segunda-feira, 30 de junho de 2014

As seis regras do George Orwell sobre como escrever bem

Alexandre Versignassi, na Revista super Interessante
orwell
O George Orwell, aqui em cima, fez um mini-guia de redação. São só seis regras – e tão boas que abrem o Manual de Estilo da Economist, a revista mais bem-escrita do mundo. A elas:
1. Em circunstância alguma utilize um vocábulo extenso onde um reduzido soluciona.
2. Se, por algum acaso, for possível cortar, eliminar, extirpar uma palavra, não se dê de rogado: elimine-a de uma vez por todas.
3. A voz passiva não deve ser utilizada quando a voz ativa puder ser escrita.
4. Nunca use figuras de linguagem que já viraram arroz de festa. Eles podem ser o calcanhar de aquiles do seu texto. Não faça isso, nem pela bagatela de um milhão de reais. Correm boatos de que, só evitando expressões assim, você garantirá textos de qualidade, se tornará uma figurinha carimbada da escrita e será regiamente recompesado por seus leitores, como nunca antes na história deste país.
5. Não empregue um calão tecnicista quando tiver o arbítrio de elocubrar uma elocução de uso anfêmero. E, finalmente:
6. Quebre qualquer uma dessas regras antes de escrever bosta.
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Nossa, como eu sou engraçado. Agora em português:
1. Não use uma palavra longa se uma curta resolve.
2. Se der para tirar alguma palavra, tira.
3. Não use a voz passiva quando der pra usar a ativa.
4. Nunca use figuras de linguagem que você esteja acostumado a ler por aí. Elas viraram lugar-comum. Perderam a graça.
5. Não use um jargão quando você puder imaginar uma palavra do dia-a-dia. E finalmente:
6. Quebre qualquer uma dessas regras antes de escrever algo que soe tosco.
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E agora no original, porque quem escreve bem é ele, não eu:
1. Never use a long word where a short one will do.
2. If it is possible to cut a word out, always cut it out.
3. Never use the passive when you can use the active.
4. Never use a metaphor, simile or other figure of speech which you are used to seeing in print.
5. Never use a foreign phrase, a scientific word, or a jargon word if you can think of an everyday English equivalent; and finally.
6. Break any of these rules sooner than say something outright barbarous.
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É isso.

segunda-feira, 16 de junho de 2014

AS LIÇÕES DE JETRO!

Jetro, sacerdote de Mídia, teria se aborrecido ao aguardar durante o dia inteiro, em uma fila, a oportunidade para falar com o genro, Moisés.

Quando, após a longa espera, viu Moisés à sua frente, questionou, sem meias palavras:

-Que é isto que fazes ao povo? Por que te assentas só, e todo o povo está em pé diante de ti, desde a manhã até o pôr-do-sol?

Ao obter a resposta, ficou mais impaciente ainda. Moisés tentou explicar a longa fila argumentando que a ele acorria todo o povo em busca de solução para seus problemas. Jetro então orientou que Moisés escolhesse, dentre seus homens mais capazes e que não comungassem da avareza, líderes do povo, que seriam designados chefes de 1.000, chefes de 100, chefes de 50 e chefes de 10. A esses chefes caberia a resolução dos problemas de mais simples solução, restando a Moisés somente os que passassem pela peneira da hierarquia dos líderes, os problemas de natureza mais complexa.

Ao atender ao conselho do sogro, Moisés estabeleceu um dos primeiros arranjos organizacionais que se tem referência na civilização.

A um só tempo descentralizou a gestão, hierarquizou o comando e o nível das decisões, delegou competências, incorporou os mais aptos no processo gerencial, conseguindo impregnar a administração do Êxodo de racionalidade, de eficácia.

No período que se estende de 4.000 a.C a 2.000 a.C, os egípcios perceberam as vantagens do planejamento e desenvolveram técnicas eficazes de organização e controle, estimulando a descentralização nas suas organizações.

Apesar do aprendizado humano nessa área remontar a períodos tão distantes, como demonstram os exemplos descritos, no Brasil muito pouco avançamos nesses setores.

