TECNOLOGIA Empresas
boicotam o Facebook e o Google por conivência com o discurso de ódio e
preconceito
O negócio bilionário do preconceito e das fake news
sofre no momento um golpe histórico, desferido por empresas estrangeiras e
brasileiras que decidiram retirar publicidade tanto de gigantes como Facebook e
Instagram quanto de pequenos veículos eletrônicos extremistas estadunidenses e
brasileiros, para impedir a vinculação das suas marcas, produtos e serviços às
mensagens de ódio e de discriminação. As companhias temem que o aumento da
rejeição a esses discursos por parte da população provoque a deterioração da
sua imagem seguida de queda das vendas.
O boicote corporativo ao Facebook começou quando seu presidente-executivo, Mark
Zuckerberg, se negou a retirar da rede uma mensagem veiculada no fim de maio
pelo presidente Donald Trump para humilhar manifestantes indignados com o
assassinato de George Floyd, um cidadão negro de 46 anos, por um policial dos
Estados Unidos. “Quando os saques começam, o tiroteio começa”, disparou Trump,
que, com essa provocação, uniu a Liga Antidifamação e seis organizações de
direitos civis, inclusive o Black Lives Matter, no movimento
#StopHateForProfit, de combate ao discurso de ódio. A iniciativa pede aos
anunciantes para suspenderem seus gastos com publicidade durante julho no
Facebook em protesto pela insuficiência das ações da rede social contra os
conteúdos de incitamento a conflitos e fake news. Mais de mil companhias,
inclusive gigantes globais como Verizon, Ford, Coca-Cola, Pfizer, Honda,
Microsoft e Starbucks, aderiram ao boicote. “A proximidade de seus canais de
publicidade com conteúdo odioso é aleatória e seus relatórios de transparência
de auditoria de ‘direitos civis’ não são úteis para a comunidade”, protestaram
as corporações em carta aberta. Ao menos dez multinacionais estenderam a
suspensão de anúncios ao Facebook Brasil. Os ativistas querem que a rede social
instale um mecanismo automatizado para identificar conteúdo de ódio em grupos
privados e remova grupos públicos e privados dedicados a temas como supremacia
branca, antissemitismo e antivacina.
O boicote reforça a campanha lançada há quatro anos nos EUA e iniciada no
Brasil em maio, denominada Sleeping Giants, que atua por meio do Twitter e visa
minar a sustentação econômica de sites e canais ligados ao ódio e ao
preconceito beneficiados por pacotes de anúncios em plataformas como Google e
Facebook. O Sleeping Giants Brasil (SGB) define-se como “uma luta coletiva de
cidadãos contra o financiamento do discurso de ódio e fake news” e esclarece
que, devido ao sistema de anúncios em larga escala promovido pelo Google, por
exemplo, “a maioria das empresas não sabe que está financiando mídia de
extrema-direita ou propagação de fake news e buscamos conscientizá-las”.
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O perfil no Brasil obteve 20 mil seguidores nos primeiros dias, hoje passa de
400 mil e é esse público que pressiona as companhias a retirarem seus anúncios.
A primeira ação do SGB foi alertar empresas que suas marcas apareciam no site
Jornal da Cidade Online, divulgador de notícias falsas favoráveis à campanha de
Bolsonaro em 2018 e um dos alvos da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito
criada no Congresso para investigar o assunto. Cerca de 150 companhias,
incluindo Carrefour, Latam, Samsung, Santander, Dell, Submarino, Telecine,
Claro, O Boticário, Drogaria São Paulo e Banco do Brasil, retiraram seus
anúncios do veículo, que tem 2 milhões de inscritos.
A adesão do Banco do Brasil ao boicote publicitário gerou protesto de Carlos
Bolsonaro, que saiu em defesa do site. O BB voltou atrás para atender o filho
do presidente, mas o TCU obrigou-o a manter a suspensão de anúncios
no Jornal da Cidade Online.
Outro alvo da ação do SGB é o Brasil Sem Medo (BSM), criado por Olavo de
Carvalho, com mais de 3 milhões de acessos e que usa “notícias falsas,
discursos odiosos e teorias conspiratórias” em suas notícias sobre a pandemia.
O Sleeping Giants Brasil concentra esforços no momento para convencer as
empresas Hotmart, PayPal Br e PagSeguro a “pararem de prestar serviços ao Olavo
de Carvalho”. Em 23 e 24 de junho, 13 empresas, entre elas Claro, Copasa,
Aurora, Hypera Pharma, Vaio e Senac, retiraram seus anúncios do BSM.
Algumas firmas informam ao Sleeping Giants Brasil a remoção dos seus anúncios,
outras manifestam gratidão por terem sido avisadas. “Assim que recebemos essa
informação, solicitamos a retirada dos anúncios automáticos. Repudiamos
qualquer disseminação de notícias falsas”, declarou a Dell. “Obrigado por nos
informar. Já pausamos a campanha, que funciona de maneira automática, e vamos
analisar todos os portais que estão veiculando o anúncio. Somos totalmente
contra a disseminação de fake news e precisamos, juntos, combatê-la”, escreveu
o Telecine. “Oi, pessoal! Já bloqueei este site em questão. Estou tomando providências
para que também saia de outros semelhantes. Caso vejam mais outro caso, podem
me mandar, tá? Obrigado por avisarem!”, reagiu o Submarino.
Segundo o Wall Street Journal, apenas 5% do faturamento do Facebook depende dos
gigantes empresariais. A situação dos pequenos veículos extremistas é menos
confortável. O site Arbeit News, de Steve Bannon, conselheiro político de Trump
e Bolsonaro, perdeu 90% do faturamento nos três meses seguintes à denúncia do
Sleeping Giants. No primeiro mês de atuação no País, o SGB diz ter provocado a
suspensão de anúncios equivalentes a 447 mil reais de sites extremistas. O
apoio entusiasmado de influenciadores digitais como Felipe Neto e Luciano Huck
tende a impulsionar ainda mais a campanha de boicote.
A necessidade de as sociedades controlarem gigantes como Google e Facebook
transcende o combate às notícias falsas e ao preconceito e tem a ver com a
própria sobrevivência econômica dos Estados Nacionais, vitais para o
enfrentamento de pandemias e recessões e a própria vida civilizada. Entre 2010
e 2017, em vez de recolher 35% de impostos ao governo dos EUA, o Facebook pagou
apenas 10,2% e o Google, 15,8%, por terem aberto filiais em países com impostos
menores que os estadunidenses.
Por Carlos
Drummond, na Revista Carta Capital
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