sexta-feira, 12 de junho de 2020

Padecer na pandemia - Pais contra o caos


Com isolamento, ficou mais difícil — em alguns casos até impossível — controlar o tempo das crianças diante das telas e substituir a tecnologia por atividades não virtuais


Se a pandemia do novo coronavírus transformou os dilemas das famílias da porta para fora, trazendo distanciamento social e isolamento, as transformações dentro de casa não foram menos dramáticas, já que os lares passaram a ocupar o espaço de todo um mundo exterior. Para pais que têm de lidar com o home office ao mesmo tempo que mantêm os filhos trancafiados, educando-os e os entretendo, o desafio ganha ares hercúleos. Sobretudo porque, para muitas dessas atividades, a tecnologia é a única saída possível — o que impõe novos questionamentos ao ato de educar. Existe um limite ideal entre utilizar a tecnologia como aliada para entreter as crianças e abdicar do controle das telas para mitigar as dores do isolamento? Tudo bem liberar o desenho favorito do fim de semana às 9 horas de uma terça-feira ou aumentar o tempo destinado para os games?

As dúvidas e inquietações deixaram o ambiente doméstico e passaram a aparecer em sessões virtuais e consultas informais com psicólogos, pediatras e pedagogos, que identificam uma sensação generalizada de aumento de demandas e tarefas aliada à culpa de não dar atenção suficiente para os filhos ou de relaxar regras preestabelecidas na rotina da casa. Levando-se em conta as especificidades de cada família, do número de filhos à idade de cada um deles, os especialistas coincidem no entendimento de que é necessário entender a excepcionalidade da pandemia e que o momento requer menos cobranças e mais diálogo. “É preciso ter a noção de que estamos vivendo um tempo historicamente marcante, até para que possamos nos adaptar. Não dá para agir como se não fosse um momento excepcional. Tentar manter de pé estruturas que não existem agora demanda um esforço e um tempo enorme, que podem ser melhor utilizados para construir essa adaptabilidade”, ressaltou o pediatra, palestrante e escritor Daniel Becker.

A Sociedade Brasileira de Pediatria recomenda que crianças de até 1 ano e meio de idade não tenham nenhum contato com telas e que aquelas entre essa idade e 5 anos estejam expostas menos de uma hora ao dia a aparelhos eletrônicos. Mas tudo isso leva em consideração o contexto normal de atividades de uma família. Nos Estados Unidos, a Associação Americana de Pediatria divulgou um comunicado no início da pandemia reconhecendo que o tempo em frente às telas aumentaria, mas recomendou que pais, mesmo diante da nova rotina, mantivessem algum limite. Canais infantis de TV e no YouTube já mostram esse aumento do uso. Segundo uma pesquisa feita pela Kantar Ibope, canais infantis da TV a cabo tiveram aumento de 9% de audiência em março. Na internet, o canal da Galinha Pintadinha, favorito das crianças na primeira infância, teve um salto de 34% nas visualizações diárias desde que a pandemia começou.

Na prática, o cotidiano da quarentena ainda traz desafios diários às famílias, mesmo após mais de dois meses de suspensão das aulas presenciais e da adoção de conteúdos on-line, em capitais como Rio de Janeiro e São Paulo. Alunos da ECO — Escola de Educação Comunitária, no bairro do Grajaú, Zona Norte do Rio, os gêmeos Isadora e Igor Tavares, de 11 anos, se revezam no laptop e no celular para acompanhar as aulas e fazer as avaliações do sexto ano do ensino fundamental. “Em casa, a concentração fica mais dispersa, tanto a deles quanto a nossa. A gente tenta manter uma rotina, mas não dá para fazer tudo como era antes. Eles acabam passando mais um pouco de tempo no celular ou comendo uma besteira a mais. Essa folga é necessária”, disse a servidora Agláia Tavares, que está em quarentena com os filhos e o marido.

O fato de o filho ainda não ter atividades escolares não diminui a carga da advogada Luciana Nahid Pacca, mãe de Henrique, de 1 ano e 4 meses. Tendo de sair semanalmente para reuniões externas com clientes, ela se reveza com o marido, o empresário Bruno Pacca, nos cuidados com o filho. O apoio da mãe, que, como ela, mora na Barra da Tijuca, foi suspenso em razão do risco de contaminação. A solução foi buscar bons conteúdos na TV e na internet para conseguir entreter Henrique durante o home office e o tempo dedicado às tarefas domésticas. “São coisas que o mantêm entretido por uma hora e meia, duas horas. No tempo que passo com ele, fico 100% dedicada, sem celular ou computador. Mas não dá para dar conta da demanda dele e das necessidades da casa e do trabalho”, disse a advogada. “A creche também ofereceu uma programação on-line, mas seria mais um tempo de tela. Consegui fazer um bom esquema de revezamento com meu marido, mas ainda assim tem horas que recorremos ao eletrônico”, afirmou.

