quinta-feira, 7 de junho de 2018

INTERVENÇÃO JÁ


O colunista, num esforço de comunicação telepática, teve acesso à mente desse novo espécime da rica diversidade nacional que é o intervencionista de estrada — aquele que pede intervenção militar do alto da boleia do caminhão ou no aglomerado dos acostamentos. O resultado:

“Podem chamar de golpe, mas que a vida era melhor naquela época, era. Criticam que havia censura às notícias. Pois hoje não há, e de que servem tantas notícias? Que faz essa balbúrdia de jornais, TVs, internet, Facebook senão confundir? A informação é um direito da cidadania, alegam os demagogos. Nosso povo reclama é por uma orientação construtiva, vinda do alto, da parte de gente responsável, e nesse sentido a censura só traz benefício. Em novembro de 1971 o governador do Paraná foi forçado a renunciar, depois de apenas oito meses no cargo. Nenhum jornal explicou por quê. A revista VEJA, em capa sob o título ‘A queda do governador Haroldo Leon Peres e seus ensinamentos’, ousou noticiar que ‘o governador teria exigido de Cecílio Rêgo Almeida, o mais poderoso empreiteiro do Paraná, um depósito de 1 milhão de dólares no exterior para liberar o pagamento de 60 milhões de cruzeiros devidos pela construção da Estrada de Ferro Central do Paraná’. Foi punida com a apreensão de seus exemplares nas bancas. O que lucraria o povo em saber que governantes nomeados pelo regime possuíam suas fraquezas?

Em 1974 ocorreu um surto de meningite no país, e a imprensa, de novo por mais do que justificadas razões, foi proibida de usar a palavra surto. Claro, um ou outro pode ter tido sua saúde comprometida, ou mesmo morrido por falta de alerta, mas esses são danos colaterais inevitáveis. Importante foi não alarmar a população com notícia tão desagradável. O povo precisa de mão forte e atenta, para conduzi-lo num rumo que, deixado a si mesmo, não alcançaria trilhar. Por essa razão, naquela época era poupado de eleger os governantes. Os militares se incumbiam disso. Em São Paulo a escolha para prefeito recaiu sobre o doutor Paulo (Paulo Maluf, para os menos próximos). A Bahia foi entregue aos cuidados de Antonio Carlos Magalhães e o Maranhão aos de José Sarney. Grandes obras, como a Ponte Rio-Niterói e a Transamazônica, puderam ser levadas a bom termo graças à proibição de que a imprensa metesse o bedelho e, em sua infinita arrogância, exigisse contas e cumprimento de prazos.

Em 1968 o brigadeiro Burnier, segundo denúncia depois apresentada pelo capitão Sérgio Miranda de Carvalho, seu subordinado, elaborou o plano de bombardear o gasômetro da Avenida Brasil, no Rio de Janeiro. Ao mesmo tempo uma bomba seria jogada na embaixada americana e outra no Citibank, e a culpa lançada nos comunistas. Até hoje se fala nesse episódio, em que, na confusão, seriam mortos comunistas e políticos incômodos como Carlos Lacerda. Por que tanto barulho, se nada disso aconteceu? E, se tivesse acontecido, não poderia ter o efeito de livrar o regime do entulho humano que lhe obstruía o caminho? Há momentos, e aquele fatídico ano de 1968 foi um deles, que exigem um pouco de energia.

Em 1981 dá-se o episódio do Riocentro. Até hoje acredito que o sargento morto e o capitão ferido eram dois moços altruístas que preferiram estourar a bomba no próprio carro a deixá-la provocar um massacre em meio à multidão. Um historiador do período chama de ‘anarquia militar’ a situação em que generais e coronéis agiam da própria cabeça, algumas vezes em desafio uns aos outros. Prefiro chamá-la de ‘democracia militar’, a democracia justa, praticada entre si pelos honestos e responsáveis, não a democracia de hoje, em que o poder se desmancha na rua, ao arbítrio da ralé.

Em 1968 houve greve em Osasco, resolvida pela oportuna ação de um batalhão da Polícia Militar. Seu líder, um tal Zequinha, foi preso e torturado com espancamento, choques elétricos e sabão em pó nos olhos. Sim, nesse caso reconheço que, excepcionalmente, houve tortura, e não se diga que mal aplicada: Zequinha viria a morrer como terrorista, ao lado do famigerado capitão Lamarca. Nós também, neste maio de 2018, cinquentenário do providencial Ato Institucional nº 5 (que naquele tempo o doutor Paulo quis ver incorporado à Constituição), fizemos uma greve, mas uma greve redentora, para acabar com todas as greves. Nossa ação (e refiro-me não ao conjunto dos caminhoneiros, mas a nós, os intervencionistas) teve por objetivo plantar a semente de um futuro de paz e união, sob a proteção de senhores patriotas, honestos, capazes e devotados à causa comum”.

Por ROBERTO POMPEU DE TOLEDO, na Revista Veja


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