O Brasil vive uma das
situações mais críticas de sua história na área do ensino, com escolas fechando
as portas, faculdades demitindo e alunos sem aulas — até mesmo as virtuais.
Tudo isso coloca em risco não apenas as gerações do amanhã, mas o próprio
desenvolvimento do País
No campo da educação, 2020 é um ano praticamente
encerrado — e perdido no tempo. Uma combinação de fatores não lhe poderia ter
sido mais nociva, alguns deles decorrentes uns dos outros, já os demais fixados
pelas mais diversas razões: pandemia, caos econômico, crise política,
desgoverno total do País. Junte-se a isso uma gestão federal que olha o setor
educacional como inimigo e tenta ideologicamente o seu aparelhamento —
estratégia típica de regimes autoritários. Ilustra a desimportância que o
presidente Jair Bolsonaro dá à educação o fato de que o Brasil já vai para mais
de duas semanas sem um ministro para esse setor — e, até agora, somando-se os
três que passaram pela pasta (o último, o das mentiras, sequer tomou posse) o
resultado é zero. O primeiro foi um pândego, o segundo trocava Franz Kafka por
Kafta e o último sofre de mitomania. Não é apenas a educação que sai lesada,
mas, também, o próprio desenvolvimento do País.
O apagão começa no ensino infantil particular. Sem conseguir refinanciar
dívidas e com a perda de quase metade dos alunos, a única saída para muitas
escolas de pequeno porte foi fechar as portas. A falta de aderência ao ensino à
distância por parte de crianças (o que é mais que normal) e a desistência de
muitos pais desempregados levaram a uma situação insustentável. Estima-se que
até 10% dos alunos deixaram as escolas privadas de ensino fundamental em todo o
País, mas a evasão em escolas que atendem crianças de zero a três anos pode
chegar até 80%. A situação pode ser exemplificada pela carioca Ednalva Maria
dos Santos, mãe da garotinha Alice, de três anos de idade. Ela retirou a menina
da escolinha no bairro de Cavalcante, na zona Norte do Rio de Janeiro. Ednalva
é a única que ainda tem emprego na família. “O escola até reduziu a
mensalidade, mas a minha situação financeira está desesperadora”, diz ela. Além
do monstro da miséria, há outro monstro, esse invisível e que se chama
coronavírus. Juntamente à falta de dinheiro, aí vem o medo de morrer, esse
generalizado em todo o mundo: “não vou ter coragem de levar minha filha quando
as aulas voltarem porque o risco ainda é grande”.
Estima-se que até 300 mil docentes podem ter perdido seus empregos em todo o
País. Em São Paulo, das 11 mil escolas que atendem desde o ensino infantil até
o técnico, 80% possuem menos de 500 alunos, segundo o Sindicato dos
Estabelecimentos de Ensino do Estado de São Paulo (Sieeesp). A expectativa é de
que essas insituições tenham perdido o equivalente a uma receita mensal
completa, de acordo com o presidente da entidade, Benjamin Ribeiro da Silva.
Com isso, cerca de 30% dos berçários, que atendem crianças de zero a três anos,
não sobreviverão: alunos das primeiras séries do ensino fundamental deverão
migrar para as escolas públicas, que poderão não absorver tanta demanda. No
ensino médio, que historicamente tem dificuldade de evitar a evasão de jovens
entre 15 e 17 anos, três em cada dez alunos já pensa em abandonar os estudos —
aumento significativo, uma vez que anteriormente o nível de abandono era de
11,8%. Ou seja: lamentavelmente, de um patamar já alto passou-se a outro mais
elevado ainda. Isso coloca em risco o futuro de gerações e o desenvolvimento da
Nação.
Problemas superioresNo ensino superior particular, a inadimplência atingiu
níveis recordes e, em maio, 23,9% dos estudantes não conseguiram pagar suas
mensalidades. Cerca de 32,5% dos alunos acabaram trancando a matrícula ou
desistiram do curso em abril. E aí entra diretamente a pandemia: a implantação
de novas tecnologias e a possibilidade de reduzir estruturas físicas e,
consequentemente, os custos, colocou na berlinda o corpo docente. Mais de 800
professores universitários foram demitidos no final do semestre,quando as
faculdades passaram a montar salas com 200 ou até 300 alunos conectados numa
única aula. A decorrência inevitável foi a redução do número de professores e,
em média, houve o corte geral de quase 30% do corpo docente. Professor em de
mestrado de educação, em São Paulo, Ricardo Casco estava encerrando os
trabalhos do semestre após a adaptação de aulas ao ambiente virtual. No final
de junho, quando foi inserir as notas dos alunos no sistema, não conseguiu mais
acesso. Seu e-mail também havia sido bloqueado. Quando ligou para a faculdade
só disseram que receberia um telegrama. “Fui demitido sumariamente sem nem
saber o porquê”, diz ele.No ensino superior público, a crise é ainda maior, já
que muitas faculdades não conseguiram sequer implantar ensino remoto, deixando
alunos sem aulas o primeiro semestre inteiro. Amanda Minet, por exemplo, que
estuda arquitetura, nem teve a chance de aulas virtuais. Até a semana passada
ela aguardava uma decisão de sua faculdade para saber como será a continuação
do curso. “Fiquei perdida”, diz a universitária.
Por Anna França, na Revista
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