É raro o cidadão comum recorrer a uma instituição qualquer, pública ou privada, sem que seja submetido a uma via sofrida e tortuosa de filas e esperas, mais filas e mais esperas. E quando de desvencilha de um setor, lá vai ele enfrentar fila em novo departamento.

Nas repartições públicas, as filas se multiplicam como erva daninha. Rompem em todos os departamentos e setores, desdenhando e fazendo pouco caso dos contribuintes, dos cidadãos.

Num mundo globalizado em que as relações econômicas e financeiras se processam em tempo real, todos nos tornamos escravos do sistema bancário. A agência bancária é, sem dúvida, o lugar onde amargamos as mais longas e estressantes filas, o lugar onde percebemos nossas vidas se perder como areia escapando dentre os dedos. Ao contrário de diminuir, à medida que passam os anos, as filas se tornam mais longas e estressantes.

Em 1994, os 11 maiores bancos do país tiveram um lucro de R$ 1,3 bilhão. Passados nove anos, em 2003, esses mesmos bancos acumularam lucro da ordem de R$ 13,8 bilhões, um incremento de mais de 1.000%. Se uma parte desses lucros - irrisória que fosse - tivesse sido aplicada na erradicação das filas e na qualificação do atendimento ao cliente, o problema estaria solucionado ou ao menos reduzido a um tamanho administrável.

Mas também na educação, a modernização administrativa se restringe ao acervo documental e às cartas de intenções. As filas se multiplicam por todos os lados. Há filas para solicitar informações, filas para se inscrever aos processos seletivos, filas para pré-matricular, filas para confirmação de matrícula, filas para requerer documentos, declarações e certificados, filas para acessar a secretaria, filas para demandar a coordenação pedagógica, filas para interagir com a direção, filas até mesmo para utilizar os equipamentos culturais e esportivos e para fazer uso do banheiro.

E de tal forma as filas se tornaram parte de nosso cotidiano que passamos a acreditar que elas são naturais, inerentes, da estrutura e da essência do sistema.

Se as escolas e unidades de ensino se constituem (deveriam ao menos!) num centro de estudos, pesquisas e reflexões sobre a sociedade e suas organizações, seria razoável supor que pelo menos nelas, este tipo de distorção encontrasse algum tipo de reação. Não é o que ocorre.

Os educadores não podem perder de vista que, pelo fato de lidar com a pesquisa, a reflexão social e a investigação científica, cabe a eles um papel muito maior de racionalizar o fluxo de pessoas – sejam ou não clientes - e os processos de atendimento. Admitir filas em qualquer instituição já é uma distorção, uma mostra da incompetência generalizada da direção responsável. Já filas numa instituição de ensino é aberração injustificável e das mais inaceitáveis.

Quem sabe deveríamos retornar aos idos de Moisés e escutar com mais atenção às lições do velho sacerdote Jetro?!

Antônio Carlos dos Santos criou a metodologia Quasar K+ de Planejamento Estratégico e a tecnologia de produção de teatro popular de bonecos Mané Beiçudo.

domingo, 15 de junho de 2014

“Em Cuba, podemos fazer jornalismo que não seja de barricada”

A blogueira cubana fala sobre o seu novo jornal digital, que reúne uma equipe de 11 pessoas, além de colaboradores e colunistas

Yoani Sánchez, na quarta passada, em Madri. / Julian Rojas (EL PAÍS)

Javier Lafuente, do jornal El País

O número 14 persegue Yoani Sánchez há anos. A blogueira oposicionista mais conhecida de Cuba vive no 14 º andar de um prédio em Havana, cidade onde nasceu há 38 anos, num apartamento transformado numa espécie de redação do 14ymedio, a mídia digital que deveria ter nascido em 14 de maio mas que, por problemas técnicos, só veio ao mundo uma semana depois. Em todo caso foi em 2014. Por volta das 8h20 (9h20 em Brasília) o portal era lançado na Rede. Ao mesmo tempo, o Governo de Raúl Castro bloqueava o sonho de Sanchez na ilha, o produto tangível que tinha prometido a sua pequena equipe. "Não me veem mais como a louca do blog", lembra aos risos em uma entrevista em Madri, 14 dias após o nascimento do portal.

