domingo, 24 de junho de 2018

Ativista de direitos dos autistas entra na política após debates na Assembleia


Blogueira, Andréa Werner, 42, será candidata a deputada em SP e defenderá programas na área

Quando seu filho Theo, hoje com dez anos, foi diagnosticado com autismo, em 2010, a jornalista Andréa Werner, 42, lembra que viveu um período de luto. “Você sofre como se tivesse perdido um filho, demora a se acostumar com a ideia, mas é vida que segue, tem que ir à luta.” Passado esse período, Andréa criou o blog Lagarta Vira Pupa, em que ela divide suas experiências com outras mães e hoje conta com 111 mil seguidores no Facebook, além de 28 mil no Youtube e 2.500 no WhatsApp, uma grande rede de apoio que se espalhou pelo país.

Primeiro filho e primeiro neto, Theo nasceu com 3,9 kg e 53 cm, “normal de tudo, parecia um boizinho”, conta a mãe, que largou o
emprego para se dedicar ao filho e à sua rede social. No começo, achava que só a família iria ler suas histórias e levou um susto ao ver que o primeiro post teve mais de 200 compartilhamentos. Só então ela se deu conta da dimensão do problema das crianças autistas no país.

Os primeiros sinais de que há algo estranho no
desenvolvimento da criança são muito sutis e demoram a ser percebidos pelos médicos e pais: deficiência de atenção, não olhar para os olhos da mãe, procurar se isolar no ambiente, perda de habilidades e da fala, não interagir com outras crianças. Até os dois anos, a pediatra de Theo tentou convencer a mãe de que “tudo era assim mesmo”, quando os pais receberam um relatório da escola recomendando consultar um neurologista, que diagnosticou o autismo logo na primeira consulta.

“Eu não sabia nada sobre autismo. Fui aprendendo aos poucos. Não basta um sinal, é o chamado conjunto da obra. Aí caiu a ficha, mas a pediatra continuava dizendo que ele não tinha nada de autista. São noções pré-concebidas que atrasam o diagnóstico.”

Este ano, Andréa fez uma enquete em seu blog e descobriu que o problema não era só dela. Das 1.200 mães que responderam à consulta, 75% relataram as mesmas dificuldades para obter o diagnóstico com os pediatras.

A mãe de Theo, que tem plano de saúde, pesquisou no Google para encontrar um neuropediatra, mas a maioria das mães enfrenta uma fila de espera de até dois anos no SUS para marcar uma consulta com médico especializado. O nome do seu blog, Lagarta Vira Pupa, Andréa tirou da música “Metamorfose da Borboleta”, cantada no programa Cocoricó, da TV Cultura, que Theo adora ouvir, mas não consegue cantar.

Seu autismo foi diagnosticado como leve, depois severo e agora é moderado, não verbal, o que o leva a fazer um esforço danado para emitir sons, abrindo um sorriso quando consegue. É uma alegria quando ele consegue soletrar papai e mamãe ou pedir uma “piiiiizaaa”. A apraxia da fala é o maior problema do menino. A mãe diz que ele sabe o que quer falar, mas as palavras não saem, tem que se esforçar muito.

O dia a dia da convivência de Andréa com Theo é a base da contação de histórias no blog, com as pequenas descobertas e conquistas que vão acontecendo.

Para dar conta das mensagens e consultas que recebe dos internautas, em média mais de cem por dia, a blogueira conta com a ajuda do marido, Leandro, cinco anos mais novo que ela, um pai dedicado e incansável, que não tem motivos para reclamar de tédio. Militante apaixonada da causa das crianças autistas, Andrea começou a ser convidada para fazer palestras e dar aulas para professores de salas inclusivas do ensino público, quase sempre trabalhando de graça como voluntária.

“A gente sempre idealiza um filho, faz planos para quando ele crescer, mas o Theo me ensinou que a gente não tem controle de nada nessa vida e precisa se adaptar às circunstâncias. Eu tenho muita sorte. Não posso reclamar da vida, me sinto muito feliz de poder ajudar os outros. Aprendi a viver um dia de cada vez.” Nas palestras, Andrea descreve o autismo do filho com poucas palavras: “É um transtorno que afeta a forma como a pessoa interage com o mundo. Ataca a comunicação e a interação com as outras pessoas”.

