domingo, 21 de dezembro de 2014

sábado, 20 de dezembro de 2014

sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

You've Got a Friend - Mariah Carey&Celine Dion&Gloria Estefan&Carole King



Alice Caymmi mostra sonoridade própria em "Rainha do raios"

Expoente da terceira geração dos Caymmi, cantora modernizou clássicos que fizeram história, surpreendeu na escolha do eclético repertório do segundo disco e agradou com composições próprias.



Da Deutsche Welle
Não poderia haver título mais adequado para o segundo disco de Alice Caymmi: Rainha do raios. Neta de Dorival, filha de Danilo e sobrinha de Nana, a cantora de 24 anos modernizou clássicos que fizeram sua história, surpreendeu na escolha do eclético repertório e agradou com duas composições próprias.
O disco, lançado em setembro, marca uma mudança profunda em relação ao primeiro álbum, de 2012. "O primeiro disco nasceu meio do nada. Pensei que tinha que começar esse negócio. Compilei um material que estava trabalhando desde a adolescência e entrei no estúdio. Aquelas palavras não condizem mais com quem eu sou hoje. Mudo muito rápido", disse a cantora em conversa com a DW Brasil.
Alice está desbravando com sucesso um caminho difícil: de fazer a MPB que reverencia seu passado, mas olha para o futuro. A expoente da terceira geração da emblemática família Caymmi nunca quis fugir ao destino da família. A música sempre foi algo muito vivo em sua vida.
"Minha voz sempre foi minha qualidade, a coisa mais valiosa que eu carrego em mim. Nunca tentei negar isso. Sou formada em teatro e meu primeiro teste foi para um musical. Percebi que o que valorizavam em mim era a minha voz", diz a artista.
Mesmo com o peso de ser a voz da nova geração de uma das mais importantes famílias da música brasileira, a cantora disse que nunca se deixou paralisar pelo medo ou por pressões externas. "Se eu começasse a ter medo, não me mexia".
Para Alice, o legado mais importante que seu avô deixou foi a benção em sua carreira. "Antes dele morrer, ele me deu uma grande aprovação verbal. Ele ouviu algumas das minhas músicas e adorou que eu estava fazendo meu próprio negócio. Ele me elogiou à beça. Foi isso que ele deixou para mim".
"Minha voz sempre foi a coisa mais valiosa que eu carrego em mim"
Rainha da tempestade
O último disco nasceu de um encontro com o produtor Diogo Strauss, músico carioca ligado à cena eletrônica da cidade. "Foi uma parceria muito melhor do que esperávamos. Nos conhecemos desde a adolescência. De repente, vi que ele estava mudando, fazendo coisas muito interessantes. Quando sugeri trabalharmos juntos, ele me convidou imediatamente para ir na sua casa e fizemos uma música", conta a cantora.
O resultado dessa parceria foi Iansã. A composição de Caetano Veloso e Gilberto Gil, lançada em 1972 na voz de Maria Bethânia foi o primeiro retrato de uma artista que estava encontrando seu caminho e usando suas qualidade a seu favor.
A regravação foi um sucesso na internet, e o disco começou a tomar forma. Seu título foi tirado da letra da canção. "Tem um orixá que é a rainha das tempestades. Ela é a verdadeira rainha dos raios. No disco, sou uma versão moderna dela".
Em Rainha dos raios, ela ainda deu seu toque pessoal a duas outras músicas de Caetano: Jasper eHomem, essa com uma apropriação poderosa do eu masculino do baiano e com um moderno e criativo arranjo. Outro clássico que ganhou nova roupagem foi Meu Mundo Caiu de Maysa. Sem medo de ousar, ela se apropriou com sucesso das palavras do MC Marcinho na dramática Princesa.

terça-feira, 16 de dezembro de 2014

James Taylor You've Got A Friend



Allende e Neruda, em tinta verde

Um ensaio explora pela primeira vez a relação entre o ex-presidente e o Nobel chilenos e revela as cartas que trocaram entre 1969 e 1973