Também com uma criança em idade pré-escolar, o fotógrafo Thiago Facina teve crises de ansiedade, com falta de ar e insônia, que acabaram por inspirá-lo a criar uma série de fotos no Instagram chamada “Confinamento”. Nela, Facina se veste com equipamentos de proteção individual (EPI). Sem poder lutar contra as telas, incorporou a vivência a seu cotidiano. Tanto a mulher, a atriz Lola Borges, quanto o filho, Antônio, de 2 anos e 10 meses, participam da atividade, que é feita diariamente. “Nos primeiros 15 dias ainda havia uma novidade, nós viemos para a casa da minha sogra, que tem mais espaço aberto para ele poder brincar. Nosso repertório de criatividade é colocado à prova o tempo todo, fica impossível não se render mais à TV do que a gente gostaria”, relatou Facina. “A série de fotos veio como uma ideia de ocupar este tempo que a ansiedade estava consumindo. A roupa traz uma sensação de ficção científica, reforça essa distopia que passamos a viver.”

A aflição de muitos pais levou a psicóloga e professora da Universidade de Brasília (UnB) Juliana Lopes a criar a série de vídeos curtos, Ju, me tira uma dúvida?, em seu canal no YouTube. Neles, a psicóloga, que é especializada em autismo e dificuldades de aprendizagem, dá dicas para os pais conciliarem o trabalho em casa com as demandas dos filhos ou ideias de atividades para que eles se entretenham sozinhos. Para ela, uma boa forma de lidar com o natural aumento do tempo diante das telas é distribuí-lo ao longo do dia. Caso não seja possível, o melhor é combinar com os filhos o tempo exato a ser dedicado aos eletrônicos, para manter a noção de limite. “A gente precisa entender que isso vai acontecer neste momento e que está tudo bem. O pior é impor que a criança troque a tela por outra atividade, como a leitura, que para ela vai ser entendida como um castigo, e não um prazer”, destacou Lopes. “Até para ter um momento de qualidade com os filhos, os pais também têm de ter um tempo para si. Que muitas vezes era o tempo do deslocamento para o trabalho, do cafezinho na empresa, de buscar os filhos na escola, e que agora não existe mais. É preciso que eles entendam que os adultos não só precisam desse tempo, mas que eles também o querem. Que é importante ver um filme que não seja infantil, entrar num chat com os amigos, fazer uma atividade que não envolva os filhos.”

Criadora do site “Papo de Mãe” com Roberta Manreza, que, desde 2009, virou programa na TV Cultura apresentado pelas duas, Mariana Kotscho viu as questões da quarentena se acumular no trabalho e em casa. Mãe de Laura (17 anos), Isabel (14 anos) e André (13 anos), a jornalista entrevista remotamente especialistas na área, com dúvidas enviadas pelo público para as redes sociais do programa. Muitas dessas inquietações também vêm de amigos pais e da própria vivência da quarentena. “No início tentei estabelecer uma rotina, colei uma lista de tarefas na geladeira, mas durou só umas duas semanas. Vi que teríamos de afrouxar um pouco as regras da casa, não tem como dar conta de tudo neste período”, contou Kotscho. “O mais importante foi evitar um esquema de férias. Mesmo que eles não precisem acordar tão cedo, dou uma controlada nos horários de sono. Também fazemos um rodízio na arrumação da casa, para que ninguém fique sobrecarregado. É preciso entender os altos e baixos de cada um nesse processo, que é natural ficar um dia mais quieto ou passar um pouco de tempo a mais no celular.”

Para Daniel Becker, mais importante que a atenção ao tempo dedicado às telas é a qualidade do conteúdo visto: “A internet tem um cardápio gigante, com muita coisa ótima, mas também muita porcaria. É bom acompanhar o que as crianças veem, para não deixá-las só com youtubers sem conteúdo ou submetê-las a um excesso de propaganda infantil. Programas de qualidade ou filmes que transmitam bons valores viram bons aliados dos pais neste momento”.

Por Nelson Gobbi, na Revista Época





Para saber mais, clique aqui


Para saber mais, clique aqui.


Coleção Greco-romana com 4 livros; saiba aqui


Coleção Educação e Folclore com 10 livros, saiba aqui


Coleção Educação e Democracia com 4 livros, saiba aqui



Coleção Educação e História com 4 livros, saiba mais


Para saber mais, clique aqui


Para saber mais, clique aqui. 




Para saber mais, clique aqui.

Para saber mais, clique aqui.

Para saber mais, clique aqui.