segunda-feira, 30 de abril de 2018

Crianças do DF estão há um ano sem ver carne na merenda escolar



Na falta de alimentos saudáveis, itens polêmicos ganharam os cardápios das escolas, como a pipoca.

Os alunos da escolas públicas do Distrito Federal não comem carne vermelha natural na merenda há quase um ano. Dentro de dois meses, o preocupante aniversário será amargado sem palmas. O sumiço do alimento típico do Brasil é um dos sinais das fragilidades na gestão da alimentação escolar. Desabastecimento, compra de produtos duvidosos e sobrepreços nas licitações colocam em risco a alimentação e o desenvolvimento das crianças.

O Fundo Nacional de Desenvolmento da Educação (FNDE) destacou um grupo de técnicos fazer um pente-fino na rede pública. Afinal, a União repassa uma verba de auxílio para a alimentação escolar de estados e municípios. Após visitas na Secretaria de Educação e escolas, ao longo dos próximos 30 dias, a instituição emitirá relatórios para o GDF e o Tribunal de Contas da União (TCU).

Contando a partir de 2012, o Tribunal de Contas do DF (TCDF) analisou 17 processos referentes à merenda escolar. Deste total, sete ainda estão em curso. A fiscalização apontou para um quadro com falhas gritantes na gestão. No processo 20120/2016, por exemplo, a corte identificou o sobrepreço na aquisição de 7 itens alimentícios em uma compra de R$ 53 milhões. Após o puxão de orelha, o Executivo baixou a licitação para R$ 37,2 milhões.

Na falta de alimentos saudáveis, itens polêmicos ganharam os cardápios das escolas, como a pipoca. Criticada por pais e professores, mas presente nos lanches até hoje. 'É um cenário no mínimo de muita irresponsabilidade. O Conselho Regional de Nutricionistas (CRN) intensificou as denúncias do descumprimento da legislação há um ano. Mas as autoridades não dão respostas. Apresentam muitas desculpas e obstáculos, mas poucas soluções. Falta compromisso com a saúde das crianças', alertou a conselheira-diretora do CRN, Ygraine Hartmann.

O avanço de alimentos processados e enlatados é outro ponto alarmante. Por exemplo, a carne vermelha natural desapareceu, mas versão industrializada ganhou os pratos. Segundo Hartmann, enlatados apresentam baixo valor nutricional, conservantes e excesso de sódio. O próprio FNDE restringe a oferta da comida processada, em função dos riscos para saúde das crianças na vida adulta.

Secretaria nega problema

Garante o governo Rollemberg (PSB), que a alimentação escolar na rede pública vai muito bem. Em nota, a Secretaria de Educação negou a existência de problemas no sistema de abastecimento, embora confirme a ausência da carne in natura desde julho de 2017. Evitou comentar sobre outros itens.

Segundo o Executivo, o último contrato da proteína bovina natural foi com a empresa JBS S/A, envolvida vários processos da operação Lava Jato. Por recomentada do TCU e da Procuradoria-Geral do DF, o contrato não foi prorrogado.

Frango e peixe

'Uma nova licitação está em curso para atendimento deste insumo. Entretanto, como oferta de proteína animal, o cardápio possui frango in natura (peito, coxa/sobrecoxa), filé de peixe in natura (merluza e mapará), ovo de galinha e frango cozido desfiado, ou seja, não há prejuízo nutricional aos estudantes', garantiu a pasta.

Mas, apesar do discurso de normalidade, novos episódios, no mínimo, polêmicos, brotam frequentemente. Nesta semana, o TCU suspendeu uma licitação de frutas, verduras e legumes para a merenda escolar brasiliense. A partir de análise do ministro Bruno Dantas a Corte identificou indícios de 340% de sobrepreço na compra.

Neste caso, a justificativa do governo é uma suposta troca de planilhas. 'Não houve superfaturamento na aquisição de alimentos para a merenda escolar. A planilha de valores encaminhada ao TCU para prestação de contas estava errada, não correspondendo ao valor que foi contratado por meio de licitação', argumentou.

A pasta alega que enviou o documento 'correto' para o TCDF, conseguindo então o aval para a licitação. 'Um novo documento, com as informações atualizadas, será enviado ao TCU dentro do novo prazo estabelecido pela corte, que é de 15 dias', prometeu a secretaria.

Alimentação saudável não é favor do governo para as crianças. A oferta de alimentos de qualidade é um direito previsto na Constituição. Detalhado e reforçado pelo Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). O FNDE destina para verba específica para esta missão. Resumo da opera: é direito do cidadão, do contribuinte, do eleitor. Sendo um dever dos governantes.

Falta criatividade na gestão da alimentos, segundo o CRN. Por exemplo, o GDF gasta dinheiro público para a aquisição de roscas e biscoitos. Ao invés dessa aposta doce e questionável do ponto de vista nutricional, a conselheira-diretora Ygraine Hartmann sugere um teste com a farinha para a produção de tapioca. Um alimento regional, com valor cultural e saudável.

Segundo o CRN, neste semestre, em Ceilândia, centenas de pacotes de biscoitos de rosca teriam sido jogados fora. A suspeita é de que os alimentos estavam estragados.
Por Francisco Dutra, no Clica Brasilia

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domingo, 29 de abril de 2018

Ministério Público pede que governo apure fraude no Enem



Folha mostrou que há 1.125 provas com alta probabilidade de trapaça no exame
O Ministério Público Federal no Ceará pediu que o Inep (instituto de pesquisas do Ministério da Educação) abra investigação para apurar “possíveis fraudes” em 1.125 provas do Enem, entre os anos de 2011 e 2016.

A medida foi tomada com base no estudo estatístico realizado pela Folha, publicado no dia 23, que mostrou alta probabilidade de ter havido fraude nessas provas, dadas as semelhanças entre elas.

O Ministério Público deu 15 dias para o Inep, órgão responsável pelo exame, informar as providências adotadas. O instituto afirmou que ainda não foi notificado e, por isso, não se pronunciará agora.

Autor da requisição feita no dia 24, o procurador da República Oscar Costa Filho afirmou que a reportagem aponta indícios de que a extensão das fraudes no Enem é “muito maior do que já havia sido constatada em investigações anteriores”.

O procurador defende que o Inep apure individualmente cada caso suspeito. “Os fatos mostram uma fraude sistêmica”, disse Costa Filho.

Em relação ao estudo feito pela Folha, o Inep afirmou que trabalha em conjunto com a Polícia Federal para identificar e coibir fraudes.

Até hoje, foram confirmados pela polícia apenas 14 casos de fraude, disse o instituto.

Segundo o modelo estatístico desenvolvido pela Folha, a chance de essas 1.125 provas suspeitas serem semelhantes apenas devido ao acaso em uma edição do Enem é de no mínimo 1 em 1.000.

Ou seja, seria necessário repetir o exame mil vezes para que duas provas, sem interferência, fossem tão parecidas como os gabaritos suspeitos.

O estudo identificou tanto duplas de provas suspeitas, o que indica algum tipo de cola rudimentar, quanto grupos com até 67 candidatos suspeitos, apontando para um esquema mais sofisticado de transmissão de respostas.

A pesquisa considera apenas candidatos que ficaram entre as 10% melhores notas, entre as edições 2011 e 2016, o que representa um montante total de 3 milhões de provas analisadas. Com essa pontuação, o candidato consegue ingressar em cursos concorridos como medicina, direito ou administração.

O modelo adotado é mais rígido do que o aplicado em outros estudos que buscaram identificar fraudes em exames e concursos públicos.

A estatística foi usada, por exemplo, para detectar cola em universidade da Força Aérea dos EUA, ano passado, ou fraude em concurso para vaga na Receita Federal do Brasil.

O Enem cobra 180 questões dos candidatos, com cinco alternativas cada. O levantamento da Folha calculou a probabilidade de duas ou mais provas terem o mesmo padrão de acertos e de erros.

Foi considerado como altamente suspeito, por exemplo, candidatos que erraram questões marcando a mesma alternativa errada (podiam ter errado escolhendo outras três opções também incorretas).