Salvador Allende e Pablo Neruda. / FUNDACIÓN ALLENDE

Por ROCÍO MONTES, No El País
Eles provavelmente são duas das personalidades chilenas de maior destaque no século XX: o ex-presidente socialista Salvador Allende eo prêmio Nobel de Literatura Pablo Neruda, um militante comunista. Nascido com quatro anos de diferença — o escritor em 1904 e o mandatário em 1908 —, os dois foram dedicados homens de esquerda, que cultivaram por décadas uma relação pouco explorada, que só terminou com suas respectivas mortes: a de Allende no mesmo dia do Golpe de Estado de 1973, e a de Neruda, 12 dias depois, em uma clínica de Santiago. O ensaio Pablo Neruda y Salvador Allende – Una Amistad, una Historia (Pablo Neruda e Salvador Allende – Uma Amizade, uma História), que será lançado nesta semana em Santiago, é a primeira pesquisa em 41 anos sobre a relação dos dois, que se conheceram antes de 1939.
“Como é possível que dois homens da mesma geração, mas de origens sociais distintas — Allende da pequena burguesia e Neruda da classe média baixa —, chegassem a defender com tanta força uma mesma ideologia política nos anos 70?” é a pergunta central que o autor, o historiador chileno Abraham Quezada, tenta responder.
FUNDACIÓN ALLENDE
O texto está cheio de ricos detalhes e, em um de seus capítulos, apresenta 15 cartas trocadas pelos dois homens entre 1969 e 1973, a maioria delas inédita. Como a que Neruda escreveu em setembro de 1970, quando Allende ganhou as eleições presidenciais em sua quarta tentativa, e que denota uma intimidade entre eles. “Querido Salvador: Não fui cumprimentá-lo porque estive cumprimentando a mim mesmo. Suponho que tenhamos conseguido destruir a conspiração. Isso prova que é preciso bater neles com força. O momento já vai chegar”, escreveu o poeta de sua casa em Isla Negra, a cerca de 100 quilômetros de Santiago, com sua tradicional caneta de tinta verde. Nessa carta, o escritor comenta ao presidente eleito alguns detalhes sobre a cerimônia de posse: “Deveríamos convidar alguns intelectuais estrangeiros para a troca da faixa. Para isso, gostaria de conversar com você, mandar uma provável lista. Mas eu teria que fazer os convites desde já ou mandar alguém fazer isso. Eu posso convidar por telegrama”. Neruda também aproveitava para animar Allende a comemorarem juntos a festa da pátria chilena: “No dia 18, comeremos um cervo que Matilde vai preparar. Se você vier com Tencha, seria fantástico comemorar a vitória com um cervo. Abraços entre os abraços, Pablo”.
Querido Salvador: não fui cumprimentá-lo porque estive cumprimentando a mim mesmo
Quezada se especializou durante décadas no estudo da figura de Neruda e, sobretudo, em sua dimensão epistolar: “É a forma mais pura de autobiografia”, afirma. Doutor em Relações Internacionais e diplomata de carreira, escreveu oito livros sobre o Nobel e relata que a relação que cultivou com Allende era de franca amizade e cumplicidade política: “Com as cartas fica em evidência a proximidade entre os dois, não só pelos reconhecimentos, saudações e visitas, mas também porque estão atentos a aspectos privados um do outro, como as datas de aniversário e as de suas respectivas cônjuges. Esmeram-se por conhecer os estados de saúde, trocam opiniões, aconselham-se”. Tinham muitas coisas em comum, como “um profundo interesse social, o gosto pela comida e por coleções — Neruda de objetos e Allende de roupas —, o hábito de fazer a sesta. Apesar de não serem agraciados fisicamente, os dois também eram sedutores e homens de muitas mulheres”.
O presidente e o escritor, no entanto, também tiveram importantes divergências. A mais relevante ocorreu quando Neruda era o embaixador do Governo da Unidade Popular na França e pediu que seu amigo, o escritor Jorge Edwards, fosse transferido a Paris para colaborar com ele. Mas Edwards recentemente tinha sido expulso de Cuba, onde realizava trabalhos diplomáticos, e Fidel Castro pediu a Allende para expulsá-lo do serviço diplomático. Quezada relata que, diante da negativa do presidente em transferi-lo, Neruda ameaçou renunciar. O socialista finalmente cedeu: “Foi a única vez que o poeta deu o braço a torcer ao governante”. De qualquer forma, os conflitos não prejudicaram essa amizade, que teve como elemento-chave a simpatia que a esposa de Neruda tinha por Allende, Hortensia Bussi: “Não era fácil incorporar-se ao círculo íntimo nerudiano nesse momento, se não se contasse com a aprovação de Matilde”, destaca o autor.
FUNDACIÓN ALLENDE
Para escrever o livro, Quezada procurou documentos em diferentes lugares do mundo. O historiador destaca que a carta datada de setembro de 1970 estava entre os documentos que uma das filhas do presidente, Tati Allende, conseguiu salvar depois do Golpe e guardou durante seu exílio em Havana, antes de tirar a própria vida em 1977. O Governo cubano os conservou durante décadas e entre 2008 e 2009 voltaram ao Chile, à Fundação Allende. Desde então, conta Quezada, nunca tinham ido a público.
FUNDACIÓN ALLENDE
No próprio pacote de cartas salvas estava outra que foi escrita por Neruda como embaixador na França, cargo que assumiu no início de 1971. Nessa carta o escritor informava ao presidente de um escritório comercial ligado às autoridades democratas-cristãs anteriores que, segundo Neruda acreditava, uma urna eleitoral poderia ter sido escondida. “É altamente irregular e deve ser resolvido”, destaca o Nobel. O escrito reflete um fato pouco comum no serviço diplomático: que um embaixador escrevesse diretamente ao presidente, pulando toda a linha de comando da Chancelaria. Neruda concluía destacando que “esta carta é confidencial e para o uso pessoal do colega presidente”. “Seguem dois anexos importantes. Um grande abraço para Tencha e, para ti, meus melhores desejos. Não poderíamos ter um Presidente melhor. Pablo Neruda”. O pesquisador afirma que “o poeta costumava concluir suas missivas estimulando-o politicamente”.
Há uma carta importante, segundo o pesquisador, que Neruda escreveu em 3 de novembro de 1972 e na qual expõe as gestões feitas em relação ao embargo de cobre e o papel da justiça francesa. “O objetivo da carta é advertir de alguma maneira o perigo de uma atitude totalmente otimista diante das dificuldades que estamos vendo e sentindo a cada dia”, destaca Neruda, em um franco conselho político em relação ao presidente.
Mas o livro também contempla cartas do chefe de Estado para o poeta. Segundo Quezada, “a redação e o estilo epistolar de Allende são, em geral, de frases breves, mas emotivas”. “Quando escreve à mão, o faz com uma letra emaranhada, de difícil leitura, própria de um médico, ficando a impressão de que escrevia como falava”. Em junho de 1972, por exemplo, o chefe de Estado escreve uma carta que dá conta da preocupação do entorno político por o delicado estado de saúde de Neruda, radicado em Paris, sofrendo de câncer de próstata. “Penso que seria bom para vocês Isla Negra — o calor do povo, o Partido, a terra natal — e os amigos de sempre”, aconselhou-o Allende nessa carta escrita de próprio punho.
No dia 18, comeremos um cervo que Matilde vai preparar. Se você vier com Tencha, será fantástico comemorar a vitória com um cervo
Neruda finalmente voltou ao Chile em novembro de 1972. A última vez que se viram antes do Golpe de Estado foi em julho do ano seguinte, para o aniversário de 69 anos do poeta, seu último. Nessa ocasião, o presidente deu de presente uma fotografia em que aparecem juntos, dedicada com uma caneta de tinta verde, semelhante à que o poeta usava: “Para Matilde e Pablo com carinho e afeto do companheiro presidente”. Dois meses depois, os dois estavam mortos. Nenhum deles chegou a ser testemunha do destino obscuro do Chile nos 17 anos seguintes.

segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

Argentina, a literatura da perda

Desde a ditadura militar dos anos setenta, as letras argentinas foram violentamente atravessadas pela comoção da dor, da ausência e do exílio