A paixão pelo jornalismo chegou a esta filóloga cubana por uma espécie de contágio. Fiel à sua formação, ela se escandalizava com a opção de se dedicar à informação. Foi a companhia do jornalista Reinaldo Escobar, seu parceiro há 21 anos, que a convenceu. Enquanto despontava o Generación Y, o blog que projetou Sanchez como uma das vozes mais importantes da oposição na ilha, ela alimentava a esperança de ter um meio jornalístico. Além disso, por 14 anos, ela ensinou espanhol para alemães. Seus alunos perguntavam constantemente sobre uma realidade que ela não via por estar muito à vista: "Por que a cidade está tão destruída? O que vai acontecer quando Fidel Castro morrer? Eram perguntas que se repetiam e me forçavam a refletir. Isso me ajudou a perceber que eu tinha sensibilidade para captar a realidade e explicá-la".

Foi em dezembro de 2010, depois de receber o prêmio Claus outorgado pela Coroa holandesa, que o verbalizou pela primeira vez. "Era algo que vinha me atormentando havia algum tempo. Vivemos em um país que precisa de informação, um país onde estamos desinformados, alheios ao que acontece no mundo e a nós mesmos", diz Sánchez antes de viajar para um encontro com internautas em Granada. Desde janeiro de 2013, quando o governo cubano aprovou – no dia 14, evidentemente – uma nova política migratória que permitia viagens ao exterior, Yoani Sanchez não parou. "Estou tentando recuperar o tempo perdido, os 10 anos em que não me deixaram viajar", conta com euforia, e confessa ter dormido pouco na noite anterior: "Fiquei até as quatro da manhã navegando na Internet. Para mim, viajar significa ser poder me conectar sem problemas e isso é um estímulo".

A estadia também serviu para continuar trabalhando no 14ymedio, jornal que reúne uma equipe de 11 pessoas, além de colaboradores em algumas províncias da ilha e contribuições de colunistas. Fora de Cuba, três pessoas ajudam com aspectos técnicos da web e milhares "com seus cliques no Facebook e nas redes sociais", admite Sanchez. A média de idade do staff, como ela gosta de se referir a sua redação, é de 28 anos – "tirando o Reinaldo", brinca, referindo-se ao marido de 67 anos. A equipe é composta por dois jornalistas, vários filólogos, um cabeleireiro, um engenheiro civil, uma especialista em TI, uma estomatologista que é excelente fotógrafa... São pessoas dispostas a formar uma equipe. Um dos critérios que definimos foi que não tivessem intenção de deixar o país nos próximos anos, que tivessem o compromisso de permanecer na ilha, algo muito difícil, porque a maioria dos cubanos está de olho no exterior", diz Sanchez. "Queríamos gente que fizesse perguntas, gente curiosa, que não tivesse medo ou não muito medo, o que é complicado", diz a blogueira, que em nenhum momento da conversa se refere a seus redatores pelo nome. Alguns assinam suas matérias com pseudônimo.
O site 14ymedio, de Yoani Sánchez. / EL PAÍS

O funcionamento do 14ymedio é "um pouco esquizofrênico", de acordo com sua diretora, colaboradora do EL PAÍS, ganhadora do prêmio Ortega y Gasset em 2008. Só isso pode explicar o dia a dia de uma mídia digital em uma ilha com pouco acesso à Internet, limitações que, em todo caso, ela não quer que sejam motivo de condescendência: "Não queremos que as pessoas entrem e pensem 'coitadinhos', não queremos que sintam pena de nós”. A experiência de sete anos com seu blog, Generación Y, foi fundamental: "Trabalhamos num suporte offline que nos permite ver como ficaria a página definitiva, e, quando temos material suficiente, vamos para locais públicos com acesso à Internet, ou hotéis, que são bastante caros, e tentamos atualizar o trabalho", diz ela, sem detalhar muito para não dar pistas de como conseguem driblar os obstáculos do Governo cubano.
 
