Mundus Admirabilis (2019), de Regina Silveira (Foto: Cortesia do Artista) |
De Munch à Regina Silveira, o imaginário de crises sanitárias e sociais é tratado criticamente ao longo da história da arte
São nomes unânimes, entre
artistas mais e menos conhecidos, como Tintoretto, Bruegel e Bocklin (que
pintaram obras relacionadas à Peste Negra), ou Klimt e Munch (que pintaram
obras relacionadas à gripe espanhola). A arte contemporânea também se engajou
em aproximações com pestes, pragas, epidemias e pandemias (Sars, Aids e a
próprio Covid-19). A dimensão mais figurativa ainda aparece, mesmo que
reconfigurada pelas inquietações com materiais e procedimentos múltiplos que
marca a arte posterior ao período das vanguardas históricas. Também surgem
práticas com o uso de substâncias orgânicas e fluidas, como o sangue, que se
relaciona com as pragas e pandemias de forma metonímica. Isto é típico de uma
virada que acontece de forma gradual, do século 17, quando artistas como
Vermeer e Velázquez começam a fraturar os limites da tela, ao século 20, quando
artistas como Marcel Duchamp ou Robert Smithson usam objetos ou o próprio
espaço construído como materiais. A arte deixa de lado a representação das
coisas, para trabalhar com as coisas propriamente ditas.
Ao propor uma discussão sobre
como os artistas contemporâneos se aproximaram do tema, em obras que vão do
museu ao espaço público e à Internet, o objetivo é fugir deste repertório
repisado. Artistas e coletivos como Blast Theory, Lynn Hershman, Regina
Silveira, Jordan Eagles e Giselle Beiguelman exploram este diálogo com as
pestes, pragas, epidemias e pandemias de perspectivas diversas, o que permite
tratar o tema para além do aspecto da representação da doença e da morte, que
aparece de forma recorrente nestes conteúdos que têm se multiplicado nas redes
(apesar que mesmo deste ponto-de-vista, o assunto pode ser ampliado de forma
menos repetitiva, considerando que artistas como David Wojnarowicz ou Bill
Viola exploraram a representação da morte, por vezes em contextos vinculados à
pestes, pragas, epidemias e pandemias, por vezes não).
Transit (2001), de Regina
Silveira, é um bom ponto de partida. É uma intervenção urbana com projeção recortada
por gobo, em que moscas riscadas com luz tomam proporções gigantes conforme são
projetadas sobre fachadas de prédios, em percurso itinerante pelas ruas. A
artista diz que se trata de um processo que é “quase como desenhar sobre a
epiderme da cidade”. Na dimensão em que se relaciona com as pestes e pragas, a
obra pode ser entendida como uma espécie de prelúdio a um enxame que se
desenrola no espaço, não no tempo. Os insetos se multiplicam pela parede, mas
sua presença assume intensidade antes pela escala da projeção que pela
quantidade de moscas. Este procedimento resulta em certa tensão entre amplitude
e asfixia.
Imagens deste tamanho sugerem
algo que roça o libertário, conforme escapam das restrições das quatro linhas
que formam as telas em que por um bom tempo estiveram restritas (na pintura, no
cinema, mesmo nas experiências disruptivas do vídeo, nos primeiros passos em
que as obras circulavam especialmente na forma de cópias em monocanal). Elas
também provocam reconfigurações dos modos de olhar a arquitetura, que desafiam
a lógica de geometrias restritivas comuns nas maneiras consolidadas de
organizar a cidade (em ruas que se cruzam a partir de quadras, em janelas que
se acumulam como caixas enfileiradas em prateleiras). Esta desorganização virtual
que a luz provoca, desestabilizando arquiteturas que parecem perder
temporariamente sua rigidez, abre horizontes que fazem sonhar com outros tipos
de cidade. A viscosidade das moscas, deste ponto-de-vista, não chega a desfazer
o encanto das luzes (e somos nós que nos tornamos como moscas, estimulados
pelas trajetórias cintilantes que a projeção sugere, a vislumbrar outros modos
de estar nas ruas).
As nuvens de insetos aparecem
naquela que é provavelmente a menção mais antiga às pragas e pestes conhecida
na história da cultura humana, o relato das punições que Deus lança sobre o
Egito enquanto o país mantém o povo judeu em cativeiro, conforme a narrativa no
livro do Êxodo. Esta ligação com temas bíblicos perpassa diversas obras de
Regina Silveira (mais sobre isso em breve e atenção aos trechos destacados nas
legendas, que propõe diálogos entre o texto bíblico e as obras analisadas neste
artigo). Ela sugere uma aproximação entre o que há de mais recente no campo das
linguagens e as tradições mais estabelecidas no campo da cultura.