As informações processadas pela Folha são oficiais, chamadas microdados do Enem.
Folha de São Paulo

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sábado, 28 de abril de 2018

Bilionário Vincent Bolloré é preso por corrupção



Bolloré é o 207º homem mais rico do mundo, com US$ 7,4 bilhões, segundo o último ranking FORBES.
O bilionário francês Vincent Bolloré - o 207º homem mais rico do mundo, com US$ 7,4 bilhões, segundo o último ranking FORBES - foi preso na noite do dia 24, perto de Paris, acusado de ter indiretamente influenciado o resultado de eleições para governos da África Ocidental em troca de contratos de portos lucrativos para sua empresa.
De acordo com uma matéria publicada na 'BBC', Bolloré, de 66 anos, que lidera o Bollore Group, foi preso como parte de uma investigação sobre como a sua empresa obteve contratos para operar nos portos de Lomé e Conacri, em Togo e Guiné, respectivamente.
Especificamente, os investigadores estão analisando acusações de que a Havas, uma consultoria de comunicação e subsidiária do Bollore Group, tenha trabalhado para o presidente da Guiné, Alpha Conde, e o do Togo, Faure Gnassingbe, quase de graça, na esperança de receber os contratos em troca.
Depois de ser eleito, Conde rapidamente interrompeu o contrato do operador de Conacri e o concedeu ao Bollore Group. Em um comunicado para a imprensa, o grupo disse que 'nega formalmente' qualquer crime em seus negócios africanos.
O Bollore Group atua nos setores de construção, logística, mídia, publicidade e transporte e é o principal acionista da Vivendi. Na África, o Bolloré Africa Logistics é o maior operador de transporte e logística, com uma rede formada por 250 subsidiárias e quase 25 mil colaboradores em 46 países do continente. A notícia da prisão de Vincent Bolloré fez com que as ações do grupo caíssem mais de 4%, para  4,26, na bolsa de Paris.
Forbes Brasil

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sexta-feira, 27 de abril de 2018

Orgãos públicos têm sete meses para aprovar programas contra corrupção



Cerca de 350 órgãos do governo federal deverão elaborar e aprovar os seus programas de integridade dentro de um prazo de sete meses. O objetivo é compor uma política de boa governança para prevenir, detectar, remediar e punir fraudes e atos de corrupção.
Portaria apresentada nesta quarta-feira (25) pelo Ministério da Transparência e Controladoria-Geral da União (CGU) estabelece procedimentos para a estruturação, execução e monitoramento desses programas.
A portaria regulamenta o Decreto nº 9.203, de 2017, que prevê a instituição de programas de integridade em órgãos públicos como parte de uma política de governança. Segundo a CGU, ainda que algumas instituições já estejam com ações em andamento, a diferença é que agora essas medidas serão obrigatórias. Pelo cronograma previsto no dispositivo, ministérios, autarquias e fundações públicas deverão aprovar os seus planos até 30 de novembro de 2018.
A portaria prevê que os programas sejam instituídos em três fases. Com isso, o dispositivo estabelece prazos para as etapas principais de estruturação, além do início da execução e do monitoramento das ações. Entre as medidas estabelecidas pela portaria, está a definição, em um prazo de 15 dias, das unidades nos órgãos públicos que serão responsáveis por coordenar a implementação dos programas. Essas unidades deverão tomar medidas para promover a ética e a conduta para servidores públicos e tomar providências em relação a denúncias recebidas, entre outras atribuições.
Depois da aprovação desses planos, em novembro, os órgãos deverão executar e monitorar os seus programas, com o que a CGU chama de 'gestão de risco'. As unidades responsáveis pelos planos de integridade deverão conversar com os dirigentes das instituições e ter clareza dos riscos de governanças que enfrentam. A CGU informou que monitorará o trabalho dos órgãos públicos e publicará, periodicamente, o resultado da implementação das medidas.
O ministro da Transparência e CGU, Wagner Rosário, disse que o objetivo é fazer com que os órgãos se antecipem à ocorrência de problemas que podem ser monitorados. 'Já tivemos a ocorrência de problemas em diversos órgãos. Analisando esses problemas, quais são as medidas que temos de implementar para mitigar os seus riscos? Isso faz parte de gestão. A gente está falando de uma governança específica para riscos de fraude e corrupção', afirmou.
O ministro da Indústria, Comércio Exterior e Serviços, Marcos Jorge de Lima, destacou que, em um momento de transformação social como o atual, é necessário adotar em todas as instâncias da administração pública os melhores princípios de conduta ética e cumprimento da legislação vigente. 'Deveremos lidar com ética e combater desvios detectados', afirmou, observando que, nos programas de integridade, será priorizado o desempenho da função administrativa dos órgãos.
Programa de integridade
De acordo com a CGU, o programa de integridade consiste num conjunto estruturado de medidas que buscam melhorar a governança. Essas medidas são compostas por quatro eixos básicos: comprometimento e apoio da alta direção; definição de instâncias e agentes responsáveis; análise de riscos; e monitoramento contínuo.
A proposta é que os programas sejam estabelecidos de acordo com os riscos aos quais cada órgão ou entidade está submetido. Como exemplo, a CGU explica que instituições que possuam mais canais de relacionamento com o setor privado precisarão criar programas 'com medidas robustas para prevenir, detectar, remediar e punir quebras de integridade relacionadas aos riscos dessa interação'.
Por Cristiane Bonfanti, no Valor Online

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quinta-feira, 26 de abril de 2018

O exército de pinóquios



 “Estão entregando dinheiro na mão de terrorista!”, dizia o vídeo publicado no dia 26 de janeiro pelo site Gospel Prime, um portal de notícias focado no público evangélico com média de quase 2,8 milhões de leitores ao mês. De acordo com a denúncia do site, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e o presidente Michel Temer estavam tentando desviar dinheiro de uma obra, por meio de uma Medida Provisória de ocasião, para financiar terroristas palestinos. No Facebook, o líder da bancada evangélica na Câmara dos Deputados, o pastor Takayama (PSC-PR), gravou outro vídeo com um comentário que teve cerca de 4 mil visualizações. “Estão nos comunicando que muito do que é enviado para a Palestina é para patrocinar terrorismo”, disse, grave.

Há uma Medida Provisória que busca liberar, sim, dinheiro para a Palestina. Mas a doação visa reformar quatro das 50 colunas da Basílica da Natividade, igreja construída sobre o ponto considerado local de nascimento de Jesus, que consta como patrimônio histórico mundial na lista da Unesco. Se é apropriado ou não gastar dinheiro público em tal iniciativa, é uma discussão longa. O intrigante era por que o próprio Takayama — que já havia até pedido vista do projeto quando este foi examinado por uma comissão do Congresso — replicava uma notícia errada, falsa e inventada envolvendo dois potenciais candidatos à Presidência em ano eleitoral.

O Ministério das Relações Exteriores publicou uma nota desmentindo a informação, mas o Gospel Prime manteve a postagem no ar. Incluiu o comunicado no pé da página e insistiu no texto original mentiroso, sem errata ou pedido de desculpas. Procurado, Takayama não quis se pronunciar sobre o caso.

A empresa Prime Comunicação Digital, responsável pelo Gospel Prime, tem endereço registrado na pacata Criciúma, em Santa Catarina, cuja população cabe em menos de três estádios do tamanho do Maracanã. Metade do 2o andar do prédio amarelo com pastilhas marrons de dois andares, onde está registrado o CNPJ da firma, pertence à empresa de contabilidade Atual. Subindo as escadas, chega-se a um espaço amplo, mas simples, com móveis e paredes de cores claras. Indagado, o recepcionista informou que a Prime funciona em outro endereço, mas é uma das clientes da empresa. Ele contou que David Gregório, o dono da Prime, trabalha a partir de casa, um apartamento próximo ao estádio Majestoso, casa do time que leva o nome da cidade: “É perto, mas não sou autorizado a te dar o endereço”. Ele anotou um número de telefone em um Post-it e disse que mais informações não poderiam ser passadas sem autorização do patrão.

Telefonei para Gregório e disse estar fazendo uma pesquisa acadêmica sobre sites de mídia alternativa. Sem muito perguntar, ele passou a dar detalhes de seu negócio. Confirmou trabalhar de casa e afirmou ter abandonado o emprego como gerente de posto de gasolina há seis anos, quando o site, criado em 2008, começou a render R$ 300 por mês. Hoje, segundo ele, rende de R$ 10 mil a R$ 20 mil por mês, valor que seria dividido entre seus quatro integrantes fixos. Nesses dez anos, Gregório conta ter se formado em publicidade, mas que aprende muito “pela internet mesmo”. Afirma que todo conteúdo publicado no site passa por sua aprovação.

