quinta-feira, 9 de julho de 2020

A mistura perigosa entre ciência e ideologia



“A resposta dos governos à Covid-19 representa a maior falha das democracias ocidentais desde a Segunda Guerra Mundial”, escreveu Richard Horton, editor-chefe da revista científica “The Lancet”, em livro recém-lançado

A revista da Associação Médica Americana (Jama) veiculou no final de junho um editorial sobre o desafio inédito que a pandemia representa para as publicações científicas. De janeiro ao final de maio, chegaram à Jama mais de 11 mil manuscritos originais. Foram 4 mil no mesmo período de 2019. Virtualmente todo o aumento é atribuído à Covid-19. Para avaliar as novas pesquisas, a revista criou um mecanismo de pareceres técnicos expressos, capaz de publicá-las em até dez dias. “Nos manuscritos cujos resultados possam influenciar a prática clínica ou representar interesse e preocupação ao público, porém, a revisão externa por pares (incluindo um ou mais estatísticos) sempre é feita”, afirma o editorial. “Embora a publicação rápida de informação clinicamente útil seja importante numa pandemia, veicular resultados que não tenham validade pode gerar danos.” O alvo implícito do editorial da Jama era uma concorrente, a britânica The Lancet, primeira a publicar, na última semana de janeiro, os cinco estudos chineses que dispararam, na comunidade científica, o alarme para os riscos do novo coronavírus.

A Lancet também se tornou protagonista do maior escândalo científico da pandemia até agora, num tema com mais relevância política que médica: a cloroquina. Em 22 de maio, publicou um estudo que associava o uso da droga a maior mortalidade. Havia falha nos dados — e a revista se viu obrigada a emitir uma retratação dias depois (como o New England Journal of Medicine, que publicara outra pesquisa com base em dados da mesma empresa).

Em 1998, Horton publicou a pesquisa falsa de um ex-colega associando um tipo de vacina ao autismo. Daquela vez, a publicação provocou danos até hoje não reparados, e a retratação levou mais de dez anos. Desta vez, Horton foi mais rápido. Alegou ter sido vítima de “fraude monumental” e, numa entrevista à New Yorker, afirmou: “Todos cometemos um erro coletivo: acreditar naquilo que nos diziam”.

Os erros de Horton não devem obscurecer seus acertos. Conhecido pelo caráter político que imprimiu às páginas da Lancet, ele não tem economizado tinta nem bits para atacar a postura pusilânime de Boris Johnson, Donald Trump ou Jair Bolsonaro diante do vírus. “A resposta dos governos à Covid-19 representa a maior falha das democracias ocidentais desde a Segunda Guerra Mundial”, escreveu no recém-lançado The Covid-19 catastrophe (A catástrofe da Covid-19). “A inação levou à morte evitável de milhares de cidadãos.” Os dois principais alvos do livro são Trump (acusado de “crimes contra a humanidade” por suspender pagamentos à Organização Mundial da Saúde) e Johnson (visto como covarde e mendaz na defesa da estratégia errada contra o vírus). Horton critica ainda a hesitação da China no início da pandemia. Elogia, em contrapartida, os cientistas chineses pela ação “decisiva” para proteger a população. Não poupa quem, no Ocidente, sustentou as políticas trágicas de governos incompetentes: “Vimos o conluio bizarro entre cientistas e políticos, de modo que desacredita ambos”, disse à New Yorker.

Horton formula corretamente os principais dilemas levantados pela pandemia. Como conciliar a vigilância necessária para preservar a saúde aos direitos individuais? Como impor ao nacionalismo tacanho uma ação global contra vírus que não conhecem fronteiras nem ideologia? Como conferir o protagonismo das decisões aos detentores do conhecimento, informados pela ciência? Como manter a indignação necessária diante de governos ineptos, corrompidos por interesses espúrios? “Foi necessário um vírus para nos conectar na vida e na morte. Entendemos agora, acredito, nossa extraordinária interdependência e unidade como espécie”, disse Horton. “Apesar disso, nosso mundo está organizado e ordenado pela separação, pela divisão — países e continentes, línguas e fés, sistemas políticos e preferências ideológicas.” Pena que o primeiro a misturar ciência e ideologia seja ele próprio.

THE COVID-19 CATASTROPHE

Richard Horton, Polity Books

2020 | 140 páginas | US$ 15
Por Helio Gurovitz, na Revista Época  





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