Novo e velho não são medidas de
proximidade com o atual, como o senso comum faz supor. São intensidades, que
pulsam nas entrelinhas do tempo. Foi isso que Augusto de Campos mostrou em seu
conhecido poema Ovo Novelo, em que formula ao modo sintético dos
poetas concretos um dos pressupostos que norteia a pesquisa do grupo, de buscar
o “novo no velho”. Por isso tem obras antigas que dizem muito ao contemporâneo,
e outras de ontem que já parecem datadas. O percurso da poesia concreta, que
afetou os modos de trabalhar de Regina Silveira, leva a esses duplos
engajamentos, em que passados remotos e futuros adivinhados se unem em obras
que tanto remetem ao antigo sem nostalgia quanto sugerem o novo sem descuidar
do diálogo com (o que o que ainda vibra n)a tradição. Ao escrever sobre a obra
A Lição, Fernando Cocchiarale resume de que forma esta tensão atravessa a obra
da artista, ao considerar esta instalação “um desdobramento do sentido poético
e semântico predominante na obra de Regina Silveira nos últimos 20 anos: aquele
que deriva da crítica aos repertórios clássicos da representação da sombra e da
luz na arte ocidental. Recorrentes de modo variado na produção da artista,
esses repertórios vem sendo por ela trabalhados, contra eles mesmos”.
Um dos exemplos mais
contundentes deste elo duplo é a tradução do Bere’shith, feita por Haroldo de
Campos. No prefácio do livro, ele afirma: “Minha aproximação do texto bíblico é
laica. Estou primacialmente interessado em poesia. De minha parte, a meta era
verificar essa poesia primeva (e ao mesmo tempo altamente elaborada) em nosso
idioma, abalando-o criativamente com a violência do seu sopro, evitando que
esse alento fundamental se perdesse ou edulcorasse. Para tal fim, não é eficaz
nenhum estereótipo literário, nenhuma preconcebida ‘arte de bem escrever’, mas
valem, sim, os amplos recursos experimentais da poética da modernidade”. Com
esta motivação, ele recria a pulsação oral do texto, traduzida pelo uso
criativo do branco da página, ao modo dos poetas experimentais que o interessam,
como Pound e Mallarmé. É preciso lembrar as implicações complexas que a
palavra tradução tem para Haroldo de Campos, o que
infelizmente não podemos desenvolver no momento para não perder o foco do tema
proposto.
Teknolust, de Lynn Hershman
também movimenta cenários catastróficos e distópicos. Um dos primeiros filmes
digitais realizados em alta definição, a obra apresenta um futuro em que uma
bio-geneticista desenvolve uma forma de fazer download do próprio DNA para um
híbrido computacional vivo. Neste aspecto (já que partimos desta discussão
sobre como certas obras estabelecem elos duplos com o passado e o futuro), a
obra dialoga com a tradição dos cientistas que criam seres de laboratório, que
Luiz Nazário remete à lenda judaica do Golem, em O Golem, o autômato e Frankenstein (capítulo
do livro Fazedores de Golem). Os seres criados pela cientista imaginada por
Lynn Hershman parecem humanos, mas são inteligências artificiais chamadas de
AAR (Autônomos Auto Replicantes). Eles têm uma falha de projeto. Para
sobreviver, dependem de um cromossomo masculino específico encontrado apenas no
esperma. Por isso, ela os programa para acessar o mundo real por meio de um
processo mediado por vídeo. Mas, depois do contato com as AARs, os homens
começam a sofrer de impotência e comichões inesperados. Com medo de uma praga,
os especialistas médicos alertam a Patrulha Federal da Imunidade, que coloca
seus agentes para investigar esse estranho vírus.
A contaminação através dos
fluídos do corpo é um dos aspectos centrais das epidemias e pandemias. Ela
aparece na arte como tema especialmente em consequência da epidemia de Aids, no
início dos anos 1980. Um dos artistas que trata o tema de forma interessante é
Jordan Eagles, pois ele opta pelo uso do sangue como material. Em Blood
Mirror, ele cria uma escultura através de um projeto em colaboração.
