quarta-feira, 15 de julho de 2020

Tecnofúria - O boicote da "brusinha"



Em meio ao embate sobre o discurso de ódio, grandes empresas - e também algumas pequenas - cobram responsabilidade do Facebook
O repúdio à forma como o Facebook lida com o discurso de ódio e a desinformação é compartilhado entre grandes multinacionais, como Ford, Unilever e Coca-Cola, e a pequena Use Brusinhas, uma das poucas marcas genuinamente brasileiras que se uniram ao movimento Stop Hate for Profit, que propõe o boicote à rede social no mês de julho. Quase 1.000 empresas já se uniram ao movimento, mas a decisão de suspender os anúncios não foi fácil para a marca de camisetas paranaense: 25% de suas vendas acontecem na rede social. "Foi quase que no impulso. Eu soube da campanha no dia 30 de junho, véspera do início do boicote. Li o material, achei válida a demanda e mudei todo o nosso planejamento de mídia em um dia", contou a empresária Laissa Cancelier Negoseki, dona da Use Brusinhas.

A loja oferece camisas e moletons, ironicamente, inspirados em memes e outros conteúdos que circulam em redes sociais. Em média, são comercializados 1.000 itens por mês. Para divulgar a marca, Negoseki investe mensalmente RS 12 mil em anúncios no Facebook e no Instagram. O valor é pequeno ante o faturamento da gigante de Menlo Park, de US$ 70,6 bilhões em 2019, mas são exatamente as pequenas e médias empresas, como a Use Brusinhas, a fonte de resistência de Mark Zuckerberg.

Em reunião com funcionários no inicio do mês, Zuckerberg defendeu que o Facebook "não mudará suas políticas ou suas abordagens por causa de ameaças a uma pequena percentagem de suas receitas", apostando que os anunciantes que se uniram ao boicote retornarão "em breve" para a plataforma. Em reunião com organizadores da campanha na terça-feira, ele não apresentou propostas concretas, e a decisão dos organizadores foi manter o boicote.


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Por obra do acaso ou não, a despeito da posição de Zuckerberg, na tarde da quarta-feira 8 a rede social tomou uma atitude atípica no combate ao discurso de ódio que os grandes anunciantes tanto criticam. Tirou do ar uma rede com 88 contas, páginas e grupos ligados a funcionários dos gabinetes do presidente Jair Bolsonaro, seus filhos e aliados. A empresa informou em nota que esse conjunto mobilizava uma audiência de mais de 2 milhões de pessoas atingidas por postagens de conteúdo falso, desinformação ou violação de direitos. A investida foi global, alcançando sites em países como Estados Unidos e Ucrânia, numa ação contra o que a companhia chama de "comportamento inautêntico coordenado".

O retorno dos anunciantes à normalidade depois de julho ainda não é garantido, mas o cofundador e diretor-executivo da maior rede social do planeta toma como referência o peso dessas empresas em sua receita publicitária. Os 20 maiores gastaram neste ano, até o inicio de julho, US$ 891 milhões, segundo estimativas da consultoria Pathmatics. O valor é alto, mas representa somente 1,3% das receitas de anúncios no Facebook cm 2019, de US$ 69,6 bilhões. E apenas a Pfizer, 19' na lista, com investimento de US$ 23,5 milhões no período, se uniu ao boicote. "Se um anunciante gastava US$ 10 milhões por mês no Facebook e aderiu ao boicote, é claro que o Facebook não vai faturar esses US$ 10 milhões", disse Sarah Fleishman, gerente de mídias digitais da Pathmatics. "Mas o ponto central é que existem muitas marcas anunciando no Facebook. Então, apesar de o boicote afetar a companhia, não necessariamente terá impacto no negócio."



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A consultoria britânica WARC estima que, com o boicote no mês de julho, o Facebook perca US$ 27 milhões em receitas, valor que deverá ser facilmente recuperado pelos gastos das campanhas de Donald Trump e Joe Biden na corrida presidencial americana. Contudo, para além da menor entrada de recursos, a grande questão recai sobre os possíveis prejuízos reputacionais para a marca. Ativistas que encabeçam o movimento Stop Hate for Profit esperam que o boicote tenha força suficiente para afetar a reputação da empresa e forçar a plataforma a rever suas práticas. Até agora, a campanha arregimentou quase 1.000 empresas. Logo após o anúncio de adesão da Unilever ao movimento, as ações da rede social chegaram a cair 8% em um único pregão, e a empresa viu seu valor de mercado encolher em US$ 56 bilhões.

Para as pequenas companhias, a escolha entre aderir ou não à campanha contra o ódio na rede é mais complexa. Com ferramentas simples e a possibilidade de investimentos baixos, as mídias sociais conseguiram atrair milhões de negócios que estavam distantes da publicidade. Críticos alertam que Facebook e Google formaram um "duopólio", faturando US$ 1 em cada US$ 4 gastos em publicidade no mundo.

Hoje, o Facebook possui uma base com mais de 8 milhões de anunciantes em todas as suas plataformas. Segundo estimativas do Deutsche Bank, 76% do faturamento publicitário da companhia vem de pequenas e medias empresas, cujos negócios são, muitas vezes, reféns da rede social. Laissa Negoseki está tentando reduzir sua dependência da dupla Facebook-lnstagram, procurando influenciadores para sua marca, mas em apenas três dias de boicote viu o alcance orgânico da Use Brusinhas despencar 60%. "No longo prazo, queremos diminuir nossos anúncios no Instagram e no Facebook, mas não dá para parar completamente", lamentou a empresária.

Para João Vítor Rodrigues, professor de marketing digital da ESPM, esse é o dilema das pequenas e médias empresas que desejam mudanças por parte do Facebook. Grandes anunciantes podem redirecionar as verbas publicitárias para outras mídias, o que muitas vezes não é possível para os pequenos. "É muito difícil para os pequenos pararem com os anúncios. Empresas como Coca-Cola e Unilever têm grana para bancar anúncios cm outras mídias, como TVs, jornais e revistas. Mas, para a clínica estética aqui do bairro, o Facebook ainda é o principal canal de mídia", avaliou Rodrigues.

Um estudo elaborado por pesquisadores da Said Business School, da Universidade de Oxford, mostra que, independentemente do tamanho da empresa, há alguma perda de receita envolvida ao aderir ao boicote. "A conclusão é que a marca acaba tendo um custo, seja perdendo valor ou gastando mais para manter a efetividade", explicou o professor associado Felipe Thomaz, envolvido na pesquisa. Para o pesquisador, esse fator valoriza ainda mais o movimento. "Não é só papo furado, adesão para agradar ao público. As marcas estão perdendo um valor real para exigir algo que acreditam c defendem." Por outro lado, as empresas podem ter um ganho de reputação no curto prazo. Ao se posicionarem contra a difusão do discurso de ódio e da desinformação, podem atrair o público que defende a mesma bandeira.


Por Sérgio Matsuura, na Revista Época 




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