quarta-feira, 5 de agosto de 2020

Conceito mantido


A consequência conceituai da decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin de revogar a liminar dada pelo ministro Dias Toffoli a favor do compartilhamento de documentos da Operação Lava-Jato com a Procuradoria- Geral da República é a manutenção da estrutura em que as forças-tarefas foram idealizadas e funcionam muito bem em diversos casos, não apenas na Operação Lava-Jato.

Esta é a principal indicação de que o procurador-geral, Augusto Aras, tem objetivos políticos, e não técnicos, para tomar a iniciativa de querer ter acesso a informações sigilosas, pois não fez o mesmo gesto em relação a outras forças-tarefas.

O conceito de independência e autonomia que baseia o funcionamento do Ministério Público é fundamental para sua atuação desgarrada de pressões políticas. O procurador-geral da República é chefe dos procuradores apenas em casos administrativos, mas não pode ter ingerência nas investigações, a não ser que elas abranjam figuras com foro privilegiado.

Nesse caso, os indícios e provas colaterais que surgirem em decorrência de investigações devem ser enviados para a Procuradoria-Geral da República, que os encaminhará aos tribunais superiores. Mas o ministro Edson Fachin nem entrou no mérito da ação da PGR, por estar baseado em equívoco, e revogou a liminar de Toffoli, "com integral efeito ex tunc", o que, no juridiquês, é um recado forte a Aras: você não poderá usar nada das provas a que teve acesso.

O PGR recorrerá da decisão com o principal argumento de que Sérgio Moro, quando juiz em Curitiba, atendeu a um pedido do chefe dos procuradores da Operação Lava-Jato, Deltan Dallagnol, e autorizou no dia 6 de fevereiro de 2015 "o compartilhamento das provas e elementos de informações colhidas nos processos, ações penais, inquéritos e procedimentos conexos, atinentes à Operação Lava-Jato", o que é verdade. Mas Moro deixou claro que apenas "para fins de instrução dos procedimentos instaurados ou a serem instaurados perante o Egrégio Supremo Tribunal Federal para apuração de supostos crimes praticados por autoridades com foro privilegiado".

Depois, Moro deferiu mais um pedido para que os dados fossem compartilhados como Superior Tribunal de Justiça (STJ). Em junho daquele ano,foi a juíza Gabriela Hardt, que substitui Moro, quem deferiu outro pedido de compartilhamento de casos conexos à Lava-Jato com as instâncias superiores: "Defiro o requerido, expressamente autorizando o compartilhamento das provas, elementos de informação e do conteúdo de todos os feitos, já existentes e futuros, referentes à Operação Lava-Jato, para o fim de instruir os processos e procedimentos já instaurados ou a serem instaurados perante o STJ e o STF".

Essas decisões, em vez de avalizarem, desmentem a tese de Augusto Aras de que os procuradores de Curitiba trabalham com uma "caixa-preta" de informações secretas que não compartilham com ninguém. A 13ª Vara Federal emitiu nota oficial esclarecendo que houve diversas decisões de compartilhamento em relação a vários órgãos públicos, como Receita Federal, Tribunal de Contas da União (TCU) e Cade.

Além disso, as decisões textualmente apontam que o compartilhamento deve ocorrer "para a instrução de outros processos e procedimentos criminais". O caso dos presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, e do Senado, Davi Alcolumbre, que teriam sido incluídos numa lista com os nomes incompletos para burlar a prerrogativa de foro, segundo acusação da PGR, foi autorizado pelo próprio Supremo, por decisão do ministro Fachin.

A Cervejaria Petrópolis alegou que havia vários nomes com foro especial na investigação de Curitiba, e Fachin manteve os casos da primeira instância. Mas a disputa entre Aras e a Lava-Jato está longe do fim, embora a decisão do ministro Edson Fachin possa arrefecer o ímpeto do procurador-geral da República. Ainda restam processos de afastamento do procurador Deltan Dallagnol no Conselho Nacional do Ministério Público, que não se restringe à pessoa de Dallagnol, mas a um procurador à frente de casos relevantes contra corrupção, e o desejo de muitos de retaliação, e a renovação da Força-Tarefa da Operação Lava-Jato no dia 10 de setembro, e a permanência de procuradores com dedicação exclusiva.

Aras tem objetivos políticos, e não técnicos, para tomar a iniciativa de querer acesso a informações sigilosas

Por Merval Pereira, em O Globo   




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