Na ilha, nem a abertura é tão aberta nem a fechadura é tão fechada

A partir do momento em que viram a oportunidade de realizar seu sonho, o objetivo de toda a equipe ficou claro: "Acompanhar os cubanos a partir do ponto de vista da informação no processo que vão viver, quer se chame de transição, derrocada, queda ou mudança... A sociedade cubana precisa ser permeada de informação, debates, opiniões. Somos muito frágeis e podemos cair nas mãos do próximo autoritarismo se a imprensa não fizer um trabalho informativo forte. Em Cuba estão se perguntando quem será o nosso próximo líder. E eu, quem serão nossos futuros cidadãos. Para formar os cidadãos é preciso dar-lhes informação", reflete Sánchez em ritmo vertiginoso, com um discurso que irradia contentamento.

Nem mesmo o fato de o Governo Castro silenciar o 14ymedio desde o início conseguiu freá-los. Os cubanos são o público potencial a quem se dirigem suas informações. Aquelas às quais não têm acesso. Teoricamente. "Em Cuba, nem a abertura é tão aberta, nem a fechadura tão fechada", observa Sanchez com um sorriso, enquanto recoloca suas longas madeixas em um coque dando cinco voltas perfeitas no cabelo. Já em seu lugar, continua: "Não há nada mais atraente que o proibido. Nos anos 70, Pedro Luis Boitel, um prisioneiro político, morreu após uma greve de fome. Minha geração só veio a saber de sua morte quase duas décadas mais tarde. Apenas 24 horas após a morte de Orlando Zapata em 23 de fevereiro de 2010, toda Havana já estava sabendo. O governo não pode mais conter a informação, ela vaza cada vez mais rápido".
O Governo cubano já não pode colocar entraves à informação. Cada vez se filtra mais rápido
Apresentações de livros, reportagens sobre academias em Havana, dicas de cuidados com os cabelos, entrevistas, artigos de opinião... Um simples relance no 14ymedio dá conta da amálgama de conteúdos. "Em Cuba, há duas maneiras de se fazer jornalismo, a oficial, que é horrorosa, e outra de barricada, de denúncia, que criou uma estrutura rígida. Podemos fazer um jornalismo que não seja de barricada. O que acontece é que a realidade cubana é profundamente oposicionista, dá sinais de que o sistema tem de mudar, de que muitas coisas são absurdas".

Entre as primeiras matérias destaca uma entrevista com o vice-presidente dos EUA, Joe Biden, embora esta não vá ser a tônica habitual: "Queremos abrir uma linha de entrevistas e perfis de gente menos conhecida. Gente que constrói o meu país, qualquer país. É mais interessante contar porque essas pessoas conseguiram alguma coisa ou não conseguiram". Yoani Sanchez afirma não ter "grandes paradigmas" sobre futuras entrevistas, mas sim um desejo, mais um sonho: "Gostaria de ter acesso a uma entrevista coletiva com algum funcionário cubano, seja Raúl Castro, ou o ministro de Relações Exteriores ... seja quem for. Sei o que acabaria acontecendo, eu seria retirada da sala, talvez passasse a noite na cadeia, mas gostaria de fazer algumas perguntas. Por exemplo: onde está o futuro que me prometeram?".

quarta-feira, 11 de junho de 2014

Irresponsabilidade e criminaldade: não é só a rima que as unificam...


Lucros na África
Por José Casado, em O Globo

Numa tarde de quarta-feira de um ano atrás, 22 de maio, Dilma Rousseff pediu e o Senado concedeu, sem debate, perdão sobre 79% da dívida que o Congo-Brazzaville mantinha pendente com o Brasil há quatro décadas.
O débito somava US$ 353 milhões. O governo brasileiro renunciou a US$ 278 milhões. Aceitou receber US$ 68,8 milhões — em até 20 parcelas trimestrais até 2019 —, do país que é o quarto maior produtor de petróleo da África.
O perdão de Dilma foi o desfecho de uma operação iniciada em 2005 no Ministério da Fazenda, sob o comando de Antonio Palocci. O objetivo era abrir caminho para empreitadas privadas brasileiras no Congo-Brazzaville.
Cravado no coração africano, tem o tamanho de Goiás. É referência no mapa de produção de petróleo e se destaca na rota dos diamantes “de sangue” — sem origem —, moeda corrente no submundo de armas e do narcotráfico.

