sexta-feira, 25 de abril de 2008

As lições de Tiradentes se perderam no tempo?

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Humilhas, avanças, provocas, agrides, espancas, torturas, aprisionas indefesos – e quem bate e violenta é a tropa de choque?
Te tornaste carne, sexo e prostituta de incubo de Saturno –
e ensandecidamente acusas o outro de estupro? (...)

Leia o poema Uma oração para canalhas clicando aqui.
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As lições de Tiradentes se perderam no tempo?

No Brasil colonial destacou-se, na economia, a mineração.

Pelos idos de 1690 o ouro foi descoberto em Minas Gerais, em 1719 em Mato Grosso e em 1725 em Goiás.

Portugal entrou em êxtase com a nova oportunidade. E logo a nova riqueza representada pela exploração do minério recebeu uma legislação específica.

Os fiscais da Coroa eram os responsáveis pela distribuição das cobiçadas terras auríferas. E quanto mais ricas e poderosas as pessoas, maiores eram os lotes recebidos.

A título de imposto, Portugal ficava com nada menos que 1/5 de todo o ouro encontrado. Cabia à Intendência de Minas exercer a fiscalização da atividade e cobrar o Quinto.

O processo de cobrança era simples e eficaz. Todo o ouro encontrado deveria, necessariamente, ser levado à Casa de Fundição, que o processava de modo a transformá-lo em barras. Ao retornar para o mineiro, a Coroa já tinha retido seus 20%. Não havia outra forma legal para o ouro circular.

No período do Marquês de Pombal – Primeiro Ministro do rei D. José I, Portugal passou a exigir que o Brasil pagasse, no mínimo, 100 arrobas de ouro anualmente.

A atividade atraiu levas de imigrantes de modo que, quando a operação começou a ser tornar mais complexa, exigindo outro tipo de tecnologia para a extração do minério, o setor começou a declinar, quando então o Quinto se tornou um tributo por demais asfixiante para os mineradores.

E as penas para o descumprimento das leis eram severas, implicando em degredo ou prisão.

Foi chegando a um ponto que os protestos e revoltas começaram a eclodir, destacando-se o movimento de 1789 que entrou para a história brasileira com o nome de Inconfidência Mineira.

O movimento levou à execução de Tiradentes no ano de 1792. Levado à forca, o mártir da Independência brasileira teve ser corpo esquartejado e sua cabeça exposta em logradouro público, como exemplo para os que ousassem desafiar o sistema colonial e as determinações da metrópole.

A cobrança do Quinto foi o mote encontrado pelos inconfidentes para obter apoio popular para a revolta.

Basta comparar os impostos praticados no Brasil colônia com os cobrados atualmente para perceber que as coisas pioraram, e bastante. Aliás, a sociedade civil agradeceria se o atual governo praticasse as mesmas taxas exigidas pela Coroa. Se Portugal estimulou revoltas e mais revoltas ao cobrar 20%, hoje o governo retira da sociedade algo em torno de 50% de tudo o que a nação produz.

Em alguns produtos os valores dos impostos pagos pelo consumidor beiram à extorsão.

Toda vez que o consumidor abastece o automóvel, deixa com o governo 57,13% do que desembolsa. Quando bebe uma cerveja, entrega ao fisco 56% do que paga. E ai segue, com a prática de tributos escandalosos, nada escapando à fúria arrecadatória do governo.

Dentre os países em desenvolvimento, o Brasil tem a maior carga tributária. É a segunda maior do planeta, só perdendo para a Dinamarca. Mas existe aqui uma diferença determinante, fundamental. No país europeu, tudo funciona como um relógio suíço, já por aqui...

Por aqui, o problema estrutural é que o governo arrecada muito, muitíssimo, e administra mal, muito mal. Não consegue retornar à sociedade – com serviços de qualidade - a colossal soma de recursos que confisca imperativamente.

Sobretudo setores como a infra-estrutura física e econômica, a segurança, saúde e a educação no Brasil encontram-se em frangalhos, em estado de indigência e completa insolvência.

Parte expressiva dos impostos arrecadados é manejada pelas ratazanas para alimentar a descomunal rede de corrupção. Uma outra parte considerável se perde nas teias intrincadas da burocracia, nos labirintos de um aparelho de Estado ineficaz e perdulário, na gestão desqualificada, no gigantismo abissal dos poderes da República... De modo que só uma pequena fração dos recursos investidos chega ao destino final, à ponta do processo.

A grande verdade é que o Governo brasileiro é uma mistura de Dinamarca com Gabão. Sua eficiência para arrecadar se nivela à européia, mas a qualidade de sua gestão não consegue superar sequer a do Gabão ou, com mais precisão, à de Serra Leoa, o país mais pobre do mundo, com uma renda per capita de 490 dólares por ano e expectativa de vida de 39 anos.

É tanta injustiça que Tiradentes e os inconfidentes de Minas devem purgar dias e noites revirando nos túmulos, indignados com a aleivosia que domina o cenário nacional. O país tem se tornado uma fraude e a sociedade precisa se mobilizar para que o sonho dos inconfidentes não se perca nas páginas de livros mal cuidados esquecidos nos escaninhos das bibliotecas.

Antônio Carlos dos Santos – criador da metodologia de Planejamento Estratégico Quasar K+ e da tecnologia de produção de Teatro Popular de Bonecos Mané Beiçudo. acs@ueg.br

sexta-feira, 18 de abril de 2008

Trânsito, a tragédia vil

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Humilhas, avanças, provocas, agrides, espancas, torturas, aprisionas indefesos – e quem bate e violenta é a tropa de choque?
Te tornaste carne, sexo e prostituta de incubo de Saturno –
e ensandecidamente acusas o outro de estupro? (...)