Juan Gelman e sua esposa. / JOSÉ NAVARRO

Por DAVID MARCIAL PÉREZ, no El País
O ano 1976 foi um divisor de águas na história argentina. A ditadura instaurada pelo golpe militar daquele ano viria a se tornar o regime mais macabro e atroz de todos os que já dominaram o país. “15.000 desaparecidos, 10.000 presos, 4.000 mortos, milhares de desterrados, são as cifras nuas desse terror”, escreveu Rodolfo Walsh em 1977. As cifras nuas continuariam crescendo, encarnadas no próprio Walsh, assassinado naquele mesmo ano. Outros autores, como Julio Cortázar e Juan Gelman, haviam saído do país antes do golpe e não puderam voltar. Os que ficaram viveram sob a mira da violência política. A literatura argentina, acostumada a tecer seu universo estético a partir da turbulenta matéria-prima da sua história, foi, a partir dos anos setenta, arremetida de forma profunda e definitiva pela comoção da dor, da ausência e do exílio.
“As marcas da última ditadura militar podem ser rastreadas na produção das novas gerações. Todorov argumenta que um país que sofreu os campos de concentração tem o coração comido pelos vermes. Esses vermes são os que nutrem explícita ou tacitamente uma escrita que simula tomar distância desse período negro”, afirma o escritor Guillermo Saccomanno. O regime militar promoveu uma fratura entre o dentro e o fora. As vozes dissidentes deviam ser silenciadas ou expulsas. Cortázar, de fora, definiu a situação em 1978 como um “genocídio cultural”. Entre os que ficaram dentro, Ernesto Sábato respondia que a cultura argentina, apesar das limitações, prosseguia. O autor de O Túnel possivelmente se referia a artefatos de precisão vanguardista como Cuerpo Velado, de Luis Gusmán, eEma la Cautiva, de César Aira, mas sem dúvida a maior lembrança do antagonismo daquela época é a foto de Jorge Luis Borges, Horacio Esteban Ratti, Leonardo Castellani e o próprio Sábato compartilhando mesa e talheres com o ditador Jorge Rafael Videla.
O componente fantástico serve, no caso argentino, para poder contar o que não se pode dizer
Essa polarização já estava presente em meados do século XIX num autor como Esteban Echeverría. Em sua obra O Matadouro, considerado o primeiro conto argentino, utiliza as cenas de um matadouro de Buenos Aires como alegoria da brutalidade do regime de Juan Manuel de Rosas. A escritora e dramaturga Fernanda García Lao, nascida no exílio, aponta outro livro seminal para entender o funcionamento dialético da história e da literatura argentina: Facundo, ou Civilização e Barbárie. “É uma civilização violenta mas também com muita intelectualidade. Ferramentas literárias são usadas para entender as coisas, como a narrativa ou o conto. A realidade se constrói por intermédio de um discurso literário, e não ao contrário. E sempre há uma dicotomia, nunca é de uma só maneira.”
O componente fantástico que marca grande parte de literatura latino-americana moderna serve também no caso argentino para poder contar o que não se pode dizer. A obra de Cortázar, desde o seu exílio voluntário na França, foi ganhando ressonâncias políticas já a partir do seu deslumbramento com a Revolução Cubana. Seu conto Segunda Vez, de 1977, com apenas seis páginas, descreve o desaparecimento de um grupo de pessoas em circunstâncias misteriosas. Mas os personagens não são já meros cronópios saídos dos sonhos, e sim pessoas reais, que vivem o horror como algo verossímil e cotidiano.
Bioy Casares, outro mestre do fantástico, foi contemporâneo de Cortázar. Elogiaram-se mutuamente, foram amigos, mas também tinham profundas diferenças. Bioy nunca sofreu com a censura e jamais abandonou sua casa portenha, onde com muita frequência recebia Borges para o jantar. “É um intelectual de marca conservadora, um dândi, afastado do compromisso político, excetuando seu antiperonismo furioso, igual a Borges. Não obstante, sua escrita reflete um interesse pela língua plebeia, pelo popular e uma busca do cotidiano que se torna contraditória com seu antipopulismo”, afirma Saccomanno.
De novo essa luta entre opostos desempenha um papel central napoesia de Juan Gelman. Sua forte consciência política o levou a viajar à Europa como porta-voz do movimento Montonero, que logo abandonou. O golpe militar aconteceu quando ele estava na Itália e, do exílio, padeceu o assassinato do filho, da nora e o sequestro da neta. Durante os primeiros sete anos de exílio, sua voz literária ficou muda. “Sua poesia está atravessada por uma tensão entre polos opostos: a plenitude e o murcho, a memória e o esquecimento, a unidade e o desmembramento, a beleza e o espanto, o que arde livre e o oprimido. Sua palavra se joga em um torvelinho de forças contrárias”, explica Jorge Boccanera, amigo de Gelman, também poeta e exilado.
Depois de um longo e tenaz trabalho de busca, no ano 2000 reencontrou-se com a neta Maria Macarena Gelman, uma das centenas de crianças sequestradas e entregues a casais sem filhos afeiçoados à ditadura em outra de suas tentativas criminosas de apagar a memória. A escritora Ángela Pradelli, que acaba de publicar um livro que recupera a vida de cinco dessas crianças, recorda que “as histórias das pessoas que recuperaram sua identidade envolvem a todos. Contam o desmoronamento de um país inteiro em mãos de um Estado terrorista. A ruptura que o roubo de crianças significou em suas vidas instalou ao mesmo tempo uma fratura na sociedade. A ferida no corpo e na subjetividade das vítimas também foi cometida no corpo social”.

quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

Ah, esses economistas!



Felipe Lindoso
Entre os materiais compilados e distribuídos pelo Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL) no Seminário Internacional Sobre o Preço Fixo do Livro, que aconteceu no Rio de Janeiro no dia 17 de novembro, está o artigo escrito por Frederick Van Der Ploeg intitulado Beyond the Dogma of the Fixed Book Agreement. O paper pretende ser uma avaliação objetiva – do ponto de vista da “ciência” econômica – daquilo que o autor já começa qualificando: dogma do acordo do preço fixo.

Não fosse de certa forma trágica, poderia achar muito engraçada uma discussão “objetiva” que começa qualificando o objeto do trabalho como dogma.

