segunda-feira, 17 de agosto de 2020

De onde vem o dinheiro do cinema?

 

É preciso esclarecer equívocos que tão mal fazem à economia do cinema brasileiro. Os recursos que irrigam nossa indústria cinematográfica não são verbas subtraídas da saúde, da educação ou de qualquer outro item do Orçamento da união, como muitos apregoam.


São duas as fontes que geram os recursos financeiros essenciais para o desenvolvimento da indústria audiovisual, em todos os seus segmentos: 1) lei 8.685/1993, instituída pelo governo Itamar Franco, posteriormente aprimorada e operacionalizada no governo Fernando Henrique; b) Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional (Condecine), criada pela iniciativa do então ministro do Planejamento João Paulo Reis Veloso, em 1976, no governo Geisel.

A lei 8.685/1993, hoje conhecida como Lei do Audiovisual, é uma lei de renúncia fiscal que possibilita pessoas físicas e jurídicas abaterem de seu Imposto de Renda 3% (pessoa jurídica) e até 6% (pessoa física) e aplicarem na produção de filmes em forma de investimento ou patrocínio. Esse mecanismo funcionou de forma plena até 2018 e chegou a injetar na atividade cerca de R$ 400 milhões/ano.

Em 2019, quando venceu o prazo de vigência de dois artigos dessa lei (art. 1° e 1A), o Congresso aprovou a renovação de ambos, mas, em seguida, estes foram vetados pelo presidente Jair Bolsonaro. Agora, tendo o Congresso rejeitado os vetos do presidente, fica reestabelecida a vigência da lei 8.685 na sua integralidade.

Quanto à Condecine, tecnicamente, trata-se de uma Cide (Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico), mas que pode ser entendida como o "pedágio" que todos os filmes (nacionais e estrangeiros) e conteúdos audiovisuais pagam para explorar o mercado brasileiro. Estão sujeitos a esse "pedágio" produtores, exibidores e distribuidores, canais de TV aberta e por assinatura, além de empresas de telefonia.

A Condecine é a principal fonte de receita do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA) . Tal taxa tem gerado em torno de R$ 1,3 bilhão por ano, sendo que desde 2012 essa receita veio sendo contingenciada pela União para cobertura do déficit fiscal. Cerca de R$ 6 bilhões do Fundo Setorial do Audiovisual foram contingenciados indevidamente desde 2013, pois a Condecine, nos termos da MP 2.228, tem finalidade específica: sua receita só pode ser aplicada na indústria cinematográfica nacional.

Ainda assim, nas redes sociais e mesmo nos jornais, há sempre alguém acusando o cinema de "mamar nas tetas do governo". É importante lembrar que produtores, exibidores, distribuidores, canais de TV, atores e técnicos pagam milhões de reais à pesada cadeia tributária (federal, estadual e municipal).

No entanto, o injusto e maldoso mantra reafirma que "mamamos nas tetas...", quando, como vimos acima, é o governo quem mama nas tetas do cinema.

Outra questão que, de tão repetida, se tornou uma acusação, é a de que os recursos financeiros que viabilizam a nossa atividade são públicos. Essa tese vem sendo adotada pelas sucessivas diretorias da Ancine (Agência Nacional do Cinema).

Essa errônea interpretação do que é dinheiro público está na raiz da amai crise de prestação de contas, pois, para legalizar o uso dos recursos gerados pelas citadas leis, as nossas empresas foram enquadradas na Lei de Diretrizes e Bases Orçamentárias em regime de convênio. Mas tal regime só pode ser praticado com instituições sem fins lucrativos. Nossas empresas são comerciais/industriais, com fins lucrativos. Essa ilegalidade já foi denunciada em voto proferido pelo ministro Bruno Dantas, do TCU (Tribunal de Contas da União).

Travamo s tuna luta de resistência contra esse monstro de sete cabeças em que as seguidas diretorias da Ancine a transformaram, introduzindo 101 emendas na MP 2.228 e editando mais de 150 instruções normativas que nos levaram a tal labirinto burocrático que o ato de produzir um filme se tornou quase impossível.

Somente aforça, o vigor empreendedor e o talento criativo daqueles que realmente fazem cinema viabilizaram as centenas de filmes que nos últimos anos têm mantido e ampliado, em todas as telas do mundo, a imagem do Brasil.

Sempre afirmei e volto a afirmar: país sem cinema é como casa sem espelho.

Por Luiz Carlos Barreto, na Folha de S. Paulo  


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