Leia o poema Uma oração para canalhas clicando aqui.

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Trânsito, a tragédia vil

O Brasil é um país de muitas tragédias. Um das mais agudas e perversas é a do trânsito.

As mortes por acidente de trânsito no Brasil caíram na vala comum. Quando a dor é extrema, o corpo humano aciona um sistema de defesa que a amortece e elimina nos momentos mais intensos. É o que vem ocorrendo no trânsito. As tragédias ocorrem com tal profusão e violência que tudo se tornou banal, normal, aceitável. Fomos tragados pela indiferença que avilta e pela hipocrisia social: 35 mil mortes por ano, 98 por dia. Nos últimos dez anos, 327 mil mortos - 40 Maracanãs inteiramente lotados.

O parágrafo que vai acima, extraí do artigo “A hipocrisia Social”. Caso queira lê-lo na íntegra, clique aqui.

Na edição da Revista Bula desta semana, está publicado um novo artigo que escrevi sobre o assunto. Denomina-se “Trânsito: os senhores da guerra”. Aqui vão dois parágrafos:

Em 15 anos de guerra, os Estados Unidos lançaram sobre o Vietnã mais toneladas de bombas que as lançadas em todo o decorrer da 2ª Guerra mundial. Além dos armamentos convencionais, os EUA experimentaram armas químicas e biológicas, destruíram quase 70% de todos as vilas e cidades do norte e gastaram, no conflito, mais de 150 bilhões de dólares. Em 15 anos de guerra intensa, o número de americanos mortos foi de 58.193. Menos dos que morrem, no Brasil, por ano, em acidentes de trânsito.

Já na Guerra do Iraque, em cinco anos de conflito, completados em 23 de março, o número de soldados americanos mortos não chegou aos 4.000. Portanto, cinco anos de guerra e 4.000 soldados mortos. No Brasil, a cada ano de guerra civil, a cada ano da insana tragédia do trânsito, 35.000 mortos (segundo dados oficiais); em torno de 60.000, segundo os estudiosos e especialistas “não dependentes” do governo seja pelo emprego que (neste caso) amesquinha, seja pelos interesses que avilta.

Caso queira lê-lo na íntegra, clique aqui

Para resolver o problema, além de vergonha na cara é necessário expertise, investimentos em educação, alterar a face canalha do jeitinho brasileiro, aquela de “levar vantagem em tudo”.

Campanhas importantes

O governo australiano polemiza o mundo com uma ousada propaganda institucional em que vincula a velocidade ao tamanho do pênis do motorista, e assegura que a campanha tem sido eficaz.

Para manter controle sobre a polêmica e acusações de discriminação, o governo daquele país divulgou pesquisa em que em torno de “60% dos homens jovens entrevistados admitiram que os comerciais fizeram com que eles repensassem seus hábitos na direção”.

A propaganda é direcionada aos jovens do sexo masculino com idades entre 17 e 25 anos. As peças inseridas na grade das emissoras de TV apresentam cenas em que mulheres dobram o dedo mínimo quando motoristas passam em alta velocidade, insinuando que o motorista está correndo porque tem o pênis pequeno.

Na Austrália, o excesso de velocidade é responsável por cerca de 40% dos acidentes nas estradas.

Eis o que diz o Secretário de Trânsito Eric Roozendaal:

O ato de dobrar o dedinho atinge uma faixa crucial dos motoristas jovens. Eles estão usando (o gesto) para diminuir a velocidade dos amigos e impedir que eles ajam de forma imprudente nas nossas estradas.

O mote da campanha publicitária "Alta velocidade. Ninguém te acha grande" que, além da TV, mantêm anúncios no cinema, Internet e pontos de transporte coletivo. E outra provocação é que oferecem preservativos "extra extra pequenos" aos que se excedem na velocidade.

E porque as autoridades australianas optaram por este modelo?

Porque perceberam que os anúncios convencionais insistindo nas conseqüências do excesso de velocidade, como cenas de acidentes e feridos, se tornaram pouco efetivos no seio da juventude.

Jovens expostos a jogos de computador, à mídia moderna e a filmes de terror não se impressionam mais com as imagens das campanhas tradicionais, defende John Whelan, diretor da agência de trânsito.

Uma das peças institucionais você vê logo abaixo:



Agora é aguardar para ver o que virá quando relacionarem excesso de velocidade ao sexo das mulheres.

Logo abaixo você assiste uma peça da campanha francesa:



E aqui a uma peça do governo português:


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Vatapá & artesanato

Convidado por uma amiga, saboreei na noite de ontem um vatapá que trouxe recordações de minha passagem por Vitória, onde ministrei um curso de planejamento estratégico e um outro de teatro, anos atrás. Aproveitei para visitar um povoado onde artesãos fabricavam as panelas de barro. Como todos sabem, vatapá que é vatapá tem que, necessariamente, ser feito em panela de barro. Caso contrário a iguaria passa por peixada, como argumentam os capixabas. O trabalho dos artesãos é algo simplesmente primoroso. Fazem com uma maestria de deixar qualquer mortal boquiaberto, embasbacado. Depois disso, acreditem, vatapá para mim passou a ter um quê de espiritualidade divina. Abaixo um pequeno vídeo sobre o processo de fabricação do instrumento que ajuda a dar incomparável sabor à especiaria.


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Sobre os espertinhos...