Como um bom dicionário define, objetividade dispensa um pré-juízo ou pré-conceito para poder ser exercitada. Como define o Aurélio: objetividade. [De objetivo + -(i)dade.] Substantivo feminino. 1.Qualidade do que é objetivo. 2.Caráter da atitude, ou do procedimento, que é, ou pretende ser, estritamente adequado às circunstâncias.

Começar afirmando que o preço fixo é um “dogma”, portanto, exclui qualquer objetividade de análise. Questão de lógica e semântica, o que não parece ser objeto de atenção desse economista.

Mas, vamos em frente.

Para tentar entender o raciocínio do articulista, vinculado à European University Institute, University of Amsterdam e ao CESifo Group de Munique, vamos às suas premissas.

Em primeiro lugar, ele divide os interessados em livros e artes, em “pessimistas culturais” e “otimistas culturais”. Os primeiros são críticos “do mercado” e “detestam um mundo no qual tudo está à venda e as pessoas são tratadas simplesmente como compradores e vendedores de bens e serviços”, e a cultura tenderia a fazer parte da “indústria do entretenimento”. Os segundos, por antinomia “contam com as bênçãos do mercado”.

Aí o economista faz um salto, aparentemente ligando os “pessimistas” a uma economia centralizada e planejada, pois afirma que “sistemas complicados de planejamento centralizado fracassaram em parte porque os planejadores centrais não tinham ou foram incapazes de coligir as gigantescas quantidades de informação necessárias para combinar a oferta de milhares de firmas à demanda de milhões de lares”. Surpresa! A colocação foi tirada do livro The fatal conceit: The errors of Socialism do papa do pensamento econômico livre-mercadista, Friedrich Hayeck. De onde ele tira que os defensores do preço fixo defendem uma economia planificada do tipo da antiga União Soviética é algo que não me ocorre.

Mas Meneer Van Der Ploeg concede que a “mão invisível” do mercado só funcionaria a contento “sob condições estritas (soberania do consumidor, nenhuma informação assimétrica, um conjunto completo de mercados contingentes, sem fricções, sem externalidades, sem bens públicos, e sem apelos à escala)”. Evidentemente, condições que existem no etéreo mundo dos modelos formais, já que “existem razões pelas quais o mercado de livros não funciona eficientemente”. Eureka! E as externalidades que ele cita começam pela qualidade de leituras dos possíveis leitores que fariam parte desse “mercado” idealizado.

O caso do cara é sério. Dessa formulação ele parte para uma assertiva pesada: “O PFL (não o partido, e sim o preço fixo do livro – quanto ao partido, há controvérsias...) pode até ser ruim para a democracia da cultura. Já que preços monopolísticos e subsídios cruzados para livros mais esotéricos podem ser pagos pelas pessoas comuns que leem os livros comuns”.

Credo, ergo confiteor. Deve ser algum tipo de raciocínio quântico, pois não entendi chongas de catibiribecas dos saltos que o cara faz.

Preços monopolísticos, para ele, são  simplesmente os definidos pelas editoras. No sistema de preços fixos, no qual os varejistas estão impedidos de dar descontos, isso caracteriza o monopólio. Quando ele menciona os subsídios cruzados quer se referir ao fato de que os lucros auferidos pelas editoras e livrarias, na venda de best-sellers, permitem que se admita um risco maior na publicação de outros títulos. Portanto, os best-sellers, com maior demanda, deveriam ter a possibilidade de serem vendidos a preços mais baixos. Os “livros mais esotéricos” se colocariam como produtos de nicho que, naturalmente, seriam vendidos mais caros para atender a segmentos menores de leitores. Ou seja, os livros “esotéricos” – aqueles que não entram no gosto da multidão – devem ser mesmo mais caros.

É um raciocínio curioso, que não leva em conta custos de produção (que estabelecem um patamar mínimo, abaixo do qual a editora teria prejuízo líquido). Mas é típico do raciocínio de alguns economistas. Preço é oportunidade e sua relação com os custos é longínqua... quando conveniente.

No entanto, quando fala de preços, Meneer Van Der Ploeg inclui outro componente que se torna muito importante em seu raciocínio.

Traduzo:

“Para permitir o custo de repouso e ter tempo para ler um livro, suponhamos que ø seja a quantidade de horas gastas lendo um livro. Segue-se a isso que øW seja o custo de oportunidade do tempo necessário para ler o livro, quando W representa (constante exógena) o índice de salário. Isso corresponde à renúncia da oportunidade de ganhar dinheiro trabalhando, que deve ser adicionado ao preço do livro. [...] As unidades domésticas dispõem de uma unidade de tempo disponível, que usam para trabalhar (1 - øB) ou para ler livros (øB), onde B indica o número de livros comprados e lidos. As pessoas que não leem desfrutam de tempo para maximizar seus rendimentos (grifo meu, FJL) W . 1 = W, já que o máximo de tempo que cada lar dispõe está normalizado como unidade. Apesar de não haver proveito no tempo livre, existe um preço para comprar e gastar tempo para ler livros, de modo que o suprimento de trabalho é endógeno”. E vai por aí, até: “Considerando os desvios logarítmicos de um padrão de equilíbrio de referência, obtemos a seguinte demanda para um título de livro particular:

b@ - e [(1 - b) (p + t) + b w] com e º Q/BU” > 1/(1 - b) e 0 < b º W /Q < 1

onde os romanos (símbolos) denotam desvios logarítmicos ou diferenças relativas, [...]e denota a elasticidade da demanda de livros com respeito ao custo total de ler um livro , e b representa a parcela do custo de oportunidade do tempo necessário no custo total. A elasticidade da demanda por livros a respeito do preço do livro, e [(1 - b), é menor que e, já que o preço do livro é apenas parte do custo total de ler um livro. Para ter um ingresso marginal positivo, assumimos e [(1 - b) > 1. Ouros consumos seguem-se residualmente do orçamento da unidade familiar. Cresce com o rendimento de emprego-total (nada de leitura)  M + W e o custo de ler um livro Q (já que Q B cai). ”.... e cansei. Quem quiser ver a fórmula toda vá até o original.

Mas, nessa primeira premissa, sucede que as pessoas que ganham mais tem um custo agregado maior ao preço do livro (deixam de trabalhar para ler...).