Conforme o site do artista explica, 59 doações de sangue de homens gays,
bissexuais e transgênero, que advogam por igualdade e protestam contra o ato
estigmatizante e discriminatório em que o governo dos EUA estipula a proibição
perpétua de doação de sangue por homens gays e bissexuais. O sangue doado é colocado
em prateleiras de estrutura com aspecto formal sóbrio, austero e, em certo
sentido, neutro. Tudo muda quando se percebe que ela é o suporte para
prateleiras de sangue encapsulado em resina, de modo a ser completamente
preservado, compondo uma espécie de arquivo orgânico.
O contraste entre o rigor
formal da estrutura, os materiais límpidos e o elemento orgânico que a compõe
resultam numa discrepância entre aspecto e projeto. O sangue no interior da
escultura a transforma numa espécie de corpo estranho, destituído de vida, mas
com energia vital latente, e portador de memórias de teor contraditório: ao
mesmo tempo que remetem ao sangue contaminado que matou tantos durante a
epidemia de Aids, têm um tratamento que faz com que as amostras durem,
potencialmente, para sempre. Mortalidade e imortalidade se entrelaçam num
paralelepípedo minimalista, de aspecto anódino. A obra de Eagles tem uma
ambiguidade difícil de explicar. Ela retorna a um conjunto de soluções que
lembram o minimalismo (mas desinvestidas do caráter conceitual) e aposta no uso
de um material incomum, e ainda por cima orgânico (no que dialoga à distância,
pois adota o procedimento com um sentido muito diferente, com experiências
recentes em que a matéria viva torna-se objeto da obra).
Infernus, de Regina Silveira, é outra
de suas obras de acento bíblico, agora pela referência ao sangue. Claro que não
é possível reduzir obras desta complexidade a um entendimento restrito, como os
exemplos apresentados até agora vêm mostrando. Infernus oferece
uma experiência imersiva, ao obrigar que o observador se curve sobre um objeto
cilíndrico feito de madeira tratada com pintura industrial, que remete a um
poço. No fundo, é possível assistir um vídeo que exibe a cena de gotas de
sangue pingando sobre o líquido vermelho acumulado. A artista explica que “é
preciso olhar dentro do poço, para ter a cara tingida de vermelho (luz do
vídeo) e entender que a gota cai do próprio rosto”. Dele também emanam sons
(uma combinação de gota e vento em tubulação), resultando em uma experiência
que leva ao movimento do corpo como resultado da emissão de imagens e sons a
partir de fontes que deslocam o olhar para o chão (um universo de pesquisa que
permeia a história da vídeo instalação, em obras como Video-narcisus,
de Jeffrey Shaw, Subterrâneos, de Lucas Bambozzi, e a série Enciclopédia da
Ignorância, de Eder Santos).
A superfície lisa e densa, que
tem sua calmaria temporária rapidamente interrompida por gotas que caem ora
aqui ora ali, é uma espécie de tela deslocada e deformada (ela nem está na
parede, nem é quadrada). O lago Cocite, da Divina Comédia de Dante, é formado
pelas lágrimas e pelos rios do inferno, que nele deságuam seu sangue. Mas a
obra de Regina Silveira não faz referências diretas ou literais, pelo contrário
evoca campos de possibilidades que se ligam a um repertório menos alegórico: o
calor e a luz que emanam da tela, a imposição de um corpo curvado, a forma
cúbica, o vermelho, o acúmulo de círculos com centros que variam de tamanho e
não coincidem num ponto único (o vão através de onde se olha para dentro do
cilindro, a tela acomodada numa abertura redonda que recorta o vídeo ao fundo,
as gotas que deformam o líquido com pequenas porções de um mesmo que
temporariamente é outro). São territórios de sentido que distendem o título da
obra (lembrando que, do latim, infernus significa “ínfimo”,
“que está abaixo”, “das regiões subterrâneas”).
Em Amphibia, Regina
Silveira retorna ao universo dos seres viscosos, agora trabalhando com rãs.
Esta obra também explora procedimentos mais conhecidos da artista. Pioneira da
experimentação multimídia e da intervenção urbana, ela costuma ser lembrada
pelas visualidades deformadas que resultam em espaços vertiginosos, para usar
termos a que ela mesmo recorreu, em entrevista à revista Pesquisa,
da FAPESP. Esta obra transita por preocupações
semelhantes à Transit, no que toca ao uso de dispositivos que,
neste caso, desconfiguram o espaço interno do cubo branco. Rãs repetidas em
série crivam as paredes de formas que, além de irregulares, são distorcidas.
