Em meio ao embate sobre o
discurso de ódio, grandes empresas - e também algumas pequenas - cobram
responsabilidade do Facebook
O repúdio à forma como o Facebook lida com o
discurso de ódio e a desinformação é compartilhado entre grandes
multinacionais, como Ford, Unilever e Coca-Cola, e a pequena Use Brusinhas, uma
das poucas marcas genuinamente brasileiras que se uniram ao movimento Stop Hate
for Profit, que propõe o boicote à rede social no mês de julho. Quase 1.000
empresas já se uniram ao movimento, mas a decisão de suspender os anúncios não
foi fácil para a marca de camisetas paranaense: 25% de suas vendas acontecem na
rede social. "Foi quase que no impulso. Eu soube da campanha no dia 30 de
junho, véspera do início do boicote. Li o material, achei válida a demanda e
mudei todo o nosso planejamento de mídia em um dia", contou a empresária
Laissa Cancelier Negoseki, dona da Use Brusinhas.
A loja oferece camisas e moletons, ironicamente, inspirados em memes e outros
conteúdos que circulam em redes sociais. Em média, são comercializados 1.000
itens por mês. Para divulgar a marca, Negoseki investe mensalmente RS 12 mil em
anúncios no Facebook e no Instagram. O valor é pequeno ante o faturamento da
gigante de Menlo Park, de US$ 70,6 bilhões em 2019, mas são exatamente as
pequenas e médias empresas, como a Use Brusinhas, a fonte de resistência de Mark
Zuckerberg.
Em reunião com funcionários no inicio do mês, Zuckerberg defendeu que o
Facebook "não mudará suas políticas ou suas abordagens por causa de
ameaças a uma pequena percentagem de suas receitas", apostando que os
anunciantes que se uniram ao boicote retornarão "em breve" para a
plataforma. Em reunião com organizadores da campanha na terça-feira, ele não
apresentou propostas concretas, e a decisão dos organizadores foi manter o
boicote.
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Por obra do acaso ou não, a despeito da posição de Zuckerberg, na tarde da
quarta-feira 8 a rede social tomou uma atitude atípica no combate ao discurso
de ódio que os grandes anunciantes tanto criticam. Tirou do ar uma rede com 88
contas, páginas e grupos ligados a funcionários dos gabinetes do presidente Jair
Bolsonaro, seus filhos e aliados. A empresa informou em nota que esse conjunto
mobilizava uma audiência de mais de 2 milhões de pessoas atingidas por
postagens de conteúdo falso, desinformação ou violação de direitos. A investida
foi global, alcançando sites em países como Estados Unidos e Ucrânia, numa ação
contra o que a companhia chama de "comportamento inautêntico
coordenado".
O retorno dos anunciantes à normalidade depois de julho ainda não é garantido,
mas o cofundador e diretor-executivo da maior rede social do planeta toma como
referência o peso dessas empresas em sua receita publicitária. Os 20 maiores
gastaram neste ano, até o inicio de julho, US$ 891 milhões, segundo estimativas
da consultoria Pathmatics. O valor é alto, mas representa somente 1,3% das
receitas de anúncios no Facebook cm 2019, de US$ 69,6 bilhões. E apenas a
Pfizer, 19' na lista, com investimento de US$ 23,5 milhões no período, se uniu
ao boicote. "Se um anunciante gastava US$ 10 milhões por mês no Facebook e
aderiu ao boicote, é claro que o Facebook não vai faturar esses US$ 10
milhões", disse Sarah Fleishman, gerente de mídias digitais da Pathmatics.
"Mas o ponto central é que existem muitas marcas anunciando no Facebook.
Então, apesar de o boicote afetar a companhia, não necessariamente terá impacto
no negócio."
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A consultoria britânica WARC estima que, com o boicote no mês de julho, o
Facebook perca US$ 27 milhões em receitas, valor que deverá ser facilmente
recuperado pelos gastos das campanhas de Donald Trump e Joe Biden na corrida
presidencial americana. Contudo, para além da menor entrada de recursos, a
grande questão recai sobre os possíveis prejuízos reputacionais para a marca.
Ativistas que encabeçam o movimento Stop Hate for Profit esperam que o boicote
tenha força suficiente para afetar a reputação da empresa e forçar a plataforma
a rever suas práticas. Até agora, a campanha arregimentou quase 1.000 empresas.
Logo após o anúncio de adesão da Unilever ao movimento, as ações da rede social
chegaram a cair 8% em um único pregão, e a empresa viu seu valor de
mercado encolher em US$ 56 bilhões.
Para as pequenas companhias, a escolha entre aderir ou não à campanha contra o
ódio na rede é mais complexa. Com ferramentas simples e a possibilidade de
investimentos baixos, as mídias sociais conseguiram atrair milhões de negócios
que estavam distantes da publicidade. Críticos alertam que Facebook e Google
formaram um "duopólio", faturando US$ 1 em cada US$ 4 gastos em
publicidade no mundo.
Hoje, o Facebook possui uma base com mais de 8 milhões de anunciantes em todas
as suas plataformas. Segundo estimativas do Deutsche Bank, 76% do faturamento
publicitário da companhia vem de pequenas e medias empresas, cujos negócios
são, muitas vezes, reféns da rede social. Laissa Negoseki está tentando reduzir
sua dependência da dupla Facebook-lnstagram, procurando influenciadores para
sua marca, mas em apenas três dias de boicote viu o alcance orgânico da Use
Brusinhas despencar 60%. "No longo prazo, queremos diminuir nossos
anúncios no Instagram e no Facebook, mas não dá para parar completamente",
lamentou a empresária.
Para João Vítor Rodrigues, professor de marketing digital da ESPM, esse é o
dilema das pequenas e médias empresas que desejam mudanças por parte do
Facebook. Grandes anunciantes podem redirecionar as verbas publicitárias para
outras mídias, o que muitas vezes não é possível para os pequenos. "É
muito difícil para os pequenos pararem com os anúncios. Empresas como Coca-Cola
e Unilever têm grana para bancar anúncios cm outras mídias, como TVs, jornais e
revistas. Mas, para a clínica estética aqui do bairro, o Facebook ainda é o
principal canal de mídia", avaliou Rodrigues.
Um estudo elaborado por pesquisadores da Said Business School, da Universidade
de Oxford, mostra que, independentemente do tamanho da empresa, há alguma perda
de receita envolvida ao aderir ao boicote. "A conclusão é que a marca
acaba tendo um custo, seja perdendo valor ou gastando mais para manter a
efetividade", explicou o professor associado Felipe Thomaz, envolvido na
pesquisa. Para o pesquisador, esse fator valoriza ainda mais o movimento.
"Não é só papo furado, adesão para agradar ao público. As marcas estão
perdendo um valor real para exigir algo que acreditam c defendem." Por
outro lado, as empresas podem ter um ganho de reputação no curto prazo. Ao se
posicionarem contra a difusão do discurso de ódio e da desinformação, podem
atrair o público que defende a mesma bandeira.
Por Sérgio Matsuura, na Revista
Época
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