Ele prossegue dizendo que o preço fixo garante ao mercado livreiro uma exceção às regras da competição, e que, portanto, editores e livreiros podem conspirar para estabelecer preços de venda dos livros no varejo. “A extensão na qual é possível exercer o poder monopolista depende do grau de substitubilidade do conteúdo de um livro em particular. Um grau baixo de substitubilidade permite um preço alto por parte dos produtores [...] É o caso se existem poucos substitutos para o conteúdo disponível e se o preço do livro é apenas uma pequena parte do custo total. Editores/livreiros então podem aumentar preços sem muita punição, já que a demanda não cai substancialmente”.

Traduzindo um tanto de economês: como os conteúdos de cada livro são praticamente únicos, não intercambiáveis, editores e livreiros podem aumentar o preço já que a demanda para esse título seria inelástica.

O corolário disso tudo é que o preço fixo beneficia os leitores de renda mais baixa (deixariam de “ganhar menos” com o tempo gasto (desperdiçado?) na leitura, e prejudica o consumidor/leitor de renda mais alta.

O raciocínio econômico formalista esbarra em algo chato: precisa acontecer na prática. Supõe “modelos” perfeitos, nos quais até as exceções são delimitadas e incluídas nas equações.

As pesquisas de hábito de leitura – aqui e alhures – têm mostrado que o fator educação tem um peso maior na decisão de ler – e comprar livros – que a variável renda, embora nas situações em que existe deficiência de bibliotecas públicas essa seja uma variável com maior peso. Por outro lado, a venda dos best-sellers é superdimensionada por ações incisivas de marketing, com a criação de demandas puramente artificiais.

Da mesma forma, o conjunto de condicionantes de ordem social e política (censura, por exemplo) pode exercer um papel relevante nos hábitos de leitura e consumo de livros. E mais outra série de variáveis de ordem estritamente não econômica. Por exemplo, disponibilidade geral de acesso, necessidades mais básicas (alimentação, vestuário e residência) como prioridades para o gasto, e muitos outros fatores desse tipo, entre os quais se incluem as ações de marketing já mencionadas. Tudo muito longe de qualquer modelo matemático de mercado.

Por outro lado, como foi colocado pelos dados trazidos pelos representantes da Grã-Bretanha, França e Alemanha nesse mesmo seminário, os preços livres, na prática, têm se revelado como fator de aumento do preço dos livros, com exceções pontuais e temporais nos lançamentos dos best-sellers.

A “prova do pudim”, se podemos usar a comparação, mostra que, na verdade, o sistema de preços livres, não regulados, provoca um aumento dos preços do conjunto dos catálogos disponíveis, a diminuição do número de fornecedores (editoras E livrarias) e da bibliodiversidade. A exacerbação do modelo conduz a uma situação de monopsônio, como a que se apresenta como possibilidade para a Amazon nos EUA, pelo menos no que diz respeito ao livro eletrônico. O canto da sereia do preço livre é representado pelos descontos (ou pseudodescontos) oferecidos pelas grandes cadeiras no lançamento dos best-sellers, o que, na realidade, provoca um aumento de seu preço médio no correr do tempo.

A análise formalista se revela, assim, exatamente o contrário do que propõe. Não é objetiva, não considera o conjunto das circunstâncias sociais envolvidas na produção e na leitura de livros (e de outros materiais educativos e recreacionais também).

*

Felipe Lindoso é jornalista, tradutor, editor e consultor de políticas públicas para o livro e leitura. Foi sócio da Editora Marco Zero, diretor da Câmara Brasileira do Livro e consultor do CERLALC – Centro Regional para o Livro na América Latina e Caribe, órgão da UNESCO. Publicou, em 2004, O Brasil pode ser um país de leitores? Política para a cultura, política para o livro, pela Summus Editorial. Mantêm o blog www.oxisdoproblema.com.br

quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

Biblioteca Digital agora é lei no DF



Correio de Santa Maria 
Foi publicada no Diário Oficial do Distrito Federal a Lei 5420/2014, que institui a Biblioteca Digital da Rede Pública de Ensino do DF. De autoria da deputada Eliana Pedrosa (PPS), a proposta determina a criação e compartilhamento de conteúdo digital por meio de sítio próprio na internet e também em redes sociais. O projeto fora vetado pelo governador Agnelo Queiroz, mas o veto foi derrubado pelos deputados distritais.

A biblioteca digital tem como objetivo apoiar os professores no aprimoramento de suas aulas e possibilitar um novo formato de estudo para alunos. Para isto, receberá conteúdo de vídeos e textos com aulas teóricas e práticas, orientação de estudos, exercícios, estudos de casos, experiências de sucesso e muito mais.

Com a biblioteca digital, se um aluno perder a aula, ele poderá acessar esse espaço e rever tudo que se passou naquele dia ou outros anteriores, bem como antecipar estudos. Os pais também terão acesso e poderão acompanhar o que se está dando em sala de aula e ajudar seus filhos nos estudos em casa.

Os professores poderão conhecer e estudar como a mesma aula é dada por outros colegas, aperfeiçoando-a ou mesmo discutindo metodologias educacionais com profissionais da mesma disciplina de qualquer região do DF. Tudo isto observando a proposta pedagógica da rede pública de ensino.

Por ser um espaço democrático, criado para aqueles que buscam uma educação de qualidade, a biblioteca digital possibilitará a publicação de livros cujos autores sejam profissionais ou alunos da rede pública. Além disso, servirá de espaço para professores e orientadores trocarem conhecimento sobre aulas, aperfeiçoamento dos profissionais de educação e discussão de diversos temas relacionados à educação.

Por ser um ambiente moderno, pensada com o objetivo de facilitar o acesso ao conhecimento e apoiar professores e alunos em seu cotidiano a biblioteca digital, terá interação com as redes sociais e será adaptada para deficientes visuais e auditivos. De acordo com Eliana Pedrosa, a iniciativa facilita a propagação do conhecimento e será um instrumento fabuloso para uma educação de mais qualidade. “O mundo hoje pode ser quase todo encontrado na internet. Disponibilizar, de forma organizada e didática, o conteúdo disciplinar pela biblioteca digital é o primeiro passo para a quebra de paradigmas na forma de ensinar e aprender”, afirmou.