Foi ele quem puxou o assunto sobre a reportagem que acusava o governo brasileiro de destinar recursos para uma obra que já havia sido concluída com o objetivo de financiar terroristas palestinos: “Dois dias depois que a gente publicou o texto dizendo que a obra estava acabada, que tudo já estava pronto, os camaradas trocaram a placa na Palestina”, disse animado. “Eu tenho certeza de que isso foi uma reação ao que publicamos.” A placa mencionada por Gregório e citada na reportagem estava na porta da Basílica da Natividade, mostrando o prazo da primeira fase da reforma, que acabou em dezembro de 2017. Ela foi trocada, obviamente, quando a reforma entrou na fase dois. O curioso é que Gregório menciona a troca da placa pelo telefone, mas essa informação não consta nas publicações de seu site.

Ele defendeu seu trabalho e seu ponto de vista como uma “cosmovisão”: “Tudo que eu publico, se tiver minha cosmovisão, se tiver meu modo de olhar esse mundo, desse fato, pode ser chamado de fake news, porque não está na mídia mainstream”. Emendando uma frase na outra, ele disse que não quer ser o MBL, o movimento de direita conservadora. “Os diários que eles inventam têm realmente uma cara de fake news. Sabemos que algumas coisas que a gente publica também podem causar estranhamento, mas é porque a gente está vendo um ponto que a grande mídia não olha.” Ele contou ainda que o vídeo com o complô terrorista foi feito por Roberto Grobman, um dos quase 80 colunistas que escrevem para o site gratuitamente. “Essas pessoas acham que o Gospel Prime vai ser a vitrine do pensamento delas.” A equipe fixa, segundo Gregório, é formada por ele e mais três pessoas, das quais somente duas são formadas em jornalismo. Nenhum teve experiência prévia com a profissão.

Perguntei se parlamentares já ofereceram dinheiro para que reportagens a seu favor fossem publicadas. Ele fez uma longa pausa e retomou: “Olha, sempre tem, mas não é interessante para nós”. Finalizou a conversa sem dar mais detalhes e afirmou que “tenta” não se envolver financeiramente com políticos.

Não é bem assim. Seis notas fiscais emitidas pelos gabinetes dos deputados Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ) e Geovania de Sá (PSDB-SC), ambos da bancada evangélica, mostram que os parlamentares usaram dinheiro da cota parlamentar para pagar por textos publicados no Gospel Prime entre 2015 e 2016. Cada um custou R$ 250. Os conteúdos eram elogiosos ou visavam repercutir falas polêmicas dos congressistas. “Sóstenes Cavalcante é o deputado mais atuante do RJ” foi publicada em julho de 2015. “Bolsa Família não deveria tornar beneficiários dependentes, diz Geovania de Sá” é de abril de 2016.

Segundo Gregório, o faturamento do Gospel Prime vem de plataformas de propagandas on-line: “Ganhamos com publicidade do Google. A gente tem uma empresa que gerencia a publicidade, também vendemos publicidade direta, mas é pouco. É mais a publicidade que o próprio Google faz a negociação”. De fato, há anúncios dispostos no site por meio da plataforma de publicidade da gigante de tecnologia.

Ele se refere à corrida do ouro digital chamada clickbait (em português, “caça-clique”). Redes como Google e Facebook monitoram os interesses de seus usuários a partir do que cada um curte, compartilha, segue ou busca. Usando os dados disponíveis nas redes, nos computadores e nos smartphones, as plataformas conseguem filtrar os internautas por grupos de interesse. Quanto mais afunilados os filtros — por exemplo, selecionar apenas pessoas que pesquisaram ou curtiram um clube de futebol específico —, maior a garantia de efetividade do investimento em publicidade. Além desse filtro, essas empresas também fazem a ponte entre os anunciantes e os donos de sites onde esse tipo de publicidade será exposta. O pagamento é feito por clique no hiperlink, daí vem o nome caça-clique. Seguindo essa lógica, sites de fake news se inscrevem em plataformas de venda de anúncios e, em busca do maior número de cliques possível, fazem manchetes e textos sensacionalistas de forma a atrair o leitor desavisado.

Ter páginas nas redes sociais é importante para fidelizar a audiência. Uma vez criado o perfil na rede, esses sites se conectam a pessoas reais populares, que compartilham seu discurso levando o link a novos leitores, dessa vez com uma chancela dada pela figura pública reconhecida. Exatamente como, no caso do Gospel Prime, o deputado Takayama fez em seu vídeo.

A criação de redes entre sites e perfis divulgadores de fake news dá ao internauta a falsa impressão de que o assunto está sendo repercutido, quando, na verdade, muitas vezes é o mesmo autor ou o mesmo e pequeno grupo de autores trocando a bola entre si. Isso, aliado à estratégia de publicar um vasto material verídico com uma informação errada misturada no meio, traz uma falsa sensação de credibilidade, que leva a pessoa a confiar — e clicar — mais naquele site. O Gospel Prime, por exemplo, não publica única e exclusivamente informações falsas, mas, de vez em quando, solta pérolas como a dos terroristas palestinos ou a de um cientista que colocou em xeque a Teoria da Evolução (que, na realidade, acabou demitido).
ÉPOCA questionou o Google sobre o funcionamento de sua plataforma de propagandas, perguntando se é possível um anunciante saber se sua marca está sendo divulgada em um site que publica notícias falsas. Em nota, a empresa informou que atualizou suas diretrizes em novembro de 2016 “para impedir que publishers exibam anúncios do Google em conteúdos enganosos” e que as medidas adotadas com aqueles que agem contra a política da empresa vão desde avisos até a retirada da plataforma, “dependendo da gravidade da violação”.

Questionado sobre sua participação no sustento de um site que publica informações falsas, o deputado Sóstenes Cavalcante afirmou que desconhece as “supostas” fake news mencionadas por ÉPOCA e que não tem “vínculos com o portal Gospel Prime, nem com qualquer outro veículo de comunicação”. “Em 2015, e apenas em 2015, foram divulgadas algumas das minhas atividades parlamentares no portal Gospel Prime. A divulgação ocorreu de forma legal, seguindo as regras, o protocolo e as exigências da Câmara em relação ao uso da cota parlamentar, como pode ser checado no portal transparência da Casa”, disse o parlamentar, declarando ser contra a divulgação de notícias falsas. “Não compartilho qualquer tipo de informação que não tenha sua veracidade verificada”, garantiu. Até a conclusão desta edição, a deputada Geovania de Sá não havia respondido aos contatos da reportagem.

Durante dois meses, ÉPOCA escrutinou os maiores sites de notícias falsas do Brasil. O levantamento teve como base os bancos de dados do Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas para o Acesso à Informação da Universidade de São Paulo (USP) e do Laboratório de Imagem e Cibercultura da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), com os sites noticiosos mais compartilhados por brasileiros nas redes sociais. Entre os mais de 200 sites listados, foram encontrados 69 veículos com conteúdo suspeito. Depois de uma análise que avaliava a frequência com que publicavam informações erradas e se alguma errata era publicada, examinou-se a audiência pelo número de acessos mensais entre outubro de 2017 e março de 2018. Chegou-se ao resultado dos dez maiores divulgadores de boatos na internet brasileira.

Os donos das fábricas de boatos do Brasil são pessoas desconhecidas, que em sua maioria usam o anonimato como proteção. Além de David Gregório, do Gospel Prime, os demais perfis reúnem donos de empresas-fantasmas, jovens em busca de dinheiro fácil e até mesmo pessoas diagnosticadas com esquizofrenia. Há gente sem interesses políticos claros, com objetivos puramente econômicos, que buscam converter cliques em dólares amealhados por manchetes sensacionalistas, iscas para os incautos. Há também os que querem influenciar escolhas políticas. Todos os matizes ideológicos estão presentes: dos discípulos de Lula aos devotos de Bolsonaro.

Na véspera da prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o Imprensa Viva afirmou que a presidente do Supremo Tribunal Federal, ministra Cármen Lúcia, o salvaria da cadeia. A realidade foi outra: ela proferiu o voto de minerva que condenou Lula. Já o Falando Verdades afirmou que uma comissão internacional condenou o governo brasileiro pela prisão de Lula. A comissão não existe.