A Profª Letícia Ferreira envia para o Blog uma forma muito bacana e engenhosa de nos livrar dos espertalões. Vejam:

COMO TRATAR AS PESSOAS GROSSAS

Para todos os que têm de tratar com clientes irritantes, ou com pessoas que se acham superiores aos outros, aprenda com a funcionária da GOL.
Destrua um ignorante sendo original, como ela foi.
Uma funcionária da GOL, no aeroporto de Congonhas, São Paulo, deveria ganhar um prêmio por ter sido esperta, divertida e ter atingido seu objetivo, quando teve que lidar com um passageiro que, provavelmente, merecia voar junto com a bagagem...
Um vôo lotado da GOL foi cancelado. Uma única funcionária atendia e tentava resolver o problema de uma longa fila de passageiros. De repente, um passageiro irritado cortou toda a fila até o balcão, atirou o bilhete e disse:
- Eu tenho que estar neste vôo, e tem que ser na primeira classe!
A funcionária respondeu:
- O senhor desculpe, terei todo o prazer em ajudar, mas tenho que atender estas pessoas primeiro, já que elas também estão aguardando pacientemente na fila. Quando chegar a sua vez, farei tudo para poder satisfazê-lo. O passageiro ficou irredutível e disse, bastante alto para que todos na fila ouvissem:
- Você faz alguma idéia de quem eu sou ?
Sem hesitar, a funcionária sorriu, pediu um instante e pegou no microfone anunciando:
- Posso ter um minuto da atenção dos senhores, por favor? (a voz ecoou por todo o terminal).
E continuou:
- Nós temos aqui no balcão um passageiro que não sabe quem é, deve estar perdido... Se alguém é responsável pelo mesmo, ou é parente, ou então puder ajudá-lo a descobrir a sua identidade, favor comparecer aqui no balcão da GOL.
Obrigada.
Com as pessoas atrás dele gargalhando histericamente, o homem olhou furiosamente para a funcionária, rangeu os dentes e disse, gritando:
- Eu vou te foder!
Sem recuar, ela sorriu e disse:
- Desculpe, meu senhor, mas mesmo para isso, o senhor vai ter que esperar na fila; tem muita gente querendo o mesmo...





quarta-feira, 16 de abril de 2008

Um país sem jovens e crianças

O Brasil é um país em tudo singular. A começar pelos indicadores sociais, principalmente os relativos à educação e à violência.

No setor educacional o governo federal prioriza o programa Universidade para Todos, quando deveria priorizar algo como Ensino Fundamental e Médio/profissionalizante para Todos.

Nossos estudantes, após passarem dez anos freqüentando a escola regular, não conseguem adquirir a habilidade da compreensão do idioma e da interpretação de texto. No campo do raciocínio lógico, mal dominam as operações básicas da aritmética.

Na área da violência, é como se vivêssemos uma perversa ficção maquiavélica, de quinta categoria. Apesar de, oficialmente, não experimentarmos uma guerra civil, na realidade o país está completamente imerso em uma. No trânsito, por ano, ocorrem no Brasil mais mortes do que durante toda a guerra do Vietnã. Quem não se lembra de todo o poderio destrutivo da maior potência bélica do planeta, com os B-52, os Phanton e as bombas de Napalm? Pois a leniência, a corrupção, a incompetência das autoridades governamentais brasileiras na área dos transportes, tem substituído com maior eficiência a tecnologia das armas de guerra norte americana.

Escandalizamos-nos quando a mídia televisiva registra, ao vivo e a cores, a violência da guerra entre palestinos e judeus, no Oriente Médio. Mas por aqui, as mortes violentas são em número muito maior. E incidem sobre o que temos de mais nobre, as crianças e a juventude.

Um outro dado de extrema gravidade assombra nossos sonhos por um país justo e desenvolvido.

Pouco tempo atrás um conjunto de organizações de defesa dos direitos humanos divulgou relatório revelando que algo em torno de cinco mil crianças estão sob o controle do crime organizado, só no Estado do Rio de Janeiro. O relatório alerta ainda que as ações dos governos estaduais objetivando combater os progressivos indicadores de criminalidade têm elevado ainda mais os números – já aviltantes – de violações dos direitos humanos.

Nossas crianças e nossos jovens – que deveriam ser blindados e protegidos - são hoje as principais vítimas desse brasil hediondo, que se deve escrever mesmo com letra minúscula. Os governos que deveriam atuar no sentido de assegurar educação e formação para que, amanhã, esses extratos da população pudessem dar continuidade à construção de uma nação progressista, agem solapando e fragilizando as bases, os alicerces e tudo o que guarde semelhança à idéia de estruturação e edificação.

Em alguns países da África, a AID’s e os intermináveis conflitos tribais, têm gerado nações de jovens e crianças, sendo cada vez menor o número de velhos e adultos.

Por aqui, abaixo da linha do equador, um projeto de país tem sido sistematicamente destruído. A situação no Brasil está a indicar que, neste rincão, o que se constrói não mais é um lugar onde os jovens e as crianças tenham seus sonhos e esperanças extirpados no dia a dia da violência explícita. Agora já não se trata de destruir sonhos e esperanças. A fase agora, parece ser um esforço concentrado para eliminar nossos jovens, para eliminar nossas crianças.

Num contexto de guerra explícita como este que o Brasil vem experimentado, uma batalha específica está sendo travada no interior das escolas. Valores como solidariedade, amizade, colaboração e amor são substituídos por outros que remetem à violência mais brutal e abjeta. Professores ‘esquecem’ pequenas crianças trancadas no interior das creches, armam estratagemas hediondos contra os próprios colegas de profissão; estudantes organizam-se em gangues dispostos a humilhar e matar, alunos comparecem às aulas portando facas, canivetes, soco inglês e armas de fogo... enquanto as autoridades envolvem-se em corrupção e mais corrupção.