A gestão da nova biblioteca ficará sob a responsabilidade da Secretaria de Educação, que definirá regras para postagem e moderação de conteúdo. A alimentação será feita por professores, ativos e inativos, profissionais da carreira assistência à educação, alunos e pais ou responsáveis de alunos da rede pública. Além disso, o gestor poderá autorizar outros grupos ou pessoas nesta tarefa.

terça-feira, 9 de dezembro de 2014

Livros digitais estão em 95% das bibliotecas dos EUA, diz estudo


Livros digitais, os chamados ebooks, estão presentes em 95% das bibliotecas públicas dos Estados Unidos, de acordo com uma pesquisa anual sobre o tema feita pela publicação especializada “Journal Library”.

Revista Biblioo

O estudo acompanha a expansão dos livros digitais desde 2010 e na edição de 2014 captou um aumento na quantidade de bibliotecas adeptas às versões digitais. Entre 2013 e 2012, 89% desses estabelecimentos disponibilizavam ebooks. Quando a pesquisa começou a ser feita, o índice de aceitação era de 72%.

Em média, as bibliotecas norte-americanas possuem em seu acervo 20.244 livros digitais. Esse número, no entanto, é puxado para cima por grandes instituições. Aquelas que declaram não oferecer ebooks não o fazem por falta de recursos. No entanto, um exemplo da mudança dos ares nos EUA foi a abertura em 2013 de uma biblioteca em San Antonio (Texas) totalmente dedicada a livros virtuais.

Os livros digitais podem ser lidos em leitores digitais especializados como o Sony Reader, o Nook, da livraria Barnes & Noble, e o Kobo, vendido no Brasil pela Livraria Cultura, e o Kindle, da Amazon. Também são consideradas plataformas destinadas à leitura virtual o iPad, da Apple, e os tablets que rodam o sistema operacional Android, do Google.

Os empréstimo digitais variam conforme o sistema utilizado. Alguns necessitam da criação de uma conta pessoal do usuário que deve ser pareada à da biblioteca para que o ebook seja transferido de uma estante para outra via cabo USB. Outros permitem com alguns cliques a cessão de um livro de um lugar para outro, que automaticamente exibe a publicação assim que ocorre uma sincronização.

segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

Ebola põe em risco futuro educacional de 5 milhões de crianças na África


EFE | NAIRÓBI
Cerca de cinco milhões de crianças não podem ir à escola por culpa da epidemia de ebola que assola Guiné, Libéria e Serra Leoa, o que põe em risco não só seu futuro educacional, mas também sua estabilidade emocional.
"As crianças que não vão ao colégio têm mais probabilidades de sofrer violência doméstica, estupros, casamentos forçados e muitas outras situações que põem em risco suas vidas", denuncia um relatório publicado nesta quinta-feira pela organização Global Business Coalition for Education (GBCE).
Cinco milhões de crianças não poderão ir à escola por culpa da epidemia de ebola. EFE/Arquivo
Cinco milhões de crianças não poderão ir à escola por culpa da epidemia de ebola. EFE/Arquivo
Segundo o Unicef acrescentou, reabrir escolas e iniciar outra vez o sistema educacional no meio do caos atual é um desafio complicado, apesar de não poder ser adiado até que a situação esteja sob controle.
"Estes três países já tinham um dos índices educacionais mais baixos do mundo antes do surto e agora existe um risco muito elevado que o ebola destrua todos os avanços conseguidos nos últimos anos", declarou à Agência Efe a especialista em Educação em Emergências do Unicef, Sayo Aoki, que se encontra em Dacar.
Quando um estudante perde um ano ou mais de aulas se aumenta de forma significativa o risco que abandone seus estudos para sempre, por isso que é vital que os diferentes governos e as agências internacionais se coordenem para buscar soluções a curto e longo prazo.
"É muito importante que as crianças voltem à escola o mais rápido possível para que recuperem a sensação de normalidade e possam diminuir o trauma causado pela morte de seus pais ou parentes próximos", advertiu Aoki.
O maior problema é que ainda não existe um protocolo unificado para que as salas de aula possam reabrir de forma segura, e Unicef trabalha contra o tempo para estabelecer medidas preventivas básicas.
"É preciso fazer um trabalho prévio muito meticuloso, porque se não se poria em risco as crianças que vão às escolas, representando um novo passo atrás na luta contra o vírus", explicou.
Entre as medidas que foram acertadas já se destacam a medição de temperatura dos alunos, que lavem as mãos com sabão várias vezes ao dia e que cada escola tenha um hospital de referência para onde levar pacientes suspeitos.
Segundo o relatório do GBCE, o fechamento das salas de aula tem um impacto muito maior nas meninas, pois "muitos pais percebem que o casamento é a melhor maneira de proteger e assegurar um futuro para suas filhas".
Em uma escola de Serra Leoa, por exemplo, várias meninas do sexto ano ficaram grávidas nos últimos meses e algumas famílias já estão planejando seus casamentos, por isso que suas possibilidades de voltar às carteiras são quase nulas.
Enquanto os centros educacionais permanecerem fechados, o Unicef iniciou um programa para que os professores possam atuar como agentes de mobilização social e ajudar a conscientizar a população local.
"Os professores são pessoas que gozam da confiança do povo e podem ser uma ferramenta muito útil para que conheçam os riscos do ebola e como podem prevenir mais contágios", assinalou Aoki.
Por enquanto já formaram 6.000 professores na Libéria, aos quais em breve se somarão outros 5.000, e um programa muito similar em Serra Leoa conseguiu captar outros 7.200 docentes.
Para complementar o trabalho dos professores, o Unicef tenta colaborar com os governos de Libéria, Guiné e Serra Leoa para que as emissoras de rádio transmitam programas especiais para que as crianças possam aprender noções básicas de saúde e higiene.
Em Serra Leoa atualmente há 41 emissoras e uma rede de televisão que começaram a transmitir programas nos quais se dividem as principais disciplinas, embora não seja exatamente o que pretendem conseguir.
"Em outubro, a Libéria também iniciou um programa educacional para crianças", comentou a especialista, "mas queremos que seja um espaço mais participativo e interessante, e menos acadêmico, já que a rádio não pode substituir a escola".

sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

Um retorno à mãe África

Estudo da variedade genômica do continente revela história de mestiçagem humana



Quadro de 1805 que mostra alguns bosquímanos. / WIKIMEDIA COMMONS

Por JAVIER SAMPEDRO, no El País
Os geneticistas não esqueceram da África. Um projeto para cartografar a variação genômica do continente – maior do que a do resto do mundo junta – sequenciou os genomas de 320 pessoas de 7 grupos étnicos e linguísticos distintos, gerando um importante recurso de saúde pública e história das populações. O consórcio científico descobriu várias regiões genômicas que estão nesse momento sendo submetidas à seleção darwiniana, entre elas as envolvidas na resistência à malária e à hipertensão. Surpreendentemente, existem também padrões regionais de mescla com as populações euroasiáticas: o resto da humanidade saiu da África, mas parte dela regressou para o continente em algum momento.
“A história das origens e a diversificação humana é a história da África”, escreve Raj Remesar, da Universidade da Cidade do Cabo, África do Sul, na revista Nature. Uma das novidades mais interessantes do Projeto sobre a Variação do Genoma Africano é que, ainda que tenha recebido impulso dos Institutos Nacionais de Saúde (NIH) norte-americanos e do Wellcome Trust britânico – ou seja, dos atores principais do projeto genoma público –, está contando com uma participação ativa e crescente dos pesquisadores africanos, coordenados pela Sociedade Africana de Genética Humana e o Consórcio África H3.
O Projeto sobre a Variação do Genoma Africana apresenta no artigo principal da Nature dados genéticos (não genomas completos) de 1.481 indivíduos de 18 grupos etnolinguísticos da África subsaariana. E também os genomas completos de 320 pessoas de sete desses grupos que abarcam boa parte da variabilidade da Etiópia (nordeste da África), Uganda (leste) e do sul do continente. Essas populações também representam os três grandes grupos linguísticos da África: os falantes das famílias linguística Níger-Congo, Nilo-saariana e Afro-asiática, e os pontos chave das rotas migratórias da humanidade ancestral.
A variação genómica no continente é maior que a do resto do mundo junto
O objetivo primário do projeto genoma africano é aproveitar as sofisticadas ferramentas da genômica para melhorar a saúde pública e o desenvolvimento biomédico – identificando os fatores de propensão às doenças e resposta a fármacos, por exemplo –, mas a África é o berço da humanidade, e o genoma de suas populaçõescontém também um registro vivo de nossas origens e nossa evolução. E não poucas surpresas.
Os dados revelam, por exemplo, uma considerável mescla dos genomas do oeste africano com populações euroasiáticas que, obviamente, devem ter migrado de volta para a África entre 7.500 e 10.500 anos atrás. Nessa época ocorria no leste do Mediterrâneo a revolução neolítica que inventou a agricultura e permitiu os primeiros assentamentos humanos, as primeiras cidades e a divisão do trabalho. As migrações originais saindo da África (out of Africa) que levaram a humanidade para o resto do planeta foram muito anteriores, entre 60.000 e 100.000 anos atrás.
Quando os humanos migraram para fora da África, levaram em seus genomas um subconjunto da variação genética ancestral africana"
A população do oeste da África também mostra as pegadas genômicas de outras mestiçagens passadas: dessa vez com o Khoe-San do sul da África, as populações de bosquímanos as quais não somente a genética, mas também a linguística, apontam como herdeiros diretos dos primeiros humanos modernos. Os Khoe-San, como outras populações de bosquímanos isoladas em diversos lugares da África, são falantes de ‘línguas-click’, onde muitas consoantes consistem em estalos da boca e da língua, como o som de um beijo.
Uma da ideias mais extraordinárias dos cientistas é que essas migrações euroasiáticas de volta para a África, ou dos Khoe-San do sul para o resto da África, levaram consigo um “gene wanderlust” (literalmente, um gene do espírito viajante, ou do desejo de viajar) que, desse modo, foi transmitido para outras populações africanas e que, finalmente, ocasionou a grande expansão dos bantos que espalhou por todo o continente as linguagens da família Níger-Congo, entre 3.000 e 5.000 anos atrás, somente. O que seria esse espírito viajante?
Charles Rotimi, diretor do Centro de Investigação Genômica e Saúde Global dos NIH, em Bethesda, e um dos coordenadores do estúdio, responde para o EL PAÍS: “O gene wanderlust se refere ao fato de que os humanos amam viajar e interagir com outras populações humanas próximas ou afastadas; ao chegar em novos destinos, os humanos amam compartilhar seu DNA, e no processo continuam disseminando o tecido genético humano”.
A África é o berço da humanidade, e o genoma de suas populações contém também um registro vivo de nossas origens e nossa evolução
“Somos portanto um mosaico da constituição genética de todos os nossos ancestrais”, prossegue Rotimi. “Quando os humanos migraram para fora da África há dezenas de milhares de anos, levaram em seus genomas um subconjunto da variação genômica ancestral africana; a presença de mesclas genômicas não-africanas – por exemplo, europeias e asiáticas – nas populações africanas atuais mostras evidências de migração em reverso, de volta para a África vinda da Europa e outras partes do mundo”.
Raj Remesar, chefe da divisão de Genética Humana da Universidade da Cidade do Cabo, não envolvido no estudo, coloca em um e-mail que a existência desse gene wanderlust não é certa. “Wanderlust refere-se às pessoas que gostam de viajar”, diz. “Minha noção é que o impulso que originalmente levou os africanos a sair do continente foram as pressões do entorno natural, mas depois podem ter ocorrido tendências genéticas que foram selecionadas a favor, por exemplo a tendência a continuar se movendo, a continuar viajando; e talvez tenha sido esse traço que levou alguns deles a viajar de volta para a África, e muito antes dos que as evidências nos levavam a crer. E que foi só depois desse traço entrar na África que ocorreram as migrações massivas que levaram os bantos para toda a África”.
Os grupos etnolinguísticos Afro-asiático e Nilo-saariano, por outro lado, não são tão homogêneos como se havia pensado anteriormente: sua contribuição para a diversidade genética africana é muito alta. Os pesquisadores interpretam que o outro grande grupo linguístico, o Níger-Congo, que dá conta da grande maioria da população na África subsaariana atual, representa uma propagação muito recente (talvez há somente 3.000 anos), e portanto muito homogênea, que se sobrepôs a populações antigas e muito mais variadas. As evidências genéticas e linguísticas contam mais uma vez a mesma história.
Pelo menos na genômica, a África começou a despertar.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

Finlandês cria diálogo de luzes e cores com fotos que tematizam arquitetura

Mostra "Geometric Light" explora contrastes criados pelo fotógrafo finlandês. Entre o realismo e a abstração, ele busca revelar a "alma" de grandes obras arquitetônicas.


