terça-feira, 28 de julho de 2020

ENTREVISTA - Contagem regressiva

 

THE OBSERVER “Eu e a biosfera estamos no último 1% de nossas vidas”, afirma o cientista James Lovelock, 101 anos

James Lovelock é mais conhecido como o pai da Teoria de Gaia, a ideia revolucionária de que a vida na Terra é uma comunidade autorregulada de organismos que interagem entre si e com seu entorno. Cientista independente, que evita o establishment acadêmico, ele foi descrito alternadamente como pioneiro, profeta do apocalipse, filósofo ambiental e Gandalf. Neste mês, ele completa 101 anos, mas dá poucos sinais de reduzir o ritmo de sua produção intelectual. Uma versão em brochura de seu último livro, Novacene, será lançada em breve, e no momento ele trabalha numa sequência.

Catorze anos atrás, o senhor predisse que o clima extremo se tornaria a norma e o mundo veria mais desastres em 2020. O senhor se sente justificado como cientista, ou decepcionado como ser humano, por suas palavras apocalípticas terem se mostrado proféticas?Tudo é muito óbvio, na realidade, mas você só percebe que entendeu as coisas direito muito tempo depois, porque pode surgir uma surpresa. Além disso, não sou um cientista de verdade. Sou um inventor, ou um mecânico. É outra coisa. A Teoria de Gaia é simplesmente engenharia em palavras simples, de fato. Quero dizer, você tem essa bola rotatória ideal no espaço, iluminada por uma bela estrela comum. Até agora, o sistema manteve as coisas em ordem na Terra, adequadas à vida, essa é a essência de Gaia. É um trabalho de engenharia, e foi bem-feito. Mas eu diria que a biosfera e eu estamos no último 1% de nossas vidas.

O vírus faz parte da autorregulação de Gaia?Definitivamente, é uma questão de fontes e ralos. A fonte é a multiplicação do vírus e o ralo é qualquer coisa que possamos fazer para nos livrar dele, o que no momento não é muito eficaz. Tudo isso faz parte da evolução como Darwin a entendeu. Não haverá uma nova espécie florescendo, a menos que haja uma fonte de alimento. Em certo sentido é nisso que estamos nos tornando. Somos o alimento. Eu poderia facilmente fazer um modelo e demonstrar que, conforme a população humana no planeta aumentou sem parar, a probabilidade de surgir um vírus que a reduziria era bastante alta. Não somos exatamente um animal desejável para ser solto no planeta em número ilimitado. Malthus tinha razão. No tempo dele, quando a população humana era muito menor e distribuída menos densamente pelo planeta, não acho que a Covid-19 teria chance.

Como o lockdown afeta esse prognóstico?Depois do vírus, suspeito que uma mudança muito ampla será perceptível. Acho que os seres humanos vão descobrir todo tipo de coisas que podem fazer que não faziam antes. Talvez elas percebam que engordar não é uma ideia muito boa, que grande parte do sofrimento que elas têm na meia-idade e mais tarde na vida é causado simplesmente por comer demais do tipo errado de alimento. Eu sempre acho fascinante como as estatísticas ilustram que a saúde do país estava extremamente melhor no fim da Segunda Guerra Mundial do que no início.

O senhor revelou que estamos em um sistema fechado e muito precário, que precisamos estabilizar. Acha que os indivíduos estão dispostos a admitir isso?Eu senti durante algum tempo que as universidades estão ficando perigosamente parecidas com a igreja no seu início. Elas têm dezenas de seitas diferentes e se orgulham se você pertencer a uma delas: se você for um químico, muitas vezes não sabe nada de biologia, e assim por diante. É por isso que a ciência universitária comum não é realmente útil, pois o departamento que examina as algas marinhas não seria o mesmo que examina o iodeto de metila. É uma divisão em pedacinhos. Está na hora de as universidades passarem por uma revolução e terem muito mais pensamento em comum. É incrível quanta objeção há a Gaia. Estou me perguntando até que ponto você pode atribuir isso às indústrias de carvão e petróleo, que lutaram contra qualquer tipo de mensagem que fosse ruim para elas.

Se a Teoria de Gaia fosse mais bem compreendida, poderia ser a base para um credo que preenchesse as lacunas que a religião costumava ocupar em termos de viver bem, viver para os outros, viver para as futuras gerações?Acho que, de certa maneira, você está certo. Ninguém compreende totalmente Gaia, e isso me inclui, mas é algo mais fácil de entender que Deus e a religião. Você precisa considerar esses como verdades absolutas. Mas com Gaia você pode sair pelo mundo e medir as coisas.

O senhor é religioso?Não, eu fui criado como quaker. Fui doutrinado com a ideia de que Deus é uma vozinha imóvel dentro de você, e não um velho senhor misterioso lá fora no universo. A intuição vem daquela voz interna, e é um grande dom para os inventores.

O senhor acredita que a humanidade pode inventar algo para estabilizar o clima?Bem, é melhor termos, ou estamos condenados, mas temos feito o oposto ao queimar combustíveis fósseis. Sempre defendi o nuclear como uma maneira boa, barata e sensata de obter energia, especialmente agora que o tório está disponível como combustível. Mas muita gente o odeia. Eu gosto da sugestão de Edward Teller de um guarda-sol em uma órbita heliocêntrica que difundiria um porcentual de luz solar da Terra. Você quase não perceberia que estava lá. Se pudesse ser feito, e eu acho que um grande programa da Nasa quase certamente conseguiria fazê-lo, poderia salvar a nossa pele. Parece uma proposta mais revoltante e difícil que outros projetos de geoengenharia, como colocar enxofre na estratosfera, mas eu o prefiro. Poderia ser feito de modo que, se alguma coisa desse errado, ele se fecharia automaticamente. Mas, de modo geral, não acho que devamos começar a mexer com o sistema de Gaia, enquanto não soubermos bem mais sobre ele. Está começando a parecer que a energia renovável – eólica e solar –, se usada adequadamente, pode ser a resposta para os problemas de energia da humanidade.

O senhor fará 101 anos em 26 de julho. Como vai marcar seu aniversário?Não será nada parecido com a festa do ano passado, ou iríamos à falência. Mas vamos comemorar. Se o tempo estiver bom, faremos uma caminhada. Minha mulher, Sandy, e eu andamos de 3 a 5 quilômetros quase todos os dias, ao longo da costa ou subindo os morros. Fui um dos felizardos que gostaram do isolamento porque há menos gente e não há ônibus estacionados. E talvez eu trabalhe em meu próximo livro, no qual estou mergulhado. É sobre a evolução, particularmente a evolução dos seres humanos. Os humanos evoluem rapidamente. Nós passamos de um animal tribal para um animal urbano. Observe a maioria dos insetos e eles também percorreram esse caminho. Há muito a escrever sobre isso. 

Por Jonathan Watts, na Revista Carta Capital  

 

 

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