Elas transpõem o espaço como que drenadas por um ralo de “ouro” para onde
convergem. Há dois níveis de desarranjo em jogo: no plano macro, desaparecem os
limites que restringem as imagens a áreas circunscritas; no plano micro, o jogo
de formas pretas sob superfície branco desfaz a percepção de figura e
fundo.
As imagens plotadas sobre a
parede, evitando circunscrever o conjunto ao limite das molduras, faz com que o
campo de visão se expanda, da mesma forma que a própria obra escapa de uma
parede a outra, e das paredes para o chão. Este trânsito pelo ambiente (que,
como em Infernus, induz o espectador ao movimento), solapa a
arquitetura da galeria. É o mesmo efeito da mosca sobre o prédio, todavia com
estratégias diferentes, pois cada obra se adequa ao contexto que problematiza
(exterior / fachada / superfície ruidosa; interior / parede / superfície
neutra): em Transit, os retângulos das janela se dissolvem como
resultado da imagem que desafia sua geometria; em Amphibia, o
interior do prédio se dilui num contínuo que sugere uma projeção para fora do
espaço construído, como resultado da multiplicação em série que desafia os
encaixes entre as paredes e o chão. Outro aspecto da obra que precisa ser
levado em conta é seu caráter político. A artista explica que, no contexto em que
foi exibida, “esta obra quis trazer a chuva de sapos (bíblica) para tratar da
corrupção”. Obras desta complexidade têm sempre uma polissemia que as torna
impossíveis de conter em categorias muito estanques ou esquemas mais rígidos, e
infelizmente olhares mais transversais, como o que este texto, propõe precisam
deixar de lado esta diversidade em favor do foco nos elementos que levam à obra
a se inserir no conjunto proposto.
A contaminação pelo Sars teve
proporções menos bíblicas (comparada à peste negra ou à gripe espanhola, o
número de mortes foi pequeno). A cluster of 17 cases, do Blast
Theory, resultou de uma residência do grupo na Organização Mundial da Saúde (a
primeira vez que algo do tipo aconteceu). A obra refere-se ao fato de que a
epidemia de Sars começou a partir de 17 pessoas que se contaminaram quando um
médico de 64 anos se hospedou num quarto do Hotel Metrópole, em Hong Kong, sem
saber que estava doente. Em função dos padrões de circulação de ar no prédio, o
vírus se espalhou, contaminando 17 pessoas, que o multiplicaram para pelo menos
546 ao redor do mundo.
Mais que uma obra, A
cluster of 17 cases é um processo de pesquisa complexo, em que os
membros do Blast Theory tiveram a oportunidade de conhecer as práticas do
Centro Estratégico de Operações de Saúde, que monitora epidemias e pandemias ao
redor do mundo, e entrevistar especialistas ligados à Organização Mundial da
Saúde. A obra resultante foi uma maquete, em que o público é convidado a ouvir
dois áudios: uma narrativa de ficção em primeira pessoa e uma entrevista com
Mike Ryan, coordenador operacional da resposta da OMS à disseminação do SARS em
2003. Na entrevista, ele reflete sobre como lidar com incertezas, e os desafios
de declarar um alerta global baseado em informações limitadas.
Epidemias restritas a certas
áreas geográficas, ou casos como o do SARS, que se irradiou rapidamente, têm
sido recorrentes nos últimos anos. A docusérie Pandemic: How to Prevent
an Outbreak, disponível no Netflix, dá uma dimensão da quantidade de
ocorrências que aconteceram, como o ebola ou o H1N1, para ficar com dois
exemplos do que, quando assistimos em retrospecto, parece ser um prelúdio à
Covid-19. Mundus Admirabilis, de Regina Silveira, parece dialogar
com esta situação, formulando uma espécie de convergência das pragas (para
deslocar um termo que esteve na moda a certa altura da escrita sobre as formas
como os aparelhos digitais combinavam diferentes tipos de recursos no mesmo
dispositivo). Ao invés de moscas (em menor quantidade) ou rãs (em maior quantidade),
agora temos um enxame de todos os tipos de insetos e animais peçonhentos. Aqui,
as intensidades de escala e quantidade se sobrepõe num efeito que também é
vertiginoso, não pela deformação das imagens, mas sim por seu
recrudescimento.
