A
literatura portuguesa nasceu de uma conjuntura histórico-cultural muito
peculiar. Podemos dizer que surgiu juntamente com a nação, quando, no ano de
1094, Afonso VI, rei de Leão, casa suas duas filhas, Urraca e Teresa, com o
conde Raimundo de Borgonha e com D. Henrique, respectivamente.
Após a
morte de D. Henrique, Teresa governa e estreita relações com os galegos. Em
virtude da união linguística entre Portugal e Galícia, dada a partir daí, as
primeiras manifestações literárias registradas em galego-português também
tiveram influência de Provença, região meridional francesa.
Eventualmente,
as cruzadas fizeram com que os fiéis migrassem para Lisboa com o objetivo de ir
a Jerusalém, contribuindo para introduzir em Portugal a nova moda poética. A
recepção foi fluida, pois havia uma predisposição formada por uma poesia
popular de velha tradição. O amálgama criado entre o popular e o provençal
manifestou-se num caráter próprio assumido pelo trovadorismo.
Dessa
forma, a cantiga de Paio Soares de Taveirós dedicada a Maria Pais Ribeiro,
conhecida como “cantiga de garvaia”, de 1198, marca o início da literatura
portuguesa, por ser o primeiro documento literário que se possui em vernáculo.
A poesia trovadoresca se ramificava em duas espécies principais: a
lírico-amorosa e a satírica. Foram representadas por nomes como Dom Duarte, Dom
Dinis, João Garcia de Guilhade, entre outros. O trovadorismo ainda se
caracterizava pelas novelas de cavalaria, escritas em prosa e lidas. Os
cronicões, livros de linhagem e hagiografias são manifestações literárias
importantes do mesmo período.
Posterior
ao trovadorismo, o humanismo tem princípio quando Fernão Lopes é nomeado
guarda-mor da Torre do Tombo por D. Duarte, em 1418. A época se caracteriza
pela forte mudança de mentalidade processada em Portugal devido ao processo de
humanização da cultura, que se torna laica em grande medida. O cronista Fernão
Lopes, autor de crônicas regiocêntricas e políticas, juntamente com Gomes Eanes
de Azurara e Rui de Pina, são os maiores expoentes do período. No teatro
primitivo, rudimentar e popular, Gil Vicente deu o tom de entretenimento nos
animados serões oferecidos pelo rei.
A
EPOPEIA OS LUSÍADAS
Tal
movimento preparou os portugueses para a chegada do Renascimento, um
desenvolvimento natural do humanismo. A arte clássica é racionalista e
formalista por excelência. Outrossim, a introdução de novos gêneros literários
e a inspiração na cultura clássica greco-latina marcaram o período
renascentista. Entre os novos gêneros, estavam os romances de cavalaria e a
literatura de viagens, que tiveram como principais representantes Luís de
Camões, Sá de Miranda e Fernão Mendes Pinto. Os Lusíadas, de 1572, se
caracteriza como epopeia que constitui um feliz retrato da visão de mundo
própria dos portugueses quinhentistas e também reporta o ápice da progressão
histórica do país.
Com 10
cantos, 1.102 estrofes e 8.816 versos, o poema tem como núcleo narrativo a
viagem empreendida por Vasco da Gama quando intentava estabelecer contato com
as Índias. A obra de Camões ultrapassa o século 16 e adquire valor não apenas
europeu, mas universal. Certamente, representa o domínio do homem novo sobre os
elementos da natureza numa época de clímax antropocêntrico: a ansiedade por
novas conquistas faz com que o homem supere a certeza de sua própria pequenez,
na medida em que ele experimenta a magnificência de sua força física e moral.
Camões, o gênio, é considerado o maior poeta de todos os tempos.
EM
TERRAS BRASILEIRAS
Paralelamente
ao classicismo português, o Quinhentismo se revela como primeira manifestação
literária em terras brasileiras. É um período que reúne relatos de viagem com
características informativas e descritivas. Os textos descrevem as terras
descobertas pelos portugueses no século 16, desde a fauna, a flora e o povo. Os
principais cronistas desse período são Pero Vaz de Caminha, o padre Manuel da
Nóbrega e o padre José de Anchieta.
A
partir do Barroco, podemos dizer que há uma sequência de influxos vindos da
Europa que resulta em manifestações literárias esparsas e sem um paralelismo
rigoroso. Os três primeiros séculos de nossa vida artística podem ser
considerados híbridos, já que absorvíamos códigos literários europeus, porém
com muitos traços coloniais. Ainda no Arcadismo, com Obras poéticas, de Cláudio
Manoel da Costa, e Uruguai, de Basílio da Gama, pode-se perceber que as
fórmulas arcádicas europeias já se constituem como um meio inadequado para
expressar os desejos de autonomia que a intelectualidade brasileira já ansiava.
A busca
de fontes outras que não portuguesas ou ibéricas para interpretar a realidade
já era uma ruptura consciente com o passado, de forma a procurar caminhos
essencialmente brasileiros. Gonçalves de Magalhães, ao fundar a Niteroi,
revista brasiliense, e ao publicar Suspiros poéticos e saudades, ambos em 1836,
pretendia uma reforma na literatura através de seus ideais românticos. Os
escritores da época exploraram temas como a natureza, o sentimentalismo, a
religiosidade, o ufanismo, o indianismo, e o nacionalismo. Gonçalves Dias,
Teixeira e Souza, José de Alencar, Álvares de Azevedo e Castro Alves são os
mais importantes autores da época.
MACHADO
DE ASSIS
Buscando
inversão dos ideais românticos, o Realismo, marcado pelo objetivismo,
veracidade e denúncia social, tem como marco inicial a obra Memórias póstumas
de Brás Cubas, de Machado de Assis, em 1881. Sensível à mesquinhez humana,
Machado usou-a como objeto de reflexão cotidiana, atravessando a história e
firmando-se como o maior cânone da literatura do país.
Com uma
genialidade atemporal, os trabalhos de Machado são perenes, pois abordam aquilo
que nos é intrínseco, ao mesmo tempo em que captam estímulos do ambiente
tipicamente brasileiro do fim do século 19. Raul Pompeia, com O ateneu,
partilhava com Machado a finura da observação moral, e Aluízio de Azevedo
escreve o primeiro romance realista-naturalista do país, O mulato.
O
próprio Machado propôs discussão sagaz acerca de nossa identidade cultural por
meio da literatura, pois reconhecia na produção estética de sua época um
instinto de nacionalidade que dava fisionomia própria ao pensamento nacional.
Mais tarde, já no início do século 20, José Veríssimo refletia sobre a
emancipação literária brasileira, certa desde o Romantismo. Antonio Candido,
Gilberto Freire e Sérgio Buarque de Holanda expandiram as reflexões acerca do
fato literário através de uma consciência cada vez mais nítida da identidade
cultural brasileira.
Sem
dúvidas, há em nossa literatura traços culturais próprios e descolados da
antiga metrópole portuguesa que formam um complexo sistema capaz de dar solidez
e consistência inegáveis à produção literária no Brasil. Através das
singularidades de um país marcado pela exploração colonial, é natural que se
busquem, através das artes, diretrizes que regenerem as feridas. Dessa forma, o
desenvolvimento mental de uma nação independente contribuiu para a consolidação
de uma consciência nacional única, que, por conseguinte, refletiu sua soberania
ideativa e sua autonomia estética por meio da literatura.
Por Marina Almeida, no Estado de Minas
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