Lula é um dos alvos favoritos das fake news. Desde outubro de 2016 segue exposta na internet uma falsa acusação de que ele teria US$ 108 milhões em Luxemburgo. O conteúdo — uma miscelânea de recortes e colagens da Wikipédia misturada a puras invencionices — foi inicialmente publicado no blog sofadipobre, mas é repercutido de tempos em tempos por outros sites divulgadores de notícias falsas. O texto afirma que a Polícia Federal, em conjunto com a Interpol, o FBI e “outros”, teria encontrado uma “poupança” com a fortuna, que pertenceria a Lula, mas que “não existe US$ 0,01” em seu nome. Neste ano, a mentira ressuscitou em publicações dos sites Jornal do País e Pensa Brasil. Os dois ficaram de fora do ranking de ÉPOCA porque seus índices de audiência, apesar de altos, não foram suficientes para chegar ao top 10. O Jornal do País tem uma audiência média de 200 mil cliques por mês e o Hoje Notícias 400 mil acessos mensais. Mas a nota de corte para entrar nessa lista é a do 10o colocado: o Folha Política tem uma média de 516 mil acessos por mês.

As fake news se tornaram assunto debatido mundialmente a partir da escandalosa revelação de uma fábrica de mentiras favoráveis a Donald Trump durante a eleição americana. Os “Veles boys”, como ficaram conhecidos — em referência à pequena cidade de 45 mil habitantes da Macedônia, onde habitam —, são jovens que criaram mais de 140 sites e enriqueceram à custa de quem acreditava em suas invencionices, publicadas nas semanas finais da corrida eleitoral de 2016. “É claro que ganhei dinheiro publicando notícias falsas, mas o Google ganhou mais”, afirmou o adolescente que se apresenta como Christian em entrevista gravada para o documentário Fake News – Baseado em fatos reais.

Se a maioria das informações divulgadas nos sites dos garotos da Macedônia era pró-Trump, não significa que eles de fato apoiavam aquele que veio a se tornar presidente. Faziam isso porque era o que lhes rendia mais dinheiro. Apoiadores de Trump compartilhavam mais os links de seus sites e, em um ciclo vicioso, quanto mais os eleitores republicanos clicavam nas publicações, mais mentiras pró-Trump os garotos de Veles produziam e mais eles lucravam. Nas declarações de Christian gravadas para o documentário, ele conta que a mesma estratégia foi testada com eleitores dos opositores de Trump, sem sucesso, e chama de estúpidos aqueles que votaram no magnata.

A versão brasileira dos Veles boys se encontra em Porto Alegre. Assim como no caso internacional, para eles a política e o jornalismo são secundários. O foco está nos cliques. A quitinete de aproximadamente 40 metros quadrados de Matheus Agranonik, de 28 anos, é a típica descrição de uma residência universitária: ao lado da porta, um quadro do “Poderoso Chefão” Vito Corleone, um porta-chaves dos Beatles e muita bagunça. Sobre a pia, entre a pilha de louças sujas, há uma grelha de churrasco intocada. Na mesma mesa onde está o computador de última geração — acompanhado de teclado, mouse e suporte típicos para jogar videogames —, há um cinzeiro, um pacote de preservativos e algumas das inúmeras garrafas de bebida alcoólica que se espalham pelo apartamento.

Esse é o local de trabalho do dono do Virgulistas, o 2o colocado da lista: 1,8 milhão de acessos por mês, em média. Entre baforadas de cigarro, ele contou como criou uma plataforma (que chama de network) de produtores de conteúdo (que chama de publishers), influenciadores digitais que atraem cliques para seus sites. Alguns perfis de publishers, como youtubers famosos, segundo Agranonik, foram comprados pela network para divulgar seus links.

Além do Virgulistas, o grupo tem sites de humor, esportes e entretenimento. Ele garante que o trabalho de gerenciar mais de 30 páginas de Facebook é árduo. Não por causa dos textos, que também são terceirizados. Seu esforço principal é o monitoramento das publicações produzidas por terceiros em suas páginas e dos números de audiência. “Meu negócio deu tão certo que parei, agora sou empresário”, disse. Ele abandonou a faculdade de contabilidade para cuidar do site. Segundo afirmou, o faturamento bruto foi de R$ 500 mil em dezembro. Ficou com 20% e repassou 10% para o sócio, que se chama Thiago e mora no Rio de Janeiro. Agranonik explica que o dinheiro vem majoritariamente do Audience Network, a plataforma de anúncios do Facebook, que permite a monetização de publicações.

Entre as notícias falsas publicadas pelo Virgulistas, se destaca a manchete “Lutadora de vale-tudo enfrenta adversária trans e morre”. A postagem utiliza uma foto do enterro de Napadol Wongbandit, policial de Bangcoc que foi atropelado em 2015 por uma atriz naturalizada britânica, chamada Anna Reese. Fora do contexto, a imagem vem acompanhada de um texto afirmando se tratar do velório da suposta lutadora, que não existe em nenhum dos rankings especializados de MMA.

“O foco não está no jornalismo ainda”, justificou Matheus. Ele conta que o objetivo dos textos é reproduzir conteúdos polêmicos publicados em outros sites, atraindo muitos cliques sem checagem de informação, apenas com uma edição que repagine “até 80%” do que foi escrito. Para produzir o conteúdo são contratados freelancers em plataformas on-line de oferta de emprego temporário. Os redatores recebem por texto escrito. “É pouco, porque o nosso foco é assim... Eles ganham mais na quantidade. Já que não é nenhuma matéria desenvolvida, eles conseguem escrever um texto em 15 a 20 minutos, a gente pede de 400 a 500 palavras”, afirma. Um produtor de conteúdo para o Virgulistas, segundo Agranonik, ganha no máximo R$ 3 mil mensais. “São pessoas que querem ter uma renda extra. Nenhum é formado em jornalismo.”

ÉPOCA procurou o Facebook para que explicasse o funcionamento do Audience Network, serviço que, segundo o dono do Virgulistas, foi sua principal fonte de faturamento. A plataforma leva anúncios que já existem dentro do ambiente virtual do Facebook para sites de conteúdo que tenham páginas na rede. O serviço começou a ser disponibilizado no Brasil em setembro de 2017. Verificando, porém, a existência de páginas e sites com notícias falsas, a rede suspendeu novas entradas no serviço em vários países, entre eles o Brasil, no início deste ano. Contratos antigos seguirão ativos apenas até o prazo previamente contratado. “Estamos trabalhando para reduzir os incentivos econômicos por trás de notícias falsas e desenvolvendo novos produtos para reduzir a propagação de conteúdos enganosos na plataforma. Além disso, estamos trabalhando com acadêmicos, agências de checagem e especialistas em iniciativas para ajudar as pessoas a tomar decisões mais conscientes sobre o conteúdo que elas consomem”, afirmou a empresa, por e-mail.

A reportagem também questionou a companhia sobre sua responsabilidade dentro de uma dinâmica sistêmica de disseminação de mentiras e de lucro a partir delas. Em nota, a empresa afirmou estar combatendo esse tipo de publicações. “Sabemos que muitas notícias falsas têm motivação financeira, a partir de anúncios em sites que utilizam estratégias de ‘caça-cliques’ ou spam para atrair pessoas. No ano passado, atualizamos a plataforma para que as pessoas vissem menos posts no Feed de Notícias que levassem para sites com conteúdo de baixa qualidade e um grande número de anúncios programáticos”.

O professor da USP Pablo Ortellado, coordenador do Monitor do Debate Político no Meio Digital, não gosta de usar os termos “site de fake news” ou “fábrica de mentiras”, argumentando que nenhum site publica única e exclusivamente notícias falsas por uma questão estratégica: quando um site divulga muitas notícias erradas seguidas, logo perde a credibilidade e, com ela, a audiência. Ele entende que, como no caso das eleições americanas, existem veículos que se aproveitam da polarização da política nacional para divulgar informações de maneira irresponsável. No entanto, acredita que, no Brasil, os que fazem isso por motivações ideológicas são em número muito maior do que aqueles que, como o Virgulistas, só querem lucrar com os cliques. “Os mais relevantes são os que fazem informação de combate, são chamados de ultrapartidários e ultraengajados. Fazem um recorte conveniente das situações, simulam um formato de texto jornalístico para passar imagem de credibilidade, usam manchetes sensacionalistas e, eventualmente, publicam boatos e mentiras apresentadas como fatos.” Segundo ele, a prática costuma revelar a agenda política de cada site. “Repercutem uma informação sem checar só quando interessa a eles, mas, quando é contra alguém que eles defendem, o rigor é lá em cima.”