Esta multiplicação de
acontecimentos leva a um clima de repetida ansiedade (e, no mundo dos
especialistas, de atenção constante). Talvez seja esse contexto que proporcione
o surgimento de uma obra como Spit Spreads Death: The Parade, do
Blast Theory. Como no caso de A cluster of 17 cases, a obra se
baseia em um acontecimento ligado à uma epidemia, desta vez, a gripe espanhola
de 1918. Por meio de um desfile interativo com luz e som, o coletivo inglês
rememora os 20.000 mortos em consequência da rápida disseminação da gripe na
Filadélfia. A descrição no site do Blast Theory explica que os participantes
“desfilaram com o certificado de morte de cada pessoa. E, um por um, tiraram um
momento para parar de andar conforme o desfile fluía ao redor”. A obra dialoga
com a tradição de performances que reencenam acontecimento ou obras históricas
ao mesmo tempo que desloca algumas das práticas de intervenção com imagens e
sons na esfera pública para o âmbito da rua (outro tipo de elo duplo entre
passado e futuro, para remeter ao início do texto). Se as primeiras formas de
projeção de imagens e difusão sonora nas ruas implicou em situações que, apesar
de desmontarem de muitas formas as lógicas de exibição tradicional, em certo
sentido ainda mantém uma relação de tela e espectador (mesmo que difusa,
expandida, reconfigurada), obras como Spit Spreads Death trazem
o público para dentro do acontecimento. Onde em certas obras se explora as
superfícies da cidade como uma tela porosa, aqui temos uma lógica de circulação
inclusiva.
O problema é que os passos mais
recentes desta história acontecem num mundo sem acesso às ruas. Diante disso,
uma obra como Coronário, de Giselle Beiguelman, movimenta os agenciamentos das
atuais vidas mediadas por telas. A obra organiza uma nuvem de palavras
(reminiscência de um mundo anterior às hashtags) com termos
popularizados no contexto da pandemia de Covid-19. Ela associa a nuvem de
palavras a um mapa de calor que monitora quais são mais acessadas, fazendo
variar em direção ao vermelho uma escala de cor que partiu do azul. A obra
marca um retorno da artista às experiências na Internet, após um foco recente
em questões da memória e do espaço público (mesmo que sempre articuladas, de
forma mais ou menos explícita, às pesquisas sobre os processos em rede e às
consequências da mediação digital).
Coronário é um retorno à
uma net art transformada pelo contexto. Diferente de obras
como O livro depois do livro, em que a navegação por páginas marcava um uso do
link como acesso a outra página, em Coronário clicar faz uma única página subir
ou descer. Há uma verticalização da leitura, consequência evidente do uso
disseminado de celulares (mas também, um diálogo com formas ancestrais de
leitura em papiros que se desenrolam sem quebra de página, para insistir neste
fio condutor estruturante que liga as obras de Haroldo de Campos, Lynn
Hershman, Regina Silveira, Blast Theory e Giselle Beiguelman pela chave do
“novo no velho” dos poetas concretos). E os aspectos mais contundentes da obra
não resultam de escolhas na interface (como o uso de fontes cuidadosamente ou
recursos dinâmicos de texto que eram marcantes nas primeiras obras de
Beiguelman). Seus acontecimentos mais importantes se desenrolam nos bastidores,
onde o trânsito dos usuários é monitorado. Mesmo que o resultado visível esteja
destacado no alto da página, e que uma das consequências mais importantes seja
dar tangibilidade às práticas de monitoramento que se tornaram pervasivas nos
motores de busca e redes sociais (e hoje em dia, a Internet é, em grande medida,
um repositório acessado por meio de motores de busca, e um ambiente mediados
por redes sociais), o que não chega aos olhos tem muita importância mais
importância do que o que vemos, em Coronário. Talvez essa seja uma forma
possível de conectar a obra ao seu contexto de um modo menos direto: num mundo
em que tudo gira em torno do fato de que um organismo minúsculo circula
invisível contaminando as pessoas, o que não vemos se tornou mais significativo
do que vemos.
Por Marcus Bastos, na Select
Para saber mais, clique aqui. |
Para saber mais, clique aqui. |
Coleção Greco-romana com 4 livros; saiba aqui. |
Coleção Educação e Folclore com 10 livros, saiba aqui. |
Coleção Educação e Democracia com 4 livros, saiba aqui. |
Coleção Educação e História com 4 livros, saiba mais. |
Para saber mais, clique aqui. |
Para saber mais, clique aqui. |
Para saber mais, clique aqui. |
Para saber mais, clique aqui. |