Seus quatro milhões de habitantes sobrevivem com renda per capita (US$ 2.700) semelhante à do Paraguai. O poder local está concentrado no clã de Denis Sassou Nguesso, de 71 anos, que se tornou um dos mais longevos cleptocratas africanos.
Ex-pobres, os Nguesso detêm bilionário patrimônio no qual constam 66 imóveis de luxo na França, em áreas nobres do eixo Paris-Provence-Riviera — segundo documentos de tribunais de Londres e Paris.

O herdeiro político, Denis Christel Nguesso, dirige os negócios do petróleo e tem peculiar apreço pela ostentação: extratos de seus cartões de crédito, anexados a processos por corrupção na França e no Reino Unido, sugerem uma rotina de extravagâncias na compra de roupas no circuito Paris-Mônaco-Marbella-Dubai.

Para a Justiça britânica é óbvio que ele é financiado “pelos lucros secretos obtidos em negociações da estatal de petróleo”, como afirmou o juiz Stanley Burnton em sentença.

Os Nguesso têm intensificado seus laços com o Brasil. Com o perdão da dívida caloteada nos anos 70, o clã congolês já entregou US$ 1 bilhão em contratos ao grupo Asperbrás, controlado pelos empresários José Roberto e Francisco Carlos Jorge Colnaghi, de Penápolis (SP), cuja receita com a venda de tubos e conexões no mercado brasileiro foi de US$ 15 milhões no ano passado.

Do total contratado, US$ 400 milhões foram para perfuração de quatro mil poços artesianos. O preço médio (US$ 100 mil por furo) ficou dez vezes acima do que é pago pelos países vizinhos.
Outros US$ 200 milhões foram destinados a um mapeamento geológico por fotografia, nove vezes mais caro do que o similar executado em Camarões com crédito do Banco Mundial. E houve mais US$ 500 milhões para a construção de alguns galpões industriais em área próxima da capital.A oposição e organizações civis internacionais com atividade no país estão convencidas de que os Nguesso agregaram a Asperbrás aos seus interesses patrimoniais. Os Colnaghi têm crescido em negócios centro-africanos, às vezes apoiados pelo empresário Maxime Gandzion, predileto dos Nguesso para contratos de petróleo.

No Brasil mantêm relações fluidas com Palocci, um dos mais discretos caciques do PT, ex-ministro e chefe da campanha eleitoral de Lula em 2002 e de Dilma em 2010. Costumam emprestar-lhe aviões da frota familiar, especialmente um modelo Citation (prefixo PT-XAC).

segunda-feira, 9 de junho de 2014

Luta de titãs pelo futuro do livro

A disputa entre Hachette e Amazon reabre o debate sobre os monopólios na distribuição cultural
Do El País

 Uma funcionária trabalha no centro de distribuição da Amazon em Phoenix. / Ralph Freso (REUTERS)

Ela já usou essa estratégia em 2010, quando a Macmillan tentou mudar as regras do jogo. E tudo indica que a Amazon decidiu voltar a lançar mão da chamada “opção nuclear”. Diante da negativa da menor das Cinco Grandes Editoras dos EUA (Hachette Group Book, filial do grupo francês Hachette) em aceitar que a Amazon aumente a margem de lucro às suas custas, o gigante do comércio online decidiu suprimir o botão de “encomendar por antecipação com um só clic”. E não apenas isso: impôs prazos de entrega de “três a cinco semanas” na venda de seus livros eletrônicos.

