terça-feira, 22 de setembro de 2020

Judiciário, imagem combalida

 


O ministro Luiz Fux assumiu a presidência do Supremo Tribunal Federal (STF) com um discurso promissor. Foi claro no seu apoio ao combate à corrupção, na sua explícita desconformidade com o ativismo judicial, no seu deferente respeito pela independência e legítima autonomia dos Poderes da República e no seu renovado compromisso com a liberdade de imprensa e de expressão.

 

O novo presidente da Corte não ficou em conceitos abstratos ou em meras declarações de ocasião. "Não permitiremos que se obstruam os avanços que a sociedade brasileira conquistou em razão das exitosas operações contra a corrupção autorizadas pelo Judiciário, como ocorreu no mensalão e tem ocorrido com a Lava Jato." Sua gestão, ao menos no que dele depender, não será marcada pela retórica da tergiversação, pelos malabarismos processuais e pelo juridiquês que oculta o rosto perverso da impunidade. Simples assim. Será pró-Lava Jato. A sociedade entendeu o recado: os eventuais excessos ou pecadilhos da Lava Jato não justificam seu escancarado desmonte.

Fux criticou a judicialização da política e o excesso de ações que o Supremo julga por ano. Ao dizer que o Judiciário não é "oráculo", defendeu a tese de que Executivo e Legislativo resolvam seus conflitos internos, sem que o STF atue verticalmente, e prometeu uma "intervenção minimalista" em matérias sensíveis: "menos é mais", disse com sabedoria e pragmatismo. "Conclamo os agentes políticos e os atores do sistema de Justiça a darmos um basta na judicialização vulgar e epidêmica de temas e conflitos em que a decisão política deva reinar." Foi certeiro.

A liberdade de imprensa e de expressão e a defesa das minorias também mereceram destaque no discurso de Fux. "O Judiciário não hesitará em proferir decisões exemplares para proteger minorias, liberdade de expressão e imprensa, a preservação da nossa democracia e do sistema republicano." Trata-se de oportuno contraponto à surpreendente retórica de seu antecessor. De fato, em debate promovido pelo site Poder 360, o ministro Dias Toffoli espraiou-se em descabida comparação entre atividades da imprensa e do Judiciário. Depois de se referir ao fato de que toda empresa de comunicação tem seu editor, explicou: "Nós, enquanto Judiciário, enquanto Corte, somos editores de um país inteiro, de uma nação inteira, de um povo inteiro". Declaração explícita de autoritarismo. Autêntico AI-5 informal do Judiciário.


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Recentemente, sob o pretexto de combater as fake news, na contramão da Constituição, e assumindo o papel de polícia, promotor e juiz da própria causa, a Corte Suprema minou as garantias básicas do cidadão da liberdade de expressão ao direito de defesa. Pessoas foram presas sem culpa formada e blogs foram censurados. Há crimes? Cumpra-se a lei. Aplique-se o Código Penal. Mas não se use um remédio que seja capaz de matar a liberdade.

O ministro Luiz Fux tem a nobre e árdua missão de recuperar a imagem do STF e contribuir, de algum modo, para a recuperação do prestígio do Poder Judiciário perante a sociedade. A crise de credibilidade do Judiciário é acelerada e preocupante.

O noticiário, infelizmente, não tem trazido boas notícias para uma população que vê nos juízes sua derradeira esperança. Pincei, ao acaso, dois episódios exemplares. Existem muitos outros. Infelizmente. A desembargadora do Tribunal de Justiça da Bahia Maria do Socorro Barreto Santiago, ex-presidente da Corte, está presa, denunciada na Operação Faroeste. Trata-se de denúncia do Ministério Público Federal contra 15 investigados na operação que apurou esquema de compra e venda de sentenças em disputas de terras na região oeste da Bahia. Isso mesmo, amigo leitor: venda de decisões judiciais e sob o comando da presidente do Tribunal de Justiça. A desembargadora, certamente, continua recebendo integralmente seus honorários.

Setembro não fechou e outro escândalo abala o Judiciário. O juiz da 7ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro, Marcelo Bretas, aceitou denúncia contra 26 pessoas por suposto envolvimento em esquema que teria desviado, entre 2012 e 2018, R$ 151 milhões de recursos repassados pela Receita Federal ao Sistema S Sesc, Senac e Fecomércio - do Estado, por meio de contratos fictícios de advocacia. A força-tarefa da Lava Jato do Rio investiga ainda suspeita de desvios de outros R$ 204 milhões pelo esquema.

Entre os réus estão o advogado Eduardo Martins (filho do presidente do Superior Tribunal de Justiça, ministro Humberto Martins), o também advogado Tiago Cedraz (filho do ministro Aroldo Cedraz, do Tribunal de Contas da União), o ex-ministro do STJ César Asfor Rocha e seu filho, Caio Rocha, os advogados Cristiano Zanin e Roberto Teixeira, que representam o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a advogada Ana Tereza Basílio, defensora do governador afastado do Rio, Wilson Witzel (PSC), além do ex-governador Sérgio Cabral (MDB) e da ex-primeira-dama Adriana Ancelmo.

Resumo da ópera: suspeitas graves de corrupção gravitam à volta das mais altas Cortes do País. As instituições brasileiras estão no limite, não têm gordura para queimar em termos de credibilidade.

Boa sorte, presidente Fux.

Por Carlos Alberto Di Franco, em O Estado de S. Paulo   


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