quinta-feira, 11 de junho de 2020

Onde está o dinheiro do cinema brasileiro?



Mercado cobra explicações sobre Fundo Setorial

Após nota da Ancine apontar ‘rombo’ no caixa do principal meio de financiamento do audiovisual brasileiro e gerar especulações, produtores pedem esclarecimentos sobre os recursos; mesmo servidores da casa não entendem os cálculos

0 mercado audiovisual, que ainda avalia a extensão do prejuízo causado pela pandemia de Covid-19 na produção deste ano, está desde a última sexta-feira ainda mais sobressaltado, após a publicação de uma nota pela Agência Nacional do Cinema (Ancine) sobre a situação do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA), principal fonte de fomento de produções nacionais. No texto, a agência, que é responsável pela execução orçamentária e financeira das ações do FSA, comunica que o saldo de pelo menos RS 723 milhões empenhados em 2019 não existe.

O texto informa que parte destes recursos, com origem nos rendimentos das aplicações financeiras do FSA, seria recolhida ao Tesouro Nacional, para voltar posteriormente como verba do Fundo Nacional da Cultura — o Fundo do Audiovisual é uma categoria de programação vinculada ao FNC. Além disso, a nota alerta que há “insuficiência de recursos financeiros para o cumprimento dos compromissos de investimento assumidos”.

Mesmo com os cálculos apresentados pela agência no documento, elaborado com base em respostas a questionamentos feitos pelo Tribunal de Contas da União (TCU), de que o fundo só contaria com RS 738 milhões para cobrir compromissos de R$ 944 milhões, produtores, ex-integrantes do Comitê Gestor do Fundo e até servidores da casa tentam há dias, sem sucesso, desvendar o destino dos recursos.

Há a alegação de que o documento não esmiuça dados e não especifica a que exercício fiscal são referentes os contratos. Há ainda a contestação de que a Ancine não teria que devolver ao Tesouro os rendimentos do FSA, baseada em artigos como o 73 da Lei 4.320, segundo a qual “o saldo positivo do fundo especial apurado em balanço será transferido para o exercício seguinte, a crédito do mesmo fundo”.

O FSA tem como principal fonte de receita a Condecine (Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica), paga por cinemas, TVs ou outras plataformas de exibição —ou seja, recursos originados pela própria atividade.

TCU ALEGA SIGILO

Questionada sobre a mudança deste entendimento e sobre o destino de recursos que se acreditavam superavitários, a Ancine respondeu, por meio de sua assessoria de comunicação, que “existe uma determinação das Secretarias de Fazenda e do Tesouro Nacional, no sentido de que todas as receitas do Fundo Setorial do Audiovisual, tanto a Condecine quanto os rendimentos, devam constar da legislação orçamentária e estar devidamente autorizadas para utilização”; e que “todos os dados e informações foram enviados ao TCU na última sexta-feira”.

O TCU, por sua vez, informou que o processo “está em andamento e, por isso, suas peças não são públicas”.

As dúvidas e questionamentos sobre os valores abrem espaço para diferentes teorias para tentar explicar o destino dos recursos do FSA. Aí entram os que culpam o presidente anterior da Ancine, Christian de Castro, por ter lançado em 2018 o pacote de editais # Audiovisual-GeraFuturo, que chegava a R$ 1,2 bilhão para diferentes linhas de projetos (nem todos chegaram a ser contratados). Outro grupo vê um erro contábil na avaliação da atual gestão, comandada por Alex Braga, diretor-presidente interino da Ancine desde setembro do ano passado, acreditando que o FSA possa ter em caixa no mínimo RS 400 milhões, referentes ao Plano Anual de Investimentos de 2018, que não chegaram ser aplicados em projetos.

Servidores de diferentes áreas da agência, falando em condição de anonimato, também veem no imbróglio uma tentativa de manter o mercado travado, para evitar que linhas de financiamento que não necessitem de avaliação de conteúdo sejam aprovadas. É o caso do programa Fluxo Contínuo TV, em que os projetos são selecionados diretamente pelos programadores, cabendo à Ancine apenas a avaliação técnica dos projetos, sem levar em conta suas sinopses.

Na outra ponta, produtores e associações buscam caminhos para saber o paradeiro dos recursos, cuja liberação era aguardada ansiosamente pelo setor, sobretudo após o início da pandemia, que paralisou todas os projetos. Até a última sexta-feira, acreditava-se que o único entrave para a liberação seria a ausência de uma reunião do Comitê Gestor do Fundo, que, segundo a Ancine, ainda não tem data prevista para acontecer.

—Aguardo uma explicação melhor da Ancine sobre estes valores. E é preciso ter em mente que as produções que foram selecionadas e já captaram vão ficar até 3 5% mai s caras por conta dos custos extras da Covid. Uma equipe que ia para o set numavan agora terá que ser dividida em vários carros, por exemplo —observa a produtora Mariza Leão, que integrou o Comitê em 2018. —Se esse “rombo” realmente existir e não houver recursos para este ano, bye bye cinema.

ERRO CONTÁBIL?

Nos últimos dois dias, entidades que representam mais de 90% dos produtores nacionais vêm debatendo a melhor linha de ação para questionar a Ancine. Mauro Garcia, presidente executivo da Brasil Audiovisual Independente (Bravi) e ex-integrante do Comitê entre 2013 e 2016, conta que diferentes escritórios de advocacia foram consultados para auxiliar na decisão. Para ele, só uma auditoria do TCU ou independente podería certificar a real situação do fundo:

— Não acredito em “rombo” ou “pedalada”, como andaram falando. O Comitê do Fundo faz o planejamento dos investimentos a partir de uma avaliação de recursos feita internamente, um déficit desse tamanho não passaria despercebido. Pode ser que o saldo dos rendimentos anteriores não tenha sido incluído na previsão deste ano, mas seria um erro contábil primário.

Presidente Associação Paulista de Cineastas (Apaci), o diretor e produtor André Klotzel integrou o Comitê em 2017 e 2018, e também não vê como seria possível a aprovação de projetos sem a indicação da origem dos recursos:

—A nota é obscura e irresponsável, ela alarma o setor sem deixar claro se o problema é realmente de caixa ou uma formalidade. Se for um erro administrativo, o mercado não pode ser penalizado—contesta Klotzel.

Para Leonardo Edde, presidente do Sindicato da Indústria Audiovisual, o pior ainda pode estar porvir:

— Ainda que todo este processo seja uma tentativa da agência de ser mai s transparente em relação ao FSA, qualquer medida paia sanar a situação que envolva suspensão de recursos, tanto aos projetos já selecionados quanto para os futuros, vai ser um caos no setor.

Por Nelson Gobbi, em O Globo  








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