A tradução econômica para a Hachette (ou qualquer grande editora) do comportamento abusivo da Amazon — considerado pela atual juíza do Tribunal Supremo dos EUA Sonia Sotomayor como um monopsônio, que, ao contrário do monopólio, se centra no que o vendedor compra e não naquilo que vende — é catastrófica e obriga a editora da vez a planificar às cegas. Quando a Amazon oferece aos futuros compradores em sua página a opção de encomendar por antecipação, a Hachette pode ajustar sua tiragem à demanda prevista. Agora está sem bússola.

A disputa entre Amazon e Hachette é ainda mais dura e as negociações econômicas — das quais praticamente nada foi divulgado, exceto que a Amazon pegou pesado — se fazem mais urgentes quando levamos em conta que um dos livros afetados da Hachette é o novo volume da escritora britânica de best-sellers J. K. Rowling, The Silkworm (O bicho da seda), que começará a ser vendido no próximo dia 19, publicado sob o pseudônimo de Robert Galbraith.
 
Entre os títulos afetados pela disputa figura o novo livro de Rowling

O objetivo final da Amazon é forçar a Hachette a lhe dar melhores condições econômicas na venda de seus livros eletrônicos, mercado controlado em cerca de 90% pela companhia fundada por Jeff Bezos em 1994. No caso da Macmillan, a “opção nuclear” foi exercida apenas durante alguns dias, mas caso tivesse se prolongado, a editora poderia ter ido à falência.

Fontes da indústria do livro garantem que normalmente as editoras dão descontos entre 47% e 53% às livrarias em vendas no atacado, para que essas possam ter mais margem de lucro e atrair mais clientes. Sem comentários por parte da Amazon e da Hachette, suspeita-se que a primeira esteja exigindo da segunda descontos ainda maiores.

A presidenta da Associação de Representantes de Autores (AAR, sigla em inglês), Gail Hochman, garante que seu grupo “deplora qualquer tentativa de qualquer parte que busque prejudicar e castigar autores inocentes — e seus inocentes leitores — com a finalidade de ganhar posições em uma disputa de negócios”. “Acreditamos que tais ações equivalem a fazer reféns para conseguir concessões e são indefensáveis”.

Na opinião de Hochman, o que a Amazon está fazendo é “uma tática brutal e manipuladora que, ironicamente, provém de uma companhia que proclama que seu objetivo é satisfazer totalmente as necessidades de leitura e os desejos de seus clientes”.

A batalha que Amazon e Hachette travam a portas fechadas remonta a alguns anos atrás, quando as Cinco Grandes (Harper Collins; Pearson; Simon & Schuster; Macmillan e Hachette) se aliaram para fazer contratos de agência ou varejistas para comercializar livros eletrônicos. O momento não foi escolhido por acaso, pois coincidiu com o lançamento por parte da Apple de sua loja iBooks. Então, a Amazon aceitou as regras impostas pelas rivais, o que significou um aumento de preço que desejavam os editores e autores (a cota de mercado da Amazon passou de 90% a menos de 70% e os preços aumentaram cerca de 20%) e decidiu centrar-se em editar seus próprios livros a um preço muito baixo. Depois de claudicar, chegou o momento da revanche da Amazon e a Macmillan pagou o pato.

Editores de todo o mundo contemplam inquietos e quase sem informação o desenrolar da disputa, porque consideram que “todos são Hachette agora”. Na recente BookExpo America de Manhattan, vários autores se queixaram da atitude daquela que é uma das mais poderosas corporações dos Estados Unidos. Na opinião deles, “a Amazon quer controlar a venda de livros, a compra e inclusive a publicação, o que pode se converter em uma tragédia nacional”.

segunda-feira, 2 de junho de 2014

A literatura na 1ª Guerra

Cultura
Muitos textos foram produzidos durante e sobre o primeiro grande conflito mundial, que também mudou a relação entre escritores e a guerra. Owen, Lawrence e Wittgenstein estão entre os pensadores da época.