Ortellado aponta um casal como os donos de uma das maiores concentrações de sites que divulgam notícias falsas do país: Thais Raposo do Amaral Pinto Chaves e Ernani Fernandes Barbosa Neto. Ambos administram uma rede de sites conhecida como RFA, responsável por boatos como “Leonardo Sakamoto recebe mais de R$ 1 milhão para chamar opositores de mercenários” e “Delegado alerta para falso atentado contra Lula que estaria sendo articulado pelo MST”. O principal site da rede se chama Folha Política.

A foto do perfil de Ernani Fernandes no Facebook é um retrato do juiz Sergio Moro com os dizeres “Todo apoio a Sergio Moro!”. A imagem de capa da página é uma manifestação de pessoas vestidas com as cores da bandeira brasileira, onde se podem ver os bonecos infláveis de Lula e Dilma caricaturados ao lado de uma faixa enorme com os dizeres “Impeachment já”. Os compartilhamentos feitos pela página, que está sem publicar nada desde abril de 2017, são replicações de uma segunda página, chamada Movimento Contra Corrupção, que continua ativa e operante. Nas duas está indicado que a autoria e administração dos espaços são da “Rede RFA”.

Três outras contas — essas de caráter pessoal, com poucos amigos e conteúdo bloqueado — levam o nome de Ernani. Em duas delas só é possível ver as fotos de perfil: nas imagens, o rapaz de 30 anos, cabelos longos, braços inchados e regata é visto com uma menina no colo. A terceira conta é mais antiga, mostra Ernani em sua versão mais jovem e mais magra, com cabelos curtos e espetados para o alto. É essa a conta que sua mulher vincula quando publica fotos da família. Em seu perfil, Thais informa ter se formado em Direito na USP em 2013. Mais velha, ela informa ter concluído o ensino médio em 1991, dois anos após seu parceiro ter nascido. Seu cadastro na OAB-SP está ativo desde 2014. Uma pesquisa na Biblioteca Virtual da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) informa que Thais já recebeu bolsas de mestrado e doutorado em letras, entre 1997 e 2000. Em seu Facebook, ela marca o marido em publicações em que se pode conhecer a filha do sorridente casal desde a primeira ultrassonografia. Liginha comemora 5 anos de idade neste ano.

No site Folha Política, porém, Lígia Ferreira é uma “analista de sócio-mecanismos” e autora de textos como a notícia falsa “Lula admite que mentia e usava dados falsos quando era oposição”. O Folha Política — que não tem qualquer ligação com o Grupo Folha, que controla o jornal Folha de S.Paulo — foi o site que veiculou a mentira sobre o jornalista Leonardo Sakamoto. Blogueiro do UOL — este, sim, um site que faz parte do grupo editorial Folha —, Sakamoto recorreu à Justiça para entender quem havia pago pela promoção do link com as calúnias a seu respeito na internet. Documentos produzidos em 2016 por ordem judicial sugeriam que um anúncio no Google pago pela JBS promoveu a exposição do texto difamatório. A empresa da família Batista, dona de frigoríficos e envolvida em escândalo após ser o centro de denúncias contra o presidente Michel Temer, negou as acusações.

Em suas páginas nas redes sociais e no próprio site, o Folha Política anuncia ser gerenciado pela “Rede RFA — Raposo Fernandes Associados”, nome criado pela união dos sobrenomes de seus dois donos. No banco de dados públicos da Receita Federal há duas empresas registradas nos nomes do casal: a Raposo Fernandes Marketing Digital Ltda. e a Novo Brasil. ÉPOCA esteve nos endereços registrados nos cadastros das duas empresas. A Raposo Fernandes tem seu CNPJ registrado em um número da movimentada Avenida Interlagos, na capital paulista. O endereço, o mesmo informado por Thais no Cadastro Nacional de Advogados, leva a um quiosque metálico que mais se assemelha a uma banca de jornal fechada. O plástico rasgado do pequeno letreiro luminoso pendurado no telhado informa que ali era um consultório dentário. A tela metálica que serve de porta está fechada e degradada. O local tem sinais claros de abandono. A poucos minutos de caminhada está o endereço registrado pela Novo Brasil. No condomínio residencial Vila Inglesa, um dos funcionários, que pediu para não ser identificado, informa que ninguém frequenta o apartamento procurado, que ele está vazio e que não há qualquer empresa funcionando ali. Também diz que a única coisa que chega são encomendas, recolhidas diretamente na portaria por Ernani.

Em uma ligação para o telefone de Thais registrado no Cadastro Nacional de Advogados da OAB, gravada, ela me atende e, após me identificar como repórter de ÉPOCA, confirma ser sócia das duas empresas registradas em seu nome. Questionada se a Raposo Fernandes Marketing Digital é a mesma Raposo Fernandes Associados que comanda inúmeras páginas nas redes sociais, ela desconversa: “Ih, querida, eu já estou de saída, tenho de ir buscar minha filha na escola”. E desligou.

Se é difícil encontrar um endereço físico da RFA, não faltam endereços virtuais. No Facebook há, pelo menos, 14 páginas que informam ser geridas pela empresa. Além do Folha Política, estão nessa relação as páginas Gazeta Social, TV Revolta, Ficha Social, Correio do Poder, Política na Rede e Movimento Contra Corrupção, entre outras.

A conta oficial do ator e pré-candidato a deputado federal Alexandre Frota (PSL) no Facebook também traz a informação de que é “administrada pela Rede RFA, Raposo Fernandes Associados”. A página compartilha frequentemente as publicações dos sites ligados ao grupo. ÉPOCA procurou o ator para comentar sobre a escolha da RFA para gerenciar suas redes sociais. Respondeu por e-mail que quem administra sua carreira e seus negócios é Cleber Teixeira, indicado pelo partido como seu assessor de imprensa. “Confio e tenho uma equipe muito boa comigo e tenho parcerias com diversos sites”, afirmou Frota. Questionado sobre as informações erradas que o Folha Política e os demais sites do grupo RFA publicam, disse desconhecer qualquer condenação que levasse a RFA a pagar indenizações.

Entre as publicações do Imprensa Viva há, por exemplo, uma notícia falsa sobre a Procuradoria-Geral da República querer investigar o “passado terrorista” da ex-presidente Dilma Rousseff. Ao longo dos dois meses de reportagem, ÉPOCA encontrou seis páginas no Facebook que informavam ser ligadas ao site, com o link em suas descrições de autoria. Apenas uma delas, Fora PT Comunistas, tem uma conta pessoal vinculada. É a página com menos seguidores, apenas 14, e foi tirada do ar logo após a prisão de Lula, voltando à ativa na semana desta publicação. A foto de perfil da página Fora PT Comunistas é a bandeira do Brasil, e a imagem de capa mostra os retratos de Jair Bolsonaro e do general Antonio Hamilton Mourão. Sua declaração de autoria leva a dois perfis registrados no mesmo nome: Heleodoro Santos, sargento reformado, morador de Porto Alegre.

Documentos processuais levantados pela reportagem apontam que o terceiro-sargento reformado Heleodoro Pinto dos Santos está no centro de uma disputa judicial. A família já entrou com inúmeros pedidos de interdição de Heleodoro, diagnosticado com esquizofrenia. Em um dos processos, o voto assinado pela desembargadora federal Vivian Josete Pantaleão Caminha conta que, “pelas conclusões da perícia realizada, o autor é portador de esquizofrenia paranoide; necessita de tratamento continuado e necessita de supervisão relativa”.

Não há qualquer informação no site do Imprensa Viva sobre quem compõe sua equipe, nem telefone de contato, o que impede a verificação de seus autores. A única forma de comunicação é uma caixa de mensagens por escrito, que não respondeu ao pedido de informação feito pela reportagem. Os dados de registro do domínio também são protegidos por um serviço de privacidade, o que impede a localização de qualquer outro nome ligado ao site. A reportagem tentou contato com Heleodoro, sem retorno nos e-mails e nos telefones informados em suas seis contas.