A maior alegria do menino é brincar com o avô Wilson, pai de Andréa, com quem gosta de jogar bola, ver vídeos, montar quebra-cabeças, pular no colo dele e morrer de rir com as cócegas que lhe faz. Leandro, o pai, diz que é um encontro de almas. “Eles se conhecem há muito mais tempo do que a gente imagina.”

Andréa completa: “São as pessoas favoritas um do outro”. Nem sempre é assim nas famílias de crianças autistas. “Muitos pais rejeitam os filhos e vão embora de casa, largam as mães sozinhas, os avós se recusam a dar presentes.”

Não por outro motivo, mais de 90% dos seguidores de Andrea são mulheres. “É incomum os pais se envolverem com este tipo de problema. As mães têm que se virar nos 30...”

Pouco depois das cinco da tarde, quando Theo chega da escola, todas as atenções se voltam para ele. Daqui a pouco vai começar sua sessão de psicologia. Os dois retrievers que habitam o apartamento, a Lola e o Charlie, não o deixam em paz um minuto.

“Com o Theo aprendi a ver a beleza das pequenas coisas, acompanhar o sol se pondo e os pingos da chuva caindo na varanda”, vai contando a mãe.

Esta experiência já rendeu a Andréa dois livros, um para adultos, com o nome do blog e o subtítulo “A Vida e os Aprendizados ao Lado de um Lindo Garotinho Autista”, e outro infantil, “Meu Amigo Faz Iiiiii”.

O objetivo principal do
trabalho de Andréa na internet é dar acolhimento e informação às mães, e foi por esse caminho natural que ela acabou chegando à política este ano.

Uma das bandeiras da ativista é defender o uso do espaço público por crianças com deficiência ao notar que muitas mães tinham vergonha de levá-las para a rua.

A forma que encontrou de combater o estigma foi promover piqueniques em parques públicos com crianças portadoras de diferentes tipos de deficiência, que já têm 800 inscritos para o próximo evento, na Pedreira Chapadão, em Campinas.

Andrea nunca teve qualquer plano de entrar na política, mas este ano sua vida mudou.

No bojo do movimento para manter os convênios do Estado com escolas especiais, que ameaçava deixar sem aulas 2.500 crianças com deficiência. Foi durante audiências públicas na Assembleia Legislativa de São Paulo sobre o tema que ela acabou recebendo um convite do PSOL para se candidatar a deputada federal.

Vai custear a campanha com seus próprios recursos, sem dinheiro do partido, contando com a ajuda de 2.500 voluntários mobilizados na internet, coordenados pelo “assessor geral”, o amigo Samir Salim Jr., e o marido Leandro.

Até o assassinato da vereadora Marielle Franco, também do PSOL, no Rio, Andréa nunca tinha ouvido falar dela, mas as duas têm muitas coisas em comum. “Eu procuro mostrar que a diversidade é uma coisa só, precisamos juntar todas as causas na mesma luta”.

Um dos vídeos da campanha, chamado “Quem Sou Eu”, já teve mais de 330 mil visualizações até a última segunda-feira. Se for eleita, um dos projetos de Andréa é criar programas de capacitação dos professores na rede regular de ensino para a inclusão.

Nos Estados Unidos, o último levantamento mostra que uma em cada 59 pessoas tem algum grau de autismo. Aqui, não se sabe. Só o próximo censo, em 2020, deverá incluir uma questão sobre o número de autistas nos domicílios.

Sem saber quantos são, como e onde vivem, fica difícil criar qualquer programa em defesa de crianças como Theo, que teve a sorte de encontrar pais como Andrea e Leandro, uma família feliz, ao lado dos inseparáveis Lola e Charlie.

Por Ricardo Kotscho, na Folha de S. Paulo 


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