Da Deutsche Welle

Grandes arquitetos e icônicas construções são o foco do trabalho do fotógrafo Ola Kolehmainen. O finlandês, que desde 2005 vive em Berlim, é um dos mais importantes representantes da Escola de Helsinki, grupo de fotógrafos e artistas que têm em comum a busca por uma consciência estética intensa e precisa.

A exposição Geometric Light (Luz geométrica), em cartaz na Haus am Waldsee em Berlim, é também o nome de uma série de imagens que integra a mostra e revela o caráter fortemente artístico e abstrato que Kolehmainen imprime em suas composições fotográficas. Com a sobreposição de negativos e o contraste de cores, o artista cria fotografias que remetem às pinturas construtivistas de Paul Klee e František Kupra.

No entanto, o mais impressionante – e corpo celeste da exposição – são os desdobramentos imagéticos que Kolehmainen constrói em seus estudos e reflexões sobre a mesquita Santa Sofia, em Istambul, construída entre os anos 532 e 537, e as mesquitas projetadas pelo arquiteto turco Mimar Sinan no século 16.

Fotografias de Kolehmainen remetem ao construtivismo de Klee e Kupra

"As fotos fogem do caráter documental, tradicional na fotografia contemporânea alemã, para criar essas espetaculares e belas imagens, que não são só decorativas. Nessa diferença reside a magia do trabalho de Kolehmainen. Sua visão é orgânica e não se prende só no intelectual. Ele cria uma nova maneira de observarmos a arquitetura", disse a curadora Katja Blomberg, na abertura da exposição em Berlim.

Teoria pessoal e artística
O que pode ser visto na capital alemã é um aprofundamento dos estudos arquitetônicos que permeiam todo o trabalho de Kolehmainen, nome fortemente associado a grandes arquitetos modernos, como Mies van der Rohe, Frank Gehry e Alvar Aalto.

Por anos, ele tentou evitar o trabalho do finlandês Alvar Aalto, um dos principais nomes da vertente orgânica da arquitetura moderna no século 20. "Não queria que pensassem que eu era nacionalista", comenta o artista, em tom de brincadeira. No entanto, há uma conexão muito forte entre ambos na obsessão pela relação entre luz e espaço. "Sinan foi uma grande influência no trabalho de Aalto", explica Kolehmainen.

Por essa perspectiva, o finlandês fez uma viagem no tempo, até a origem da sua inspiração. Por 20 dias, ele fotografou a catedral de Santa Sofia em Istambul e foi a fundo no trabalho do arquiteto Mimar Sinan, não só na Turquia, mas principalmente no sul da Espanha.

Kolehmainen passou 20 dias fotografando a mesquita Santa Sofia em Istambul

"Nos últimos anos me interessei por me aproximar dessas obras arquitetônicas e tentar criar em cima delas. Para mim, era importante usar o elemento visual para criar em cima do que eu podia ver. Queria que minhas imagens fugissem da realidade", diz o finlandês.

Mesmo que poético, o olhar de Kolehmainen é curioso e perspicaz nas suas relações artísticas e históricas. Ele apresenta suas experiências e compartilha seu olhar criando surpresas e mostrando novos ângulos e perspectivas dos prédios, ressaltando detalhes e fachadas.

"O que podemos ver em Geometric Light é o meu estudo desses lugares, e parte desse estudo é a relação entre essas fotos através das cores. Queria provar que minhas teorias pessoais funcionam, mesmo que elas não estejam escritas. Esse foi o caminho que encontrei para demonstrá-las de uma maneira artística e não acadêmica", explica Kolehmainen.

Experiência de luzes e cores
Kolehmainen é associado à arquitetura moderna

Na exposição em Berlim, o conceito de luz e cor das fotos de Kolehmainen ganha uma perspectiva adicional. Geometric Light ganhou uma instalação de cores desenvolvida especialmente para a Haus am Waldsee pelos artistas Matthias Sauerbruch e Louisa Hutton.

"Ola perguntou se uma antiga amiga poderia criar uma concepção de cores para a exposição.
Trabalhamos sempre com várias cores aqui na Haus am Waldsee, mas essa é a primeira vez que uma colaboração entre artistas é criada para interligar o espaço e as obras através das cores", explica a curadora Katja Blomberg.

A sensibilidade e a percepção de luz e cores das fotos ganham uma nova perspectiva com a maneira que as obras são expostas e com as cores nas quais elas são contrastadas.

"Ola cria um diálogo entre luzes e cores que é muito abstrato e sensível. Tentamos recriar esse diálogo entre as próprias fotos, as cores e a arquitetura", afirma Hutton.

A inglesa não achou problemático que o orçamento para o seu trabalho bastasse apenas para um dos andares da Haus am Waldsee. "O cubo branco é ideal para realçar a intensidade de cores nas fotos mais geométricas. Aquelas fotos pediam um ambiente mais neutro", explica.

Geometric Light está em cartaz na Haus am Waldsee

Hutton, que gosta de chamar as fotografias de Kolehmainen de pinturas, diz que a ideia era reproduzir a ambiguidade das obras. "Trabalhamos com a técnica do contraste simultâneo, onde a sobreposição cria uma ilusão através de relações com cores opostas ou complementares."

A artista também brincou com a arquitetura da Haus am Walsee, uma mansão construída no subúrbio de Berlim na década de 1920 pelo arquiteto Max Werner. Desde 1946, o espaço é dedicado a exposições de arte contemporânea.

"Outro paradoxo é como a arquitetura da Haus am Walsee é ignorada pela maneira como utilizamos essas cores nas paredes. Nossa intenção foi realçar ou rearranjar esses detalhes para torná-los mais visíveis e complementares às pinturas de Ola", diz Hutton.