Da Deutsche Welle
 
Ernst Stadler Ernst Stadler (1883-1914)
 
A relação entre literatura e guerra é tão antiga quanto a história de cada uma destas manifestações humanas. Um dos textos fundadores da Literatura Ocidental é o relato de uma guerra: A Ilíada, de Homero. Em textos ainda mais antigos que sobreviveram a guerras posteriores – nas quais tudo se queimou, de casas a bibliotecas – escritores celebraram vitórias ou lamentaram derrotas. É o caso de Lamento pela Destruição de Ur, escrito há quatro mil anos e que descreve a devastação de uma das mais antigas cidades do mundo durante uma invasão estrangeira.

O papel do poeta épico era cantar as glórias de sua nação. São conhecidas as histórias de reis que levavam poetas a guerras para que seus feitos fossem imortalizados. No caso de derrotas, os poetas muitas vezes transformavam os acontecimentos em mitos de coragem e bravura, propagandas militaristas de caráter patriótico. No poema The Charge of the Light Brigade, de Alfred Tennyson, por exemplo, o massacre da cavalaria britânica numa batalha da Guerra da Crimeia é alçado a mito.

Essa relação cultural com o caráter bélico de impérios ainda era muito forte no início do século 20, e não foram poucos os autores que se lançaram à Primeira Guerra Mundial com fervor literário e patriótico. É o caso dos poetas britânicos Rupert Brooke e Siegfried Sassoon, do francês Guillaume Apollinaire e do alemão Ernst Stadler, que morreriam no conflito ou por ferimentos decorrentes dele. O filósofo austríaco Ludwig Wittgenstein, então em Oxford, partiria para as trincheiras acreditando que elas "fariam dele um homem". Era o tempo dos futuristas, que celebravam a guerra como a grande higiene do mundo.

Escrevendo em plena guerra
Rupert Brooke – que morreria antes de sequer lutar, em decorrência de uma septicemia causada por uma picada de mosquito – não teve tempo de ver o que aqueles que chegaram às trincheiras logo perceberam: a loucura do seu entusiasmo juvenil por glórias militares, quando confrontados com a realidade da guerra.

Nos poemas de Siegfried Sassoon, há uma transformação clara. Seus versos, que foram, desde o princípio, contra a percepção pública do conflito, influenciaram o grande poeta britânico da Primeira Guerra Wilfred Owen. Poemas seus como Dulce et Decorum Est e Anthem for Doomed Youth permanecem como monumentos contra aqueles crimes de megalomania imperial. Owen morreu em novembro de 1918, apenas uma semana antes do armistício.

Outros autores ingleses importantes foram Isaac Rosenberg – que morreu numa batalha também em 1918 e nos deixou textos assombrosos sobre a vida nas trincheiras –, e também Yvor Gurney e David Jones. Uma figura nem sempre associada ao conflito, por ter lutado na África, fez, no entanto, de parte de suas memórias da Primeira Guerra um dos mais conhecidos livros que relatam acontecimentos do período: T.E. Lawrence, o Lawrence da Arábia, e seu Sete Pilares da Sabedoria, publicado em 1922.

Entre os escritores germânicos, a guerra tornou-se a confirmação das profecias de destruição e apocalipse que os autores expressionistas vinham compondo há alguns anos. Gottfried Benn, que serviu na guerra como médico, havia publicado em 1912 seu primeiro livro, intitulado Morgue (Necrotério).
Para escritores germânicos, a guerra confirmou profecias de destruição e apocalipse dos expressionistas

Outros poetas que lutaram e escreveram de forma desiludida durante o conflito incluem o austríaco Georg Trakl, também médico e que se suicidou em 1914, e ainda os alemães Ernst Stadler, Alfred Lichtenstein, August Stramm e Kurd Adler, todos mortos entre 1914 e 1916. Dos romances alemães sobre a Primeira Guerra Mundial, o mais conhecido é sem dúvida Im Westen nichts Neues (Nada de novo no front, 1929), de Erich Maria Remarque, que captura a transformação do entusiasmo juvenil de muitos soldados desiludidos com a realidade da guerra.