É este o país que deixaremos para nossos filhos e netos? A sociedade precisa se mobilizar, perceber que os anéis já se foram há muito tempo e que agora são os dedos que estão sendo roubados. E mais - ou se indigna, rompe este ciclo hediondo de violência explícita e resgata os valores da ética e da cidadania – ou estaremos fadados a ocupar no amanhã, o exato espaço hoje destinado ao Haiti.

Antônio Carlos dos Santos - criador da metodologia de Planejamento Estratégico Quasar K+ e da tecnologia de produção de Teatro Popular de Bonecos Mané Beiçudo. acs@ueg.br

sábado, 12 de abril de 2008

Fábulas de Antônio Carlos

A raposa e o estancieiro

A raposa, sendo surpreendida pelo dono da estância, não se fez de rogada:
- Foi o coelho quem comeu as galinhas, os pobres dos pintinhos e os suculentos patos também.

- Mas coelhos não são herbívoros? – replicou indignado o homem.

Procurando manter a pose e a empáfia, a raposa não se deixou intimidar:
- Não acompanhas a evolução do conhecimento, estúpido? Nada sabes sobre as revolucionárias inovações da genética, das pesquisas com células tronco, da nanobiologia? – E, impávida, arrematou toda impoluta e senhora de seus botões: - Com a modernidade, os coelhos tornaram-se vorazes carnívoros e nós, as raposas, redimidas de todo o mal, transformamo-nos em inofensivas devoradoras de relva e gramíneas, intelectuais orgânicas, cidadãs dos processos de inclusão e transformação social e baluartes do politicamente correto.

Respirando fundo para manter o controle, o estancieiro deu trelas ao animal, como que desejando investigar até onde chegaria a perversidade e a delinqüência do outro:
- Se é de relva que se alimenta, então qual a razão de tanto sangue e penugem nesses pontiagudos caninos?

Arfando ar autoritário e professoral, a raposa esquadrinhava o universo tentando localizar, no pantanal, um naco de chão onde pudesse firmar as pernas bambas:
- Como é insuportável lidar com a ignorância e a estultice. – E prosseguiu, intrépida e afoita: - Com o novo ordenamento dos filamentos helicoidais do DNA, a verde clorofila tornou-se púrpura intensa e a apetitosa gramínea adquiriu o formato de penas, plumas e penugens...

Não cabendo de revolta e repulsa, o homem riscou o facão no ar para ver a cabeça da raposa cair distante do restante do corpo. Náusea, fastio e asco lhe turvaram os sentimentos quando viu estampada na cabeça inerte da sanguinária e impiedosa assassina o olhar singelo, cândido e inocente só dado aos puros de coração.

Moral da história: jamais acuse o outro de fazer o que você faz. Ainda que tarde, haverá um dia em que a mentira sucumbirá frente ao inexorável e avassalador romper da verdade.

segunda-feira, 7 de abril de 2008

A menina invisível

Era uma vez uma menina invisível. O condomínio de luxo no setor nobre de Goiânia não via seus hematomas. A Escola Militar não enxergava o seu sofrimento. O Conselho Tutelar nada podia fazer para ajudá-la. Não tinha amigos nem família para protegê-la.

Seu nome era L. e engrossa a estatística das crianças brasileiras, que em rotina semelhante à escravidão, realizam os afazeres domésticos em troca de casa e comida. São crianças invisíveis, que no ambiente privado dos lares, fazem com que o trabalho infantil seja um fenômeno quase despercebido. A pobreza e o fator cultural são elementos que determinam que as próprias famílias das vítimas aceitem esta condição. Segundo o IBGE, em Goiás, são 70 mil crianças e adolescentes nesta mesma situação e a violência física e psicológica acontecem na maioria dos casos.

Mas a história de L. é muito mais grave. Durante dois anos, foi mantida em uma rede perversa e criminosa que envolvia sua patroa e a empregada da casa que a torturavam, diariamente, com requinte de extrema crueldade. O patrão e seu filho faziam de conta que não percebiam o cenário de horror. Estes, juntamente com a mãe biológica de L. , se omitiram todo o tempo. A menina continuava invisível.

Esta história chocou o Estado, o País, o mundo. Afinal, qual a justiça para um caso como este?

Portanto, para refletir sobre a infância de nossas crianças que está sendo roubada por criminosos travestidos de bem-feitores, é que estamos apresentando dois textos para sua análise.

O primeiro é um poema do professor e teatrólogo Antônio Carlos dos Santos, sobre as Calabresis infiltradas em nossos lares e corações.

O segundo é do escritor Francisco Perna Filho, mestre em Estudos Literários, sobre a dor e o silêncio dos inocentes que continuam sendo torturados.

Edmar José Carneiro
Diretor de Comunicação - UEG

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O mundo nao será das Calabresis ou Uma oração para canalhas

Saturno, que engolia os próprios filhos, como no quadro de Goya -1746-1826)


Meus queridos leitores, quem suportaria de forma impassível ou indiferente às barbáries perpetradas por Silvia Calabresi et alli? Por muito tempo manteve crianças num cárcere hediondo, mas agora começa a provar do próprio veneno. No poema abaixo escrevo que o sol sempre brilhará para todos, apesar das canalhas e patifes:


Quantas Calabresis não se encontram escondidas, disfarçadas, infiltradas, dissimuladas, em nossos lares e corações?
Vês, na obra de Goya, Saturno devorando o próprio filho?
Simulas indignação, desprezo, repulsa?
Como não tivesses incrustadas nos recônditos de tu’alma as palavras de Machado:
“O cinismo é a sinceridade dos patifes”.
Extorques e acusas o outro... Cretina!
Roubas e o ladrão é o outro... Mesquinha!
Corrompes e quem é canalha senão o outro? Torpe e soturna!
Liquidas, exterminas, assassinas e eis que sentencias o outro.
Urdes, engendras e conspiras contra a pátria e o outro é o traidor.
Em que te diferes de Saturno?
Não és tu a insana canibal a acusar o outro de sê-lo?
Quantos filhos devoraste impiedosamente enquanto acusavas o outro
do infanticídio, do aborto?
Em que te diferes de Saturno, mulher?
Não és tu que corrompes de maneira vil e torpe a verdade e cultuas satanicamente
a mentira, ao tempo em que propagas ao mundo que corrupto e mentiroso é o outro?
Não cultuaste tão diligentemente a Cannabis sativa – a que apelidaras “doce marijuana” – para agora avançares sobre o outro acusando-o de viciado, peçonhento, maconheiro?
Devoras o fruto de teu ventre e acusas Saturno?
Promoves a intriga e apontas o dedo para o primeiro que vislumbras?
Ensinas a covardia e abusas da mais tenra e amada criança ¬–
e quem assediou acabou de fugir?
Humilhas, avanças, provocas, agrides, espancas, torturas, aprisionas indefesos –
e quem bate e violenta é a tropa de choque?
Te tornaste carne, sexo e prostituta de incubo de Saturno –
e ensandecidamente acusas o outro de estupro?
Tua fantasia doce, angelical, cândida e inofensiva – tecida para embair o mundo –
desmoronou... e vestes ‘coitadinha’, calças ‘sofridinha’, maquilas ‘vitimismo’.
Já não podes posar de cavaleira impoluta.
Praticas aos olhos do mundo o adultério –
e, doidivanas, acusas todos os homens de cometê-lo?
Jamais relutaste em atirar a primeira, a segunda e a terceira pedra.
Jamais renunciaste às tuas prioridades absolutas:
Tu sempre em primeiro lugar
Tu sempre em segundo lugar
Tu sempre em terceiro lugar
És Judas, o Iscariotes, e te queres Santa Joana d’Arc.
És Joaquim Silvério dos Reis, o coronel venal, e te queres Tiradentes.
És Calabar e te queres Maria Quitéria.
“Acuse-os sempre de fazer o que você faz” é teu lema, teu jargão, teu valor mais
nobre e soberano.
Não, mulher, tu não consegues mais surpreender qualquer homem de bem.
Como não recordar Nietzsche: “Todo homem vai se tornando aquilo que é”?
E Terêncio: “Sou homem. Nada do que é humano me é estranho”?
Não declares que no mundo só existem traficantes, suicidas e latrocidas
por teres reduzido teu universo a uma sórdida, nefasta e insalubre masmorra.
Não declares o fim da bondade, da humildade e do altruísmo
porque integras a súcia, a récua, a farândola, a caterva das máfias e quadrilhas dos malfeitores lobos do homem...
Lobos ferozes e insanos em pele de cordeiro.
Queres conduzir todas as batalhas – quem hoje não sabe? – para a lama fétida
onde fermenta o pior do excremento humano.
Saibas, urge que compreendas: o mundo pulsa, a vida lateja – vigorosa, voluptuosa,
graciosa – de homens e mulheres dignos, éticos, honestos.
Fervilha, em cada casa, em cada rua, em cada esquina,
uma multidão de anjos guerreiros, nobres paladinos da justiça.
Milhões e milhões de sábios valentes que diuturnamente pelejam
para resgatar o mundo de patifes, canalhas e cafajestes como tu,
que desdenham e odeiam a verdade,
que veneram e cultuam a mentira,
que idolatram e tecem loas à traição e à ignomínia.
O mundo, mulher, não duvides, foi, é, e será sempre dos bons, dos justos, dos simples!
Como não orar para que canalhas e patifes percebam que o sol não morreu
tão-somente porque o horizonte encontra-se crispado de nuvens densas
e sombriamente carregadas?
Não, mulher, para glória de Deus e dos homens,
Tu não mataste o sol.
O mundo não será das Calabresis!
O universo regozija-se, pois que dá de ombros ao jogo nauseabundo
das Calabresis!

Antônio Carlos dos Santos - criador da metodologia de Planejamento Estratégico Quasar K+ e da tecnologia de produção de Teatro Popular de Bonecos Mané Beiçudo. acs@ueg.br

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A dor da gente é dor de menino acanhado
Menino-bezerro pisado no curral do mundo a penar
Que salta aos olhos igual a um gemido calado
A sombra do mal-assombrado é a dor de nem poder chorar
Moinho de homens que nem girimuns amassados
Mansos meninos domados, massa de medos iguais
Amassando a massa a mão que amassa a comida
Esculpe, modela e castiga a massa dos homens normais
(Raimundo Sodré)

O Silêncio dos Inocentes

Por Francisco Perna Filho


Uma das coisas mais abjetas praticadas pelo ser humano é a tortura, seja ela física ou psicológica. Ato desumano, covarde, perverso e indigno. Atenta contra o que há de mais caro ao ser humano, sua liberdade.

Pelo menos é praxe na história universal que a torturas atendam a fins vários, mas, primordialmente, o que se sobressai é a de retirar do torturado confissões sobre algo que ele sabe ou que supostamente poderia saber sobre pequenos delitos ou sobre crimes mais graves.

Os métodos são vários, utilizados desde muito pela humanidade, como o fez a igreja Católica naquilo a que chamou de santa inquisição - na Idade Média - quando utilizou toda forma de aparelhos de tortura, como alicates, tesouras, garras metálicas para destroçar seios e mutilar órgãos genitais, barras de ferro aquecidas e chicotes. Os métodos eram vários, o que importava era a eficácia para obter informações sobre bruxaria, satanismo e outras loucuras inimagináveis. Tudo em nome de um deus que não era o nosso.

Há notícias de que o padre dominicano Bernardo Guy (Bernardus Guidonis, 1261-1331) escreveu o livro Liber Sententiarum Inquisitionis (Livro das Sentenças da Inquisição) no qual descreve vários métodos utilizados para obter confissões dos acusados, tanto físicos como psicológicos, dentre os quais o de obrigar a vítima a ingerir urina e excrementos.

Se na Idade Média as práticas beiravam ao rudimentar, na modernidade ganharam sofisticação, como as câmaras de gás ou os campos de concentração, criados pela bestial figura de Adolf Hitler. Nas ditaduras espalhadas pelo mundo, milhares de pessoas sucumbiram nas mãos carniceiras de hediondas figuras. No nosso País não foi diferente, milhares de estudantes, pais e mães de família foram maltratados, torturados e mortos em nome de um regime de exceção.

Dos métodos utilizados pelos torturadores brasileiros, alguns chocaram e ainda chocam a todos, como seguem: Choque elétrico, Pau-de-arara, Cadeira de dragão, Afogamento, Telefone, Palmatória, Espancamento, Esbofeteamento, Empalamento, Queimadura com cigarros, Geladeira, Mordida de cachorro, Coroa de Cristo, Violação sexual, Arrancamento de dentes, Injeções de éter subcutâneas, Arrancamento de unhas, Soro da “verdade” (Pentotal), Fuzilamento simulado, Ameaça de morte (à própria pessoa, filhos, companheiros etc), Assistir à tortura de companheiros, Aplicar torturas em companheiros, Desorganização temporo-espacial.*

Como se vê, a bestialidade humana se supera a cada tempo, às vezes nos pega de surpresa, nos deixando estarrecidos, como foi o caso da menina L. de 12 anos, torturada aqui em Goiânia pela “empresária” Sílvia Calabresi, 42, que, sem sombras de dúvidas, conhecia muito bem os métodos medievais de tortura descritos acima. O que choca, além do ato covarde da tortura, é a frágil figura torturada, sozinha, indefesa, obrigada a toda forma de humilhação e dor.

O que choca é saber dos gritos silenciosos desta criança, das dores da alma que persistirão por toda vida. O que choca é a indiferença de tantas pessoas à dor desse ser tão fragilizado. Oh, Deus! Pelo menos o que se tem lido sobre tortura é que os torturadores buscam, a qualquer preço, a confissão de suas vítimas, confissão de algum delito, de alguma trama. E dessa pobre criancinha, que confissão ela buscava obter?

Fora brutalmente maltratada, alijada do que se tem de mais caro, o direito à infância e à liberdade. Não estudava, passava dias sem comer, trabalhava até 1h40 da madrugada, retomando o trabalho doméstico às 5h. Viveu todo tipo de humilhação, inclusive métodos medievais, como ingerir fezes e urina de cachorro. Era constantemente amarrada, queimada com ferro elétrico, tinha as unhas mutiladas, a língua mutilada, era amordaçada, sendo obrigada a ficar por horas com um pano, dentro da boca, embebido por pimenta, a mesma que lhe era aplicada nos olhos.

Como deve ter sofrido esta menininha, meu Deus. Como deve ter clamado por socorro, silenciosamente. Uma coisa me chamou atenção, o paradoxo do ato: ao mesmo tempo em que torturava, que buscava não sei que tipo de confissão, tapava a boca da menina, não permitindo que ela falasse. Arrancava-lhe pedaços da língua. Por pouco não tivemos mais um serial killer, pela forma como vinha agindo, consciente dos seus atos, já havia torturado outras crianças, agora era só intensificar as sessões de tortura, até não se contentar mais com a dor física, buscando a morte.

Transtorno? Transtornados ficamos nós, ao assistirmos boquiabertos ao sadismo dessa besta, dessa psicopata, que, ajudada pela empregada doméstica, Vanice Maria Novaes, 23, cometera tamanha brutalidade. O que impressiona é que a empregada doméstica em vez de defender a criança das atrocidades da patroa, age contrariamente, e também passa a torturar a sua igual, o que nos remete a Machado de Assis, em Memórias Póstumas de Brás Cubas, no Capítulo LXVIII / O Vergalho , quando um ex-escravo, Prudêncio, açoita outro em praça pública e, questionado pelo antigo patrão sobre o porquê daquele ato, recebe com resposta: “É um vadio e um bêbado”, a essa fala, segue a seguinte reflexão de Brás Cubas:

(...)Logo que meti mais dentro a faca do raciocínio achei-lhe um miolo gaiato, fino, e até profundo. Era um modo que o Prudêncio tinha de se desfazer das pancadas recebidas, transmitindo-as a outro. Eu, em criança, montava-o, punha-lhe um freio na boca e desancava-o sem compaixão; ele gemia e sofria. Agora, porém, que era livre, dispunha de si mesmo, dos braços, das pernas, podia trabalhar, folgar, dormir, desagrilhoado da antiga condição, agora é que ele se desbancava: comprou um escravo, e ia-lhe pagando, com alto juro, as quantias que de mim recebera. Vejam as subtilezas do maroto!(...)

Recorremos à ficção na tentativa de uma compreensão do real, mas não há compreensão quando os casos se multiplicam, como os maus tratos do aposentado Ovídio Martinelli, de 93 anos, que sofre do mal de Alzheimer, e foi espancado pelas suas “cuidadoras” Rosângela Pereira Coutinho, de 44 anos, e Patrícia Santos Alves, de 25. Cenas chocantes que nos deixam indignados, estarrecidos, sofridos, principalmente quando são cometidas contra seres tão frágeis e indefesos e, por se saber que os atos não são praticados por estranhos, mas por pessoas tão próximas, que ainda ousamos chamar de próximos e sempre oferecemos a outra face.

O título deste texto foi tomado de empréstimo ao filme (Silence of The Lambs, The, 1991), dirigido por Jonathan Demme.

sexta-feira, 4 de abril de 2008

O mundo não será das Calabresis ou Uma oração para canalhas

Saturno, que engolia os próprios filhos, como no quadro de Goya -1746-1826)


Meus queridos leitores, quem suportaria de forma impassível ou indiferente às barbáries perpetradas por Silvia Calabresi et alli? Por muito tempo manteve crianças num cárcere hediondo, mas agora começa a provar do próprio veneno. No poema abaixo escrevo que o sol sempre brilhará para todos, apesar das canalhas e patifes:


Quantas Calabresis não se encontram escondidas, disfarçadas, infiltradas, dissimuladas, em nossos lares e corações?
Vês, na obra de Goya, Saturno devorando o próprio filho?
Simulas indignação, desprezo, repulsa?
Como não tivesses incrustadas nos recônditos de tu’alma as palavras de Machado:
“O cinismo é a sinceridade dos patifes”.
Extorques e acusas o outro... Cretina!
Roubas e o ladrão é o outro... Mesquinha!
Corrompes e quem é canalha senão o outro? Torpe e soturna!
Liquidas, exterminas, assassinas e eis que sentencias o outro.
Urdes, engendras e conspiras contra a pátria e o outro é o traidor.
Em que te diferes de Saturno?
Não és tu a insana canibal a acusar o outro de sê-lo?
Quantos filhos devoraste impiedosamente enquanto acusavas o outro
do infanticídio, do aborto?
Em que te diferes de Saturno, mulher?
Não és tu que corrompes de maneira vil e torpe a verdade e cultuas satanicamente
a mentira, ao tempo em que propagas ao mundo que corrupto e mentiroso é o outro?
Não cultuaste tão diligentemente a Cannabis sativa – a que apelidaras “doce marijuana” – para agora avançares sobre o outro acusando-o de viciado, peçonhento, maconheiro?
Devoras o fruto de teu ventre e acusas Saturno?
Promoves a intriga e apontas o dedo para o primeiro que vislumbras?
Ensinas a covardia e abusas da mais tenra e amada criança ¬–
e quem assediou acabou de fugir?
Humilhas, avanças, provocas, agrides, espancas, torturas, aprisionas indefesos –
e quem bate e violenta é a tropa de choque?
Te tornaste carne, sexo e prostituta de incubo de Saturno –
e ensandecidamente acusas o outro de estupro?
Tua fantasia doce, angelical, cândida e inofensiva – tecida para embair o mundo –
desmoronou... e vestes ‘coitadinha’, calças ‘sofridinha’, maquilas ‘vitimismo’.
Já não podes posar de cavaleira impoluta.
Praticas aos olhos do mundo o adultério –
e, doidivanas, acusas todos os homens de cometê-lo?
Jamais relutaste em atirar a primeira, a segunda e a terceira pedra.
Jamais renunciaste às tuas prioridades absolutas:
Tu sempre em primeiro lugar
Tu sempre em segundo lugar
Tu sempre em terceiro lugar
És Judas, o Iscariotes, e te queres Santa Joana d’Arc.
És Joaquim Silvério dos Reis, o coronel venal, e te queres Tiradentes.
És Calabar e te queres Maria Quitéria.
“Acuse-os sempre de fazer o que você faz” é teu lema, teu jargão, teu valor mais
nobre e soberano.
Não, mulher, tu não consegues mais surpreender qualquer homem de bem.
Como não recordar Nietzsche: “Todo homem vai se tornando aquilo que é”?
E Terêncio: “Sou homem. Nada do que é humano me é estranho”?
Não declares que no mundo só existem traficantes, suicidas e latrocidas
por teres reduzido teu universo a uma sórdida, nefasta e insalubre masmorra.
Não declares o fim da bondade, da humildade e do altruísmo
porque integras a súcia, a récua, a farândola, a caterva das máfias e quadrilhas dos malfeitores lobos do homem...
Lobos ferozes e insanos em pele de cordeiro.
Queres conduzir todas as batalhas – quem hoje não sabe? – para a lama fétida
onde fermenta o pior do excremento humano.
Saibas, urge que compreendas: o mundo pulsa, a vida lateja – vigorosa, voluptuosa,
graciosa – de homens e mulheres dignos, éticos, honestos.
Fervilha, em cada casa, em cada rua, em cada esquina,
uma multidão de anjos guerreiros, nobres paladinos da justiça.
Milhões e milhões de sábios valentes que diuturnamente pelejam
para resgatar o mundo de patifes, canalhas e cafajestes como tu,
que desdenham e odeiam a verdade,
que veneram e cultuam a mentira,
que idolatram e tecem loas à traição e à ignomínia.
O mundo, mulher, não duvides, foi, é, e será sempre dos bons, dos justos, dos simples!
Como não orar para que canalhas e patifes percebam que o sol não morreu
tão-somente porque o horizonte encontra-se crispado de nuvens densas
e sombriamente carregadas?
Não, mulher, para glória de Deus e dos homens,
Tu não mataste o sol.
O mundo não será das Calabresis!
O universo regozija-se, pois que dá de ombros ao jogo nauseabundo
das Calabresis!

Antônio Carlos dos Santos - criador da metodologia de Planejamento Estratégico Quasar K+ e da tecnologia de produção de Teatro Popular de Bonecos Mané Beiçudo. acs@ueg.br

quarta-feira, 2 de abril de 2008

“U danado du trem vai ficá bão dimais, sô!”

Pouco tempo atrás a discussão que galvanizava a opinião pública era a fome iminente, o caos e a insegurança alimentar que arrastaria o planeta para guerras de extermínio, para conflitos catastróficos.

Em decorrência da tragédia anunciada imediatamente foi criada uma poderosa indústria que gerou concorrência na produção acadêmica e intelectual, alavancou estrondosos lucros na prestação de serviços – sobretudo de consultoria - na esfera editorial, nos empréstimos intergovernamentais e no âmbito das agências de fomento ao desenvolvimento.

O tempo passou e, um ajustinho aqui, outro acolá (noves fora, nada!) e o prenúncio da catástrofe mostrou-se, no dizer da gente simples, efêmero ‘risco n’água’. O aporte de tecnologia concentrada levou à multiplicação da produção, em que pese a área plantada ter se mantido praticamente inalterada. E ao contrário dos prognósticos alarmistas, a produção aumentou, barateando o preço dos alimentos nas gôndolas dos supermercados e nos balcões dos armazéns e empórios da periferia.

Os que pregaram o final dos tempos quietaram-se por algum tempo, mas só o estritamente necessário para que a memória curta do povo os resgatasse da obscuridade.

E como o processo é cíclico, assombração é o que não falta nos dias de hoje. Alguns acalentam o canto da carochinha da Amazônia. Em um ato ela é objeto de cobiça do tio Sam (ah, sempre o tio Sam!) que, inclusive, já a teria extirpado do mapa brasileiro. Em outro ato estaria reduzida a um deserto similar ao Saara africano, em exatos quarenta anos, contados minutos, segundos e milésimos de segundos. Mas existem também, em profusão, os que entoam cantigas alarmistas quanto à completa extinção da água potável no planeta, e outros, ainda, que concentram baterias e protestos denunciando o aquecimento solar que ‘levará ao derretimento das calotas polares, à inundação das terras litorâneas, ciclones, maremotos, tornados’ e o escambau a quatro.

É meu estimado leitor, apregoadores de desgraças e profetas do apocalipse jamais faltaram na longa trajetória que a humanidade teve que purgar para romper o século XXI. E como fazem sucesso, com que facilidade amealham seguidores, fiéis servis e obstinados...

Na ordem do dia a produção do álcool, o combustível limpo, em substituição aos derivados do petróleo, o combustível sujo. A nova tecnologia parece ser a panacéia do momento. Magnatas nacionais associam-se a investidores estrangeiros para a ampliação da produção, para a construção de novas usinas; o presidente corre o mundo oferecendo a tecnologia redentora; todos se rejubilam e o paraíso parece ficar consideravelmente mais próximo.

A discussão sobre a ampliação da área reservada ao cultivo da cana começa a mobilizar os formadores de opinião. Não há no mundo país que produza álcool mais barato que o Brasil. Somos – como no caso da seleção masculina de Vôlei – invencíveis neste quesito, imbatíveis, arrasadores. Para responder à demanda pelo combustível ecologicamente correto(?!), atender aos mercados interno e externo deveremos utilizar áreas gigantescas, continentais, e sempre as melhores, as mais férteis, as mais planas, as que mais abundam água, as melhores servidas por logística, infra-estrutura de produção e escoamento.

E como sempre ocorre nas monoculturas, a produção de alimentos acaba sendo relegada a segundo plano, e quem vai morrer na conta é (como sempre!) o tal do Zé povinho.

Algumas eminências pardas já adiantam que o país tem área de sobra e que a produção de alimentos não será comprometida. Sei... Recomendo a esses “iluminados estudiosos” revisitar na história brasileira as conseqüências das monoculturas e do sistema de plantation. Estudassem um pouco mais e saberiam a que me refiro.

Gilberto Freyre em Casa-Grande & Senzala faz referência às Atas da Câmara de São Paulo (1562-1601), onde se verifica clara interferência do governo no sentido de regularizar a lavoura de mantimentos sacrificada pela do açúcar. Pela importância e oportunidade transcrevo o trecho logo abaixo:

“(...) encontrou Taunay (Afonso) uma requisição do governador-geral do Brasil de oitocentos alqueires de farinha destinados a Pernambuco; capitania que, por ser a mais açucareira, seria também a mais exposta à carestia ou escassez de mantimentos locais. A requisição era, porém, superior à capacidade dos paulistas: fornecida toda aquela farinha a Pernambuco, eles é que ficariam na penúria. Decidiu a Câmara apregoar para conhecimento de todos os moradores da vila e termo, uma postura em que ficavam intimados a fazer farinha, em obediência a uma provisão do capitão-mor e do ouvidor da capitania de São Vicente. Tudo sob a ameaça de cinqüenta cruzados de multa e dois anos de degredo para as paragens inóspitas do Estreito de Magalhães (...)”.

Bem... para o bom entendedor, duas palavras bastam.

De qualquer forma, quem está se maravilhando com todo este movimento é um andarilho que vive nas cercanias da unidade Laranjeiras da UEG, em Goiânia. “O Brasil agora vai ser campeão também em cana” - costuma dizer o pobre coitado, completamente embriagado. E conclui, irradiando felicidade: “U danado du trem vai ficá bão dimais, sô!”.

Antônio Carlos dos Santos – criador da metodologia de Planejamento Estratégico Quasar K+ e da tecnologia de produção de Teatro Popular de Bonecos Mané Beiçudo. acs@ueg.br