terça-feira, 7 de julho de 2020

EDUCAÇÃO - Todos perdem — uns mais que outros




Em meio à pandemia, o retorno às aulas ainda é incerto — enquanto isso, o ensino remoto aprofunda as desigualdades

O sonho de ser médico começou aos 11 anos para o estudante Cauê Vitorasso, depois de seu irmão nascer com uma doença respiratória grave e as frequentes idas ao hospital entrarem na rotina da família. Desde então, ele se prepara para disputar uma vaga em um dos cursos mais concorridos do ensino superior brasileiro.

A maratona de vestibulares estava planejada para acontecer no final de 2020, quando Cauê concluiria o 3º ano do ensino médio, mas a chegada da pandemia do novo coronavírus dificultou seus planos. Aluno em uma escola pública de tempo integral em Guarulhos, na região metropolitana de São Paulo, o jovem de 17 anos estuda desde março por meio de aulas remotas.

São 9 horas diárias de aulas ao vivo pela internet — o mesmo tempo que permaneceria dentro da escola. Apesar de contar com o auxílio de um tutor, ele reconhece que a suspensão das aulas presenciais poderá adiar sua entrada na faculdade — e, por consequência, no mercado de trabalho. “Comecei o ano com foco total no vestibular, mas quando algo tão inesperado acontece há um desequilíbrio emocional e acadêmico”, afirma Cauê.

As angústias do aspirante a médico são compartilhadas por outros 7,5 milhões de estudantes brasileiros que estão no ensino médio e a caminho do mercado de trabalho. Mesmo antes da pandemia, essa etapa escolar já era a que os alunos mais abandonavam e na qual os resultados de aprendizagem eram piores. No Ideb, índice que mede a qualidade da educação básica, a nota do ensino médio foi de 3,8 pontos no último levantamento, a pior entre todas as etapas e a que menos evoluiu nos últimos 15 anos.

Um estudo recente do Insper mensurou o possível impacto do fechamento das escolas durante a pandemia no decorrer da vida dos estudantes da rede pública. Liderado pelo economista Ricardo Paes de Barros, um dos principais especialistas em desigualdade social no país, o trabalho considera a influência do conteúdo perdido durante o ano letivo de 2020 na renda futura dos alunos.

Quem cursa o ensino médio hoje, por exemplo, pode ter uma perda média anual de renda na vida adulta entre 11.000 e 70.000 reais, dependendo das respostas dadas pelo poder público para recuperar os tópicos prejudicados no período de suspensão de aulas. Mesmo os alunos do ensino fundamental, ainda longe de ingressar no mercado de trabalho, podem sofrer no futuro o efeito da perda de conteúdo — um prejuízo anual que pode chegar a 36.000 reais por indivíduo.

Considerando-se o impacto da pandemia nos 35 milhões de estudantes da rede pública, a perda para a economia do país pode variar de 350 bilhões a 1,4 trilhão de reais, distribuídos ao longo do tempo — recursos que equivalem, respectivamente, a 5,3% e 23% do PIB brasileiro. “É melhor um jovem que está concluindo o ensino médio adiar em um ano a entrada no mercado de trabalho do que sacrificar seu estoque de conhecimento necessário para a vida adulta”, diz Paes de Barros.

Os custos e os riscos da pandemia para a educação têm sido dimensionados em diversos lugares. Mais de 1,5 bilhão de estudantes no mundo foram atingidos pela pandemia, segundo a Unesco. Uma projeção de pesquisadores da Universidade Brown, nos Estados Unidos, com base em testes realizados por 5 milhões de alunos, mostra que os estudantes podem chegar às aulas no segundo semestre com no máximo 68% do conteúdo normalmente absorvido em leitura e com 50% do conteúdo de matemática ministrado no primeiro semestre. E o que a experiência internacional tem revelado é que a pandemia aprofunda desigualdades que já existiam, afetando, sobretudo, os mais pobres.

A consultoria McKinsey projeta que, se as aulas continuarem no modelo híbrido até meados de 2021, alunos americanos mais pobres poderão perder, em média, 12 meses de escolaridade na comparação com as aulas presenciais — o dobro dos alunos mais ricos. O maior risco é a evasão: se os alunos deixarem a escola, a perda individual­ poderá ultrapassar 21% da renda ao longo da vida, segundo a McKinsey. Tudo somado, a geração impactada pela covid-19 poderá levar, em 2040, a um rombo de até 271 bilhões de dólares na economia americana.

A educação sempre foi um terreno em que imperam desigualdades mundo afora. Análise da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), grupo que reúne os países mais ricos, com base em dados de alunos do Pisa, mostra que apenas um terço dos alunos de 15 anos na América Latina tem acesso a uma plataforma eficaz de apoio à aprendizagem online na escola, ante quase dois terços nos países-membros da OCDE. “A pandemia pode dizimar todos os ganhos que os países mais pobres levaram duas décadas para conseguir”, diz a professora Carol Anne Spreen, especialista em desigualdades na educação na Universidade de Nova York.

No Brasil, a batalha educacional da pandemia começou nas semanas seguintes ao fechamento das escolas, o que já dura cerca de quatro meses. Todas as secretarias estaduais conseguiram oferecer pelo menos um método de ensino remoto, segundo monitoramento do Conselho Nacional de Secretários de Educação. Estados como São Paulo e Maranhão avaliam a possibilidade de implementar um quarto ano opcional no ensino médio, como estratégia para recuperar o conteúdo perdido. “Não dá nem para começar do zero completamente nem para considerar que essa matéria foi dada. É preciso equilíbrio”, afirma Claudia Costin, diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais da Fundação Getulio Vargas.

No Ceará, estado que se tornou uma referência na melhora dos índices de aprendizado, um plano para tirar parte do atraso imposto pela pandemia — e não perder os avanços obtidos na última década — vem sendo discutido com escolas e municípios. “Estamos verificando juntos quais turmas precisam voltar primeiro e quais adaptações serão feitas no conteú­do”, diz Eliana Estrela, secretária de Educação do estado.

CORRIDA CONTRA O TEMPO

Especialista em desigualdades nos sistemas educacionais, a professora Carol Anne Spreen alerta para a necessidade de um financiamento global da educação no pós-pandemia

Enquanto lidam com a crise na saúde gerada pela pandemia, os países precisam traçar planos para amenizar os possíveis efeitos sociais ­— ou a conta sairá alta para o desenvolvimento no longo prazo. É o que diz Carol Anne Spreen, professora na Universidade de Nova York e na Universidade de Joanesburgo, na África do Sul. Spreen estuda há mais de uma década as desigualdades nos sistemas educacionais e, segundo ela, assim como a pandemia mudou diversos setores da economia, não será possível pensar em soluções para a educação da mesma forma que antes. Leia a seguir trechos de sua entrevista à EXAME.

Os efeitos da pandemia sobre a educação podem ampliar a lacuna entre países ricos e pobres?

Não dá para lidar com a covid-19 como se fosse apenas uma crise de saúde. Há projeções de que mais de 200 milhões de crianças poderão sair da escola porque os pais perderam o emprego e os jovens vão precisar trabalhar. A crise poderá acabar com avanços conquistados nos últimos 20 anos. E a divisão digital poderá se acentuar entre países que investiram na educação durante a recuperação da pandemia e os que não investiram.

Com a crise econômica, os países serão capazes de investir mais em educação?

Nos Estados Unidos, por exemplo, o orçamento para a educação vem sobretudo dos estados, mas a arrecadação deles foi dizimada pela pandemia. Então, é preciso haver um esforço maior também do governo federal. As crianças mais pobres já estão sendo as mais afetadas pela pandemia. E, quando há cortes na educação, são também as que mais sofrem. Esse debate tem de incluir a comunidade internacional. As soluções devem ser locais, mas é necessário haver um financiamento global da educação. A pandemia precisa levar as instituições multilaterais, como o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial, a tomar medidas reais: o que será feito, quais países necessitam de ajuda. Assim como em outros setores, na educação não poderemos investir nas mesmas coisas de antes.

Qual deve ser o papel das escolas no pós-pandemia?

Haverá uma massa gigante de famílias desempregadas. Teremos de lidar com questões sociais maiores, programas de alimentação, acesso à saúde e à internet. As escolas precisam ficar abertas mais tempo e ajudar nesse processo. Em primeiro lugar, para lidar com o aprendizado das crianças que foi perdido, mas também para ser esse ponto de apoio à comunidade, para que as famílias usem os computadores, a biblioteca e para que a comunidade dialogue e troque conhecimento com a escola. Teremos também de investir nas necessidades emocionais dos alunos. Não dá para colocá-los diante de uma tela e esperar que o trauma que viveram passe. Historicamente, ficamos muito tempo pensando em como monitorar e fazer mais provas. Mas a verdade é que notas não são as únicas coisas importantes agora.

E como fica a tecnologia nessa retomada?

Precisamos, sim, reduzir as lacunas de acesso à tecnologia entre ricos e pobres. Mas algo que a covid-19 deixou claro é que as estruturas de aprendizado remoto que temos hoje são inadequadas. Ninguém quer o modelo desta pandemia para seus filhos, nem nas melhores escolas. A tecnologia é só uma ferramenta. Existe um monte de informações online, mas uma tela não ajuda a costurá-las nem a resolver problemas.

Como ajudar os professores a mitigar os efeitos da pandemia?

É preciso mais apoio para que eles usem a tecnologia. E não só usar mas também pensar em boas atividades e desenvolver coisas novas. Hoje, os professores fazem aulas online e gravadas, demanda que surgiu da noite para o dia. E ainda pagam a própria internet. A pandemia mostrou como, sem eles, não iremos a lugar algum. Nos Estados Unidos, ficou claro que os estados que valorizam mais a carreira têm melhores professores e podem exigir padrões mais elevados ­— e alcançam melhores resultados.

Por Clara Cerioni e Carolina Riveira, com Carolina Ingizza, na Revista Exame 



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