quarta-feira, 9 de setembro de 2020

'DEVE EXISTIR TRANSPARÊNCIA SOBRE AS PLATAFORMAS

 


Países como o Brasil precisam criar legislações que imponham deveres às grandes plataformas digitais, já que elas constituem a esfera pública atual e têm enorme impacto na democracia. 


Essa é a opinião do brasileiro Ricardo Campos, docente assistente na Goethe Universitàt Frankfurt am Main, na Alemanha, e um dos autores do livro "Fake news e regulação", uma das referências do Congresso no debate da Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet, a chamada lei das fake news. Campos acredita que o projeto, já aprovado no Senado, ainda pode obter sinal verde na Câmara este ano. Na Alemanha, comentou, a lei que regula as plataformas acaba de ser reformada, endurecendo ainda mais os controles.


O livro que o senhor escreveu junto com outros colegas inspirou o projeto de lei brasileiro?

Sim, comecei a me envolver no tema porque estou na Alemanha, trabalho na universidade e acompanhei todo o trâmite da lei alemã. Debati com os alemães e publicamos o livro, com autores da Alemanha e do Brasil. O projeto aprovado no Senado tem muito de nosso livro. Várias de nossas propostas entraram no projeto. Fizemos, recentemente, uma sugestão de modificação do artigo 12, sobre procedimentos de moderação.

0 que vocês sugeriram?

O artigo 12 é um pilar do projeto, porque as plataformas digitais são máquinas de moderação. Hoje elas fazem isso de forma privada e pouco transparente. Não sabemos onde é feita a moderação de conteúdos, por exemplo. As plataformas gerenciam a liberdade de expressão nos países e deve existir no mínimo transparência sobre seus critérios. Um ponto importante que incorporamos é a transparência do algoritmo. Saber quem faz a moderação, que empresa, onde ela está, como seus funcionários são treinados. Se uma notícia é tachada como falsa, por exemplo por uma empresa de checagem, e removida, é preciso que todas as pessoas que interagiram com aquela notícia falsa ou crime recebam uma notificação e sejam confrontadas com a notícia verdadeira. As pessoas que compartilharam um crime devem saber isso. E isso não está ainda no projeto.

O projeto também busca regular a publicidade através das plataformas, algo que tem gerado debate no Brasil.

Sim, isso é importantíssimo. As plataformas são máquinas de publicidade, mas são supralegais, não respeitam a legislação nacional. A Secretaria de Comunicação do governo (Secom) tem contratado a Google diretamente para veicular publicidade e, dessa maneira, passa por cima do regime jurídico brasileiro. A Google direciona pagamentos para sites que fomentam fake news e não existe controle. Porque, mais uma vez, as plataformas são máquinas de publicidades que funcionam à margem da lei. Houve uma discussão recentemente no Tribunal de Contas da União (TCU) onde se perguntou por que não se aplica o direito nacional às plataformas que veiculam publicidade. Por que elas têm essa vantagem competitiva. Uma discussão que pode chegar ao Supremo Tribunal Federal (STF).

Especialistas dizem que uma lei sobre regulação de plataformas leva tempo. O senhor acha que o Brasil ainda precisa de um longo debate?

A lei alemã, para mim nossa principal referência, foi aprovada depois de dez meses de debate. Ela está moldada para discurso de ódio, mas também abrange fake news na medida em que toca um crime como a difamação, por exemplo. Ela foi reformada recentemente, endurecendo o controle sobre as plataformas. Um dos novos pontos fala sobre o dever das plataformas de notificar os crimes que acontecem dentro dela.

Qual sua opinião sobre o artigo que impõe o rastreamento de mensagens no WhatsApp?

Primeiro fui contra, mas cheguei à conclusão de que o artigo obriga as empresas a guardarem o identificador da mensagem que viralizou, não obriga a guardar conteúdo. Não atinge a criptografia. Mensagens autorais não são guardadas, tampouco as que rodam pouco, apenas as que atingem mil usuários e forem compartilhadas mais de cinco vezes.

Em nenhum lugar do mundo se regulam serviços de mensagens...

Não, mas em nenhum lugar do mundo eles têm o impacto que têm no Brasil. E uma infraestrutura de comunicação pública. Ninguém quer calar cidadãos, o que se quer é criar mecanismos de responsabilização de uma produção em escala industrial de notícias falsas.

Por JANAÍNA FIGUEIREDO, em O Globo  


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