Dentro do grupo dos sites de fake news com interesse político inclinado à direita, O Diário Nacional é abertamente vinculado ao Movimento Brasil Livre. Quando a caravana que levava o ex-presidente Lula pela Região Sul do país sofreu um atentado, O Diário Nacional repercutiu o texto do site O Antagonista afirmando que, segundo “autoridades”, “os disparos devem ter sido feitos a curta distância e com os veículos parados”. A verdadeira perícia concluiu que os tiros foram feitos a cerca de 19 metros de distância. Jornalistas que estavam dentro do ônibus testemunharam a ação e afirmam que ele estava em movimento na hora dos disparos.

Os sites investigados nesta reportagem têm como regra insistir nas notícias falsas e ignorar retificações. Recentemente, o Papo TV publicou que os militares da intervenção federal no Rio de Janeiro teriam “licença para matar”, uma informação contestada pelo então ministro da Secretaria-Geral de Governo, Moreira Franco, que afirmou se tratar de uma “ideia ideológica de quem intrinsecamente é capaz de praticar isso”. O texto sobre a licença para matar segue on-line e sem errata no site. Também permanecem dispostos, ali, boatos de que o atentado contra a comitiva do ex-presidente Lula era falso e que teria sido “combinado com os sem-terra”.

Nenhum dos textos tem assinatura e não há, no portal, registros sobre qualquer integrante da equipe. Dentro da seção de contato, o Papo TV informa apenas um e-mail, que não respondeu às mensagens enviadas. Há, também, um longo texto sobre as “políticas do site” em que explica que o conteúdo “NÃO constitui recomendações políticas, financeiras, fiscais, legais, jurídicas, contábeis ou de qualquer outra natureza” e que suas informações “não devem ser interpretadas como definitivas”.

Ainda à direita encontra-se o News Atual, de onde saiu a pérola “Cubazela”: aparentemente, Lula teria a intenção de mudar o nome do Brasil para essa peculiar palavra. Entre os 650 mil leitores mensais do site está o ex-ministro do Desenvolvimento Social Osmar Terra. ÉPOCA pediu ao hoje pré-candidato à reeleição na Câmara dos Deputados para se pronunciar sobre por que segue a página. Ele não respondeu até a conclusão deste texto.

O dono do News Atual é Alteni Amaral da Silva, que mora em São Paulo. No início da conversa com a reportagem, afirmou que cuidava de todas as publicações sozinho, mas depois disse que se pauta por um “grupo de WhatsApp com umas dez pessoas” que produzem o material divulgado. Quando questionado sobre a checagem da veracidade das informações divulgadas, ele disse que não poderia mais falar porque estava “muito ocupado trabalhando” e desligou.

Assim como os pares da direita, o site Falando Verdades repercutiu a informação publicada originalmente pelo SBT sobre a suposta condenação do governo brasileiro por uma comissão internacional em razão da prisão de Lula. O site está registrado em nome de Victor Javier Furtado Ventura, mas, quando ÉPOCA tentou contato com o telefone registrado no CNPJ referente à empresa, uma senhora atendeu a ligação e informou apenas que aquela era a casa da tia de Victor e que ele estaria viajando. O site de seu sobrinho tem uma média de 940 mil leitores mensais — entre eles o deputado federal Paulo Teixeira (PT-SP) e o ex-jogador de futebol Juninho Pernambucano — e já publicou uma lista de universidades públicas que iriam fechar as portas. O deputado Paulo Teixeira afirmou, via assessoria, que “tem a prática de seguir de volta os seguidores que o acompanham no Twitter (a não ser perfis totalmente automatizados ou ‘ciborgues’)” e questionou a confiabilidade dos perfis seguidos por ÉPOCA no Twitter, afirmando que vários “se enquadram na categoria de fakes ou contas desativadas”. Também disse que “o referido site” não faz parte dos canais que utiliza como fonte de informação e que “nenhuma postagem” do Falando Verdades foi compartilhada por ele.

Ainda no campo de esquerda, o Click Política foi outro a dar publicidade à nota da suposta Comissão União Europeia-Mercosul. O domínio é registrado no nome de João Antônio Marques da Nóbrega e Silva, mas a única empresa em seu nome se chama Livraria e Papelaria Santa Teresa de Jesus e fica em Sousa, no interior da Paraíba. Em resposta ao e-mail enviado, João afirmou que não responderia por telefone “haja vista da rotina atribulada da redação”. O endereço do registro de seu CNPJ leva a um prédio de dois andares e com apartamentos de varandas amarelas, sem qualquer placa indicando a existência de uma redação ou de uma livraria.

O professor da Universidade Federal do Espírito Santo Fábio Malinie, coordenador do Laboratório de Estudos sobre Imagem e Cultura, explica a importância das plataformas de publicidade para sites de fake news. “Essas plataformas hoje viraram a coluna vertebral econômica de sites que distorcem informação. É um modelo perfeito para empresas digitais. Esses sites puxam anunciantes que muitas vezes não sabem que suas propagandas estão inseridas ali.” Para o especialista, a questão central não é em torno da produção de informações falsas — algo que já era feito antes mesmo do advento da internet —, mas, sim, a “cultura caça-cliques” de criação de textos jornalísticos e de busca pelo lucro.

ÉPOCA questionou o Tribunal Superior Eleitoral sobre a contratação de pessoas ou empresas envolvidas em fake news para trabalhar em campanhas de candidatos. Em nota, o presidente do TSE, ministro Luiz Fux, respondeu que “iniciativas que possam abalar as estruturas da convivência democrática, como a manipulação informativa no intuito de degradar a imagem e a honra de candidatos legítimos, tornaram-se uma das maiores preocupações da Justiça Eleitoral nestas eleições”. Ele lembrou que foi formado um Conselho Consultivo, do qual fazem parte o Ministério Público Federal e órgãos de inteligência, para mapear esse fenômeno e propor o aperfeiçoamento de normas, “sem pôr em risco direitos fundamentais, como a liberdade de expressão e de informação e o devido processo legal”.
Helena Borges, na Revista Época
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quarta-feira, 25 de abril de 2018

A Amazônia é o novo Rio



E isso não é um elogio: na rota do tráfico internacional de drogas, alguns estados brasileiros estão se transformando em polos de violência e medo

Moradores com pavor de sair às ruas à noite. Bares e restaurantes que fecham as portas cada vez mais cedo. Territórios dominados pelo crime organizado. Isso lembra um certo estado sob intervenção federal? Infelizmente, esse cenário desolador está longe de ser uma exclusividade do Rio de Janeiro. O Amazonas é hoje o exemplo mais bem-acabado do processo de carioquização por que passam estados brasileiros que entraram na rota do tráfico internacional de drogas — além do Amazonas, Acre, Rondônia e Ceará.

Em Manaus, o conjunto habitacional Viver Melhor é a síntese de como a tragédia do Rio se replica no país. Erguido há seis anos por meio do programa Minha Casa Minha Vida, o residencial praticamente já se funde com uma favela que brotou ao lado. Somados os números de moradores dos apartamentos e dos barracos quase contíguos, são 70?000 as almas que habitam o local, a maioria egressa de áreas de risco ou de invasões nas bordas de rios e igarapés da região. Da mesma forma que o bairro Cidade de Deus — que nasceu no Rio como alternativa de reassentamento para famílias retiradas dos morros cariocas —, o residencial do Amazonas converteu-se em um terreno fértil para o tráfico. A facção criminosa Família do Norte (FDN) assumiu o controle do local. Trata-se, literalmente, de crime organizado: cada um dos blocos com quatro prédios de quatro andares está hoje entregue ao comando de um gerente do tráfico.

Já no Acre e em Rondônia, que fazem fronteira com a Bolívia, é o Primeiro Comando da Capital (PCC) que dá as cartas. Vendedor exclusivo da droga boliviana no Brasil, o PCC controla a faixa de fronteira que se estende para o sul, até o Paraguai. Em Porto Velho, a organização conquistou o mais emblemático dos conjuntos habitacionais da cidade. O Orgulho do Madeira, como é chamado o residencial erguido com financiamento do governo federal, reúne 7?000 moradores e é um antigo conhecido do sistema de execução penal de Rondônia. Nas telas de monitoramento de presos com tornozeleira eletrônica, o Orgulho do Madeira aparece como uma mancha em destaque.
“Ali moram quase todos os bandidos rastreados pelo aparelho”, conta o secretário de segurança, Lioberto Caetano de Souza. Aos moradores que não têm conexão com o crime restam apenas duas opções: submeter-­se às regras da facção ou abandonar seu apartamento, que depois será ocupado pelos criminosos. Além da Amazônia, a tomada do controle de residenciais destinados à população de baixa renda já foi identificada em Cuiabá, Fortaleza e Rio de Janeiro.

