sábado, 23 de junho de 2018

Ainda em Macondo


A exigência de segurança e justiça para preservação de vidas e propriedades explica a constituição do Estado em sociedades primitivas

Aradiação cósmica de fundo revela um universo econômico em expansão. Como o Brasil cresce bem menos que os países emergentes e a economia mundial, há uma indisfarçável indignação com esse medíocre desempenho. Mas nada há de surpreendente, pois a taxa média anual de crescimento está pouco acima de 2% nas últimas duas décadas e meia. O baixo crescimento surge ainda no crepúsculo do regime militar, no início dos anos 1980, e se estende aos dias de hoje, atravessando mandatos presidenciais das três versões relevantes da social-democracia nativa: a fisiológica (PMDB), a ideológica (PSDB) e a sindicalista (PT).

Em vez de surpreender, o fenômeno comove pela regularidade. O Brasil é prisioneiro da armadilha dirigista do baixo crescimento. A social-democracia promoveu descontrole dos gastos públicos, impostos excessivos, juros elevados, câmbio deprimido e baixas taxas de investimento. O combate à inflação dissociado da reforma do Estado foi disfuncional. Há governo demais onde não deveria haver, e governo de menos em suas funções críticas.

A segurança é uma das funções clássicas do Estado. Thomas Hobbes diagnostica em 'Leviatã' (1651): 'Quando os homens vivem sem uma autoridade para impor respeito, resulta uma guerra de todos contra todos... Não há estímulo para o trabalho, pois seus frutos são incertos... Haverá sempre o medo e o perigo da morte violenta; a vida é solitária, pobre, desagradável, bruta e curta'. Pequenos comerciantes, jovens das periferias e agora também a classe média compreendem a mensagem.

A justiça é outra das funções clássicas do Estado. Prossegue Hobbes: 'Outra consequência da guerra de todos contra todos é que se perdem as noções de certo e errado. Onde não há poder constituído, não há lei; onde não há lei, não há justiça. A força e a fraude tornam-se virtudes'. Os proprietários rurais, o Movimento dos Sem-Terra e agora também os políticos entