesse o problema da qualidade do ensino, a Polônia jamais seria a Finlândia", conclui ela.
"Ainda assim, a Polônia tinha feito um avanço revolucionário e espetacular, mostrando que mesmo países às voltas com transtornos e adversidades poderiam fazer o melhor para seus educandos em questão de poucos anos. O rigor era algo que podia ser cultivado. Não tinha de aparecer de maneira orgânica. Verdade seja dita, não havia evidências de que tivesse surgido organicamente em país nenhum. Era possível aumentar as expectativas. Gestores e dirigentes educacionais ousados que não se considerassem sabichões poderiam ajudar a formar toda uma geração de crianças mais inteligentes."

Da BBC

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