O Ceará entrou na rota dos criminosos por ser o lugar a partir do qual a droga segue para a Europa. No mês passado, o medo se instalou em diversas cidades, incluindo a capital, Fortaleza. Setenta veículos foram incendiados e uma série de prédios públicos, atingidos por coquetéis molotov. Era um recado de bandidos presos às autoridades locais: não aceitariam a instalação de bloqueadores de celular nos presídios. Na disputa, que já se arrasta por dois anos, o crime tem levado vantagem. Em 2016, o PCC chegou a estacionar um carro-­bomba em frente à Assembleia Legislativa do Ceará para intimidar os deputados que votariam uma lei para regulamentar o bloqueio. As autoridades cearenses não assumem, mas até as conchas da Praia de Iracema sabem que os bandidos conseguiram o que queriam. Prova disso é que os bloqueadores jamais foram instalados onde deveriam. Com o Ceará transformado em palco de uma guerra de facções que disputam o controle do tráfico na região — estão na briga PCC, Comando Vermelho, Guardiões do Estado e FDN —, Fortaleza tornou-se a capital mais violenta do Brasil.

A Organização das Nações Unidas reconhece o Brasil como o segundo maior mercado mundial de cocaína, atrás apenas dos Estados Unidos. No que se refere ao crack, droga ainda mais brutal e agressiva, nosso país é líder. As projeções de consumo mostram que o negócio gera um faturamento estimado de 34 bilhões de reais. Se fosse uma única empresa, o tráfico de drogas estaria entre as dez maiores companhias brasileiras. Para competirem nesse mercado bilionário, os criminosos lançam mão de armas variadas — e o medo é uma delas. Ele ajuda a explicar, por exemplo, o que ocorreu no Estado do Amazonas em 2 de janeiro de 2017. Naquele dia, as páginas do noticiário foram tomadas por manchetes sobre a execução de 56 homens no interior do Complexo Penitenciário Anísio Jobim, em Manaus. Os criminosos da FDN fizeram questão de filmar e difundir, por meio do Whats­App, as cenas da selvageria, que tiveram como vítimas preferenciais os integrantes do rival PCC. Um delegado que esteve no interior da prisão descreveu o que encontrou: piso tingido de sangue, cabeças decepadas pelo chão, vísceras expostas e até um coração, que fora arrancado de uma das vítimas, jogado em um dos corredores. Qual seria o motivo da crueldade? Na guerra pelo controle do tráfico de cocaína na Amazônia, a tática de expor publicamente “troféus humanos” virou uma prática tão comum quanto mostrar os dentes para o adversário.

A violência transborda para muito além das facções. Em 2016, foram registrados mais de 61?000 assassinatos no Brasil. VEJA ouviu secretários de Segurança, delegados especializados em investigar homicídios e policiais de uma dezena de estados. Todos afirmaram que o tráfico de drogas é o principal impulsionador dos homicídios no Brasil. São homens e mulheres abatidos em lutas de quadrilhas, em crimes de acerto de contas ou vítimas colaterais das organizações movidas a cocaína. Em Rondônia, estado que tem um dos melhores índices de elucidação de homicídios do país, a estimativa dos agentes de segurança é que, naquela porção da Floresta Amazônica, 90% das mortes tenham vínculo com o tráfico. “O crime mudou. O padrão que marcou a ocupação da fronteira, que era de mortes por rixas, pistolagem, questão fundiária e brigas em garimpo, deu lugar aos crimes do tráfico”, afirma o delegado de homicídios Carlos Eduardo Ferreira, que há mais de três décadas atua na região.

Uma descoberta recente ajuda a mapear a dimensão do problema. Em 2017, os satélites do Sistema de Proteção da Amazônia (Sipam) detectaram no lado peruano da fronteira uma área desmatada de 9?000 hectares. Seria algo irrelevante no contexto da devastação medida anualmente na Floresta Amazônica. Ao processarem essas imagens, porém, os técnicos brasileiros chegaram a um diagnóstico assustador. Na amostra, detectaram-se lavouras de coca com o potencial de produzir 270 toneladas de cocaína por ano. Pela localização, é certo que essa produção em escala monumental escoa apenas por um caminho possível: os rios amazônicos. Escondida em navios de carga e de passageiros, a droga vai parar nas mãos das organizações criminosas que hoje aterrorizam o país e transformam áreas até há pouco pacíficas em caldeirões de sangue.
“O Estado levou um monte de pessoas para áreas remotas e as deixou nas mãos de bandidos”, diz o delegado Guilherme Torres, diretor do Departamento de Repressão ao Crime Organizado da Polícia Civil do Amazonas. A nascente do problema que deságua no Brasil em forma de morte e tragédia está do lado de lá das fronteiras nacionais, e, enquanto ela não secar, qualquer tentativa de combater o crime organizado e seus efeitos deletérios será inútil. Enquanto a polícia tenta enxugar o gelo, uma parte cada vez maior do Brasil arde nas chamas da violência.

Em 2016, o mundo celebrou o fim de uma das mais longas guerrilhas de nosso tempo. As Forças Armadas Colombianas (Farc) depuseram as armas, e seus mais de 7?000 combatentes entregaram parte de seu arsenal. Em janeiro de 2018, VEJA revelou, com base em documentos exclusivos, que alguns ludibriaram o acordo. As Farc conseguiram anistia e entraram para a legalidade ao mesmo tempo que alguns de seus ex-integrantes mantiveram o controle sobre o tráfico de drogas. Cerca de 1?000 ex-membros seguem cuidando do negócio da organização, a produção de drogas.

O ex-delegado federal Mauro Sposito, uma das maiores autoridades brasileiras em assuntos de segurança nas fronteiras, afirma que os “órfãos das Farc” já estão entre nós. Mais: ele diz que bastou a organização selar o acordo de paz para começarem a aparecer por aqui os primeiros fuzis nas mãos de traficantes. No fim de 2016, um delegado da Polícia Civil foi morto em uma operação. Os criminosos (por sinal, colombianos) traziam um fuzil AKM, uma atualização do AK47, reconhecido por especialistas como uma arma-padrão das Farc. Também foram recuperados fuzis FAL idênticos àqueles tirados de uso pelo Exército venezuelano. Como as marcações foram riscadas, é difícil saber com exatidão a origem do arsenal. Mas a Polícia Federal suspeita que as armas tenham sido contrabandeadas pelo regime chavista para os então guerrilheiros, que agora as vendem no Brasil ou prestam serviços como “freelancers” para as quadrilhas locais.

Em Rondônia, ao sul do Amazonas, só em 2017 apareceram os primeiros fuzis nas mãos dos bandidos. Segundo o delegado-geral da Polícia Civil, Eliseu Muller de Siqueira, a chegada dos fuzis acendeu uma luz vermelha: “Teremos de nos preparar para um novo padrão de violência que está por vir”.
Leonardo Coutinho, na Revista Veja

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terça-feira, 24 de abril de 2018

Al Capone, Lula e o preço dos menores pecados



O projeto de poder de Lula foi comprometido pelo fracasso de Dilma Rousseff. Nesse caso, ele cometeu um erro de pessoa, ou, mais propriamente, de poste

Como Al Capone, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi condenado pelo menor de seus crimes. Alphonse Gabriel Capone, uma das figuras mais sanguinárias e mais célebres da história criminal, foi para a cadeia por sonegação de impostos. Lula foi sentenciado por um caso de corrupção vinculado a um apartamento triplex no Guarujá. Seu segundo processo envolve um sítio em Atibaia. As histórias de ambos, muito diferentes em vários outros aspectos, têm uma curiosa semelhança: a enorme desproporção entre os males causados e os delitos imputados formalmente a seus autores.

Alguns poderão julgar um despropósito a comparação entre o bandido americano e o político brasileiro. Podem ter razão, se estiverem considerando as leis violadas em cada caso. Não há homicídio na história de Lula, nem uso da violência, nem prática rotineira da maior parte dos chamados crimes comuns. Mas as façanhas do líder petista são imensamente maiores que as do chefe mafioso, quando se levam em conta o alcance e os efeitos econômicos e sociais de suas ações. As barbaridades de Al Capone, suficientes para uma porção de filmes sensacionais, sempre tiveram caráter microeconômico, mesmo quando envolveram corrupção de autoridades.

