Pais precisam observar sintomas que podem surgir no
decorrer do tempo
Acostumadas
a correr, brincar, pular e saltar em ambientes abertos e rodeadas de amigos e
colegas, as crianças têm sentido os efeitos de ficar o dia inteiro dentro de
casa nesse perírodo de isolamento social. Longe da escola, da creche, dos
parques e das praças, das casas de amigos e parentes e de outros ambientes a
que estavam habituadas, elas ainda têm que lidar com a educação a distância, um
formato até então inédito para o ensino formal de crianças e adolescentes.
“Nesse período de pandemia e consequente isolamento social, a rotina das
crianças, inevitavelmente, sofre mudanças. A maior mudança é não ir à escola, e
esse período da vida da criança no ambiente escolar é muito relevante. Ficar
sem esses momentos em que a criança exercita sua socialização, compartilha
conhecimentos e os adquire de maneira próxima com professores/educadores, pode
ser um fator gerador de estresse emocional”, diz o psicólogo clínico Danilo
Lima Tebaldi, do Centro de Saúde Escola, unidade auxiliar da Faculdade de
Medicina de Botucatu, Universidade Estadual Paulista (Unesp).
Segundo o psicólogo, os pais precisam prestar atenção a alguns sinais e
sintomas que podem surgir no decorrer do tempo. “Os pais devem ficar atentos a
qualquer mudança de comportamento dos filhos, ou seja, comportamentos que antes
a criança não apresentava e passou a apresentar, tais como agressividade,
comportamento inquieto e/ou agitado, presença de medos infundados e aspectos
regredidos de comportamento [como chupar o dedo].”
É o que está acontecendo com Heitor, de 4 anos. Ele voltou
a ter escapes de fezes e a ficar muito irritado, conta a servidora
pública Luiza Gabriela Silveira Felipe, que é também mãe de Marina, de 3 meses.
“Ele sempre foi uma criança muito agitada, mas não era nervoso. Como ele
ficou sem socializar, acabei liberando coisas [com] que ele não tinha costume,
como o uso de video game. Acho que isso favoreceu para deixá-lo
muito nervoso. Além disso, com a chegada da irmã, a gente teve que dividir a
atenção dele, e ele não está sabendo lidar com isso”.
Luiza reassalta que voltaram comportamentos que há muito tempo Heitor
não tinha. “Ele voltou a ter escapes, a fazer cocô na calça, coisa
que não fazia há anos. Ele também está comendo roupa, ele fica se machucando...
Fica muito nervoso, e a gente não consegue controlar o nervoso dele. Procurei
ajuda de uma psicóloga infantil, ela me deu umas dicas, mas acredito, sim, que
quando passar essa pandemia acabe isso.”
Diálogo constante
Tebaldi recomenda muito diálogo com os filhos nesse momento difícil. “Os
pais devem estimular o diálogo com seus filhos, explicando o que está
acontecendo a eles de uma maneira adequada a faixa etária de cada um. Ou seja,
para crianças pequenas, a linguagem deve ser simples e acessível ao
entendimento delas. E deve-se tomar cuidado com o excesso de informações, pois
isso pode gerar ansiedade e medo na criança”, pondera.
O psicólogo destaca que os adultos, muitas vezes, pensam que as crianças
ignoram o que está acontecendo, e isso não é verdade. “A criança, mesmo que sem
os recursos cognitivos suficientes para entender e interpretar o contexto,
sente que há algo 'diferente' acontecendo, e isso deve ser conversado. O
diálogo é essencial neste momento para que a criança seja corretamente
informada e, com isso, os sentimentos de medo e insegurança, que são normais
nessa fase, sejam manejados de maneira adequada.”
Outra recomendação é estimular as crianças a expressar seus sentimentos,
medos, angústias e inseguranças por meio de desenhos e estratégias em que haja
o aspecto lúdico. “A rotina é outro ponto muito importante nesse momento.
Muitas crianças estão tendo aulas de maneira remota, um desafio para muitos, e
os pais devem ser participantes ativos neste processo m que o ensino e a
aprendizagem ocorrem de maneira bem diferente do habitual.”
É o que tem feito a universitária Juliana Kelly Martins de Carvalho, mãe
de Nicolas, de 3 anos. Ela conta que está conseguindo conversar mais com o
filho. “Conversamos sobre sentimentos, sobre frustração, sobre nomear os
sentimentos e maneiras de se acalmar. Tento superar cada crise de uma
vez. Obviamente isso me sobrecarrega mais, mas é assim que a gente lida, tenta
fazer uma coisa diferente todos os dias, para ver como as coisas vão
acontecendo.”
Juliana conta que Nicolas já estava em casa, porque tinha feito uma
cirurgia, e que, quando ia voltar para a escola, veio o isolamento social. “E
aí, sem sair e fazer o que estávamos acostumados, ele começou a ficar
estressado, a ter uns ataques de raiva muito fortes. Não procurei
ajuda, porque, apesar de tudo, agora conseguimos um esquema para ele ir para a
casa do pai todos os fins de semana e também estamos conseguindo conversar mais
com ele."
Rotina é importante
Danilo
Tebaldi enfatiza que o diálogo dos pais com as crianças tem de ser franco e
espontâneo porque elas entendem, a seu modo, o que está acontecendo. “Falar
abertamente sobre o tema da pandemia, os riscos de contaminação, as maneiras de
prevenção, a importância do isolamento social, escutar o que as crianças pensam
sobre isso, as dificuldades que elas encontram nesse momento, é fundamental.”
Falar sobre a importância da rotina de estudos, das brincadeiras e do
descanso também é importante. É preciso ainda salientar que, ficar em casa não
significa "férias", e sim um novo modo de estar no mundo. “O estresse
muitas vezes é inevitável, mas pode ser administrado e, consequentemente,
minimizado, com diálogo, expressão de afetos de maneira lúdica, com desenhos, brincadeiras
e jogos, para que a criança possa ventilar seus pensamentos e sentimentos e
assim poder elaborar o que está acontecendo”, orienta Tebaldi.
Na avaliação do psicólogo, com o quadro atual da pandemia, em que muitas
pessoas estão morrendo, e isso é diariamente noticiado, é comum e esperado que
as pessoas fiquem ansiosas e inseguras. “O sentimento de incerteza é muito
intenso, visto que não há, por enquanto, uma vacina ou remédio verdadeiramente
eficaz para todos. Tais sentimentos podem se exacerbar deixando algumas
crianças tímidas e mais introvertidas, e nesse momento é fundamental que a
criança tenha espaço para expressar seus sentimentos”, finaliza.
Da Agência Brasil
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