Em Zurique, os alemães Hugo Ball, Emmy Hennings, Walter Serner e Hans Arp lançaram sua campanha antimilitarista e suas críticas veementes à cultura bélica alemã em meio ao Cabaret Voltaire e ao Dadaísmo. Ludwig Wittgenstein levou à batalha o manuscrito de seu Tractatus Logico-Philosophicus. O texto, projetado inicialmente como um ensaio sobre lógica, ganharia seus questionamentos sobre a natureza do místico e de Deus durante a guerra e seus horrores, escreve a crítica norte-americana Marjorie Perloff no livro Wittgenstein´s Ladder, baseado na biografia monumental de Ray Monk para o pensador austríaco. Também neste clima de destruição, mesmo que longe dos campos de batalha, um dos maiores escritores do século 20 produziria textos como A metamorfose e O Processo: Franz Kafka.

O impacto pós-guerra e sua literatura
Muitos historiadores argumentam hoje que não se pode mais falar em Primeira e Segunda Guerra Mundial, mas numa única Grande Guerra. As consequências do conflito entre 1914 e 1918 foram sentidas para além dele. Na Guerra Civil decorrente da Revolução Russa de 1917, por exemplo, um batalhão de refugiados entraria, em muitos casos, numa Alemanha devastada pela guerra e pelas reparações impostas pelo Tratado de Versalhes.

As conturbações políticas da República de Weimar, que logo desembocariam no Regime Nazista e na Segunda Guerra, foram muito bem retratadas no grande romance alemão do período, Berlin Alexanderplatz (1929), de Alfred Döblin, e no trabalho de expressionistas que sobreviveram à Primeira Guerra, como Bertolt Brecht. A morte de vários expoentes das vanguardas europeias durante o conflito teria consequências drásticas para a arte do período entreguerras.

Após a Primeira Guerra, diminuiu a frequência com que escritores se lançaram à glorificação bélica, como em alguns daqueles autores do início do século. Em especial com os horrores da Segunda Guerra, a produção de autores vê uma transformação. A lamentação pela destruição das cidades permanece, como na trilogia de Hilda Doolittle (mais conhecida como H.D.), The Walls do not Fall (1944), Tribute to the Angels (1945) e The Flowering of the Rod (1946). Entretanto, o apelo patriótico toma forma de chamada à resistência contra a barbárie nazista. E quando um poeta britânico como Keith Douglas luta na Segunda Guerra, na qual morreria em junho de 1944, é desde o início sem as vanglórias de um Rupert Brooke.

Mesmo que longe dos campos de batalha, clima de destruição influenciou obra de Kafka

A literatura do período no Brasil
O Brasil, inicialmente neutro, só declarou guerra ao Império Alemão em outubro de 1917, após navios brasileiros serem afundados por submarinos alemães. O país, no entanto, não produziu literatura diretamente associada ao conflito.
Envolta em crises políticas e econômicas, a guerra ocorre exatamente durante o mandato do presidente Venceslau Brás. Naquele momento, o establishment literário do país era comandado pelos parnasianos e outros beletristas, como Coelho Neto.

Era no subterrâneo das letras nacionais que a melhor literatura da época era produzida, voltada para as violências internas. Era o tempo da grande prosa de Lima Barreto, satirizando a veleidades nacionalistas em Triste Fim de Policarpo Quaresma (1915) e Os Bruzundangas (1922), ou escrevendo dos porões sob os pés da sociedade rica e branca brasileira, como no incrível Cemitério dos Vivos, publicado décadas depois de sua morte. Era à sátira que também recorria, à época, o escritor João do Rio.

Um dos paralelos mais interessantes entre a literatura brasileira e a alemã dá-se neste momento, na obra de Augusto dos Anjos. Seu único livro publicado em vida foi Eu (1912), no mesmo ano em que Gottfried Benn lança seu Morgue. A confluência entre o trabalho de Augusto dos Anjos e o de seus contemporâneos alemães, expressionistas como Benn, Jakob van Hoddis e Georg Heym, é impressionante, como se fossem membros do mesmo movimento separados pelo oceano. Em poemas como Monólogo de uma sombra, Augusto dos Anjos parecia prever, como seus colegas alemães, as catástrofes que logo engoliriam o século.