Lula assumiu a Presidência em 2003 com um projeto de poder e um plano de governo subordinado a suas enormes ambições políticas. Foi capaz de perceber, ao contrário de muitos outros petistas, a importância política de promover ajustes e de controlar a inflação. Era preciso desarmar a desconfiança do setor privado.

Não havia, de fato, a herança maldita proclamada por petistas. As dificuldades eram explicáveis principalmente pela reação dos mercados a ameaças do PT. Figuras importantes do partido haviam prometido, entre outras bobagens, uma 'renegociação' ? de fato, um calote ? da dívida pública.

Aconselhado por Antônio Palocci, futuro ministro da Fazenda, Lula convidou o presidente do BankBoston, Henrique Meirelles, para dirigir o Banco Central (BC). Seria mais um avalista do governo. Durante o primeiro mandato a promessa de bom comportamento foi em parte cumprida. O BC combateu a inflação com aparente liberdade e a política fiscal foi conduzida com algum cuidado, apesar da expansão da folha de pagamentos. Nos oito anos de Lula, a despesa com pessoal e encargos do Executivo cresceu 135,6%, enquanto a inflação ficou em 56,6%.
Os crimes do mensalão só se tornariam assunto público a partir de 2005, mas sem atrapalhar a reeleição do presidente. Na política econômica nada foi feito para ampliar e consolidar a pauta de reformas nem se implantou uma estratégia efetiva de desenvolvimento.

Completada a primeira etapa, tudo começou a desandar, com o abandono da responsabilidade fiscal, as enormes transferências do Tesouro para o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), a política dos campeões nacionais, o aumento do protecionismo e a devastação das estatais. Com incompetência e irresponsabilidade incomuns, a presidente Dilma Rousseff completou o desastre, quase quebrando o Tesouro e levando o País à recessão.

O primeiro mandato de Lula, enfim, foi orientado inteiramente para consolidar, sem resistência nos mercados, o projeto de dominação. O aparelho federal foi submetido às ambições de poder do presidente. As condições para pilhagem das estatais foram um desdobramento dessa política. Petistas e aliados tomaram a administração federal como se fossem forças de ocupação. A devastação da Petrobras e de outras estatais foi parcialmente descrita nos informes da Operação Lava Jato e de outras investigações.

A conversão da Petrobras em instrumento da política industrial petista forçou a empresa a comprar insumos e equipamentos nacionais, mesmo quando muito mais caros que os importados. Comprometeu sua rentabilidade, reduziu seu potencial de investimento e, além disso, abriu espaço para troca de favores e corrupção.

A política de investimentos, subordinada às ambições, aos critérios políticos e à fantasia de liderança regional de Lula, jamais concretizada, favoreceu projetos como o da Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco. Deveria ter sido um empreendimento brasileiro e venezuelano. Nenhum centavo da Venezuela foi aplicado nas obras. Além disso, os custos, multiplicados por oito, chegaram à casa de US$ 20 bilhões.

Lula ostensivamente mandou na Petrobras, indicando diretores, influenciando seus planos, orientando seus investimentos e seus objetivos. Não há como disfarçar sua responsabilidade pelos desmandos na gestão da empresa, assim como é impossível desvincular seu nome da política de compadrio do BNDES. Basta examinar a lista de empresas beneficiadas e os nomes mais vistosos nos processos de corrupção.

Nunca se levaram a sério, nessa fase, os princípios constitucionais definidos para a administração pública no artigo 37: 'legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência'. A exigência de produtividade no serviço público foi sempre desqualificada como preconceito neoliberal.

Na versão mais complacente, os casos de corrupção ocorridos no Brasil durante a fase petista podem ser mais numerosos que os observados em outros países, mas são da mesma natureza. Esse é o grande engano. A corrupção brasileira, nesse período, foi vinculada essencialmente a um estilo de governo e, mais que isso, a uma forma de ocupação do aparelho estatal. Pode-se trocar a palavra ocupação, nesse caso, por apropriação ou mesmo por privatização da máquina.

Esse projeto de poder foi comprometido pelo fracasso da presidente Dilma Rousseff. Nesse caso, ele cometeu um desastroso erro de pessoa, ou, mais propriamente, de poste. Vitorioso o projeto, Lula nunca precisaria de escrituras ou de recibos para realizar sonhos de consumo ou de riqueza. Tudo viria, como veio por um tempo, como produto do poder.
Rolf Kuntz, em O Estado de S. Paulo
 
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segunda-feira, 23 de abril de 2018

A pobreza aumenta desde 2015 na América Latina



Pobreza e desemprego dificultam a Agenda 2030, aponta Cepal

A pobreza aumenta desde 2015 na América Latina e no Caribe, segundo a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal). Em 2017, mais de 187 milhões de pessoas ainda viviam na pobreza, ao passo que 62 milhões encontravam-se em condições de pobreza extrema. A situação mantém a região como a mais desigual do mundo.
Já o número de desempregados chegou a 22,8 milhões em 2017. As mulheres são as mais atingidas. Em 2016, a taxa de desemprego urbano foi de 7,9% no caso dos homens e 10,2% no das mulheres. Grupos como indígenas e afrodescentendes também sofrem com o desemprego e com limitações impostas pela discriminação, diz a Cepal.
Os dados constam do relatório Segundo Informe Anual sobre el Progreso y los Desafíos Regionales de la Agenda 2030 para el Desarrollo Sostenible en América Latina y el Caribelink 1  e foram apresentados dia 18, durante o Fórum dos Países da América Latina e do Caribe sobre o Desenvolvimento Sustentável.
O encontro, que ocorreu na sede da Cepal, no Chile, reuniu representantes de governos, instituições internacionais, setor privado, academia e da sociedade civil para discutir a implementação da Agenda 2030 na região.
Objetivos
A agenda foi adotada em 2015 e sintetiza os chamados Objetivos pelo Desenvolvimento Sustentável (ODS), metas que devem orientar políticas nacionais e atividades de cooperação internacional no caso dos 193 países que a subscreveram. Ao todo, são 169 objetivos, entre os quais erradicação da pobreza, redução das desigualdades, igualdade de gênero, adoção de padrões sustentáveis de produção e de consumo, garantia de cidades sustentáveis, proteção e uso sustentável dos oceanos e dos ecossistemas terrestres e crescimento econômico inclusivo.
O prazo para o que a Cepal considera uma agenda de transformação civilizatória, contudo, pode não ser suficiente para que a mudança ocorra. “Nos próximos anos, com as incertezas que ainda existem acerca do desempenho da economía mundial e à luz do baixo dinamisno recente da região (as taxas de crescimento se situam em torno de 1%), o desafio de cumprir com os objetivos do desenvolvimento sustentável se torna mais difícil”, destaca o relatório.
Diante dessa situação, a secretária executiva da Cepal, Alicia Bárcena, alerta que é preciso combater a desigualdade. “A desigualdade é o rosto dos privilégios. A cultura do privilégio é o que faz e naturaliza a desigualdade. E isso é o que tem que ser rompido”, disse na abertura da reunião multilateral.
Bárcena apontou que é preciso que os Estados desenvolvam políticas que contribuam para a concretização dos objetivos. “A única cifra de pobreza aceitável é zero, isso é o que diz a Agenda 2030”, disse. O relatório da Cepal aponta, nesse sentido, que devem ser desenvolvidas “importantes iniciativas nas áreas de arrecadação, redistribuição, fortalecimento de instituições e inovação em políticas públicas para atuar no campo social”.
Crise ambiental
Quanto à questão ambiental, a Cepal aponta que, desde a metade do século XX, o número de eventos extremos relacionados à mudança climática cresceu de forma constante. Na reunião os participantes destacaram que as mudanças climáticas têm favorecido a ocorrência de eventos extremos, como temperaturas extremas, inundações, deslizamentos, incendios e tempestades, os quais atingiram cerca de 160 mil pessoas nos últimos anos.
“O impacto desses eventos na população não é homogêneo. Por exemplo, estima-se que a perda econômica para a população que vive na pobreza é duas a três vezes maior do que para aqueles que não são pobres”, alerta o relatório da organização. Diante desses fatos, a Cepal defende políticas estruturais de adaptação e o estímulo ao crescimento pautado pelo baixo uso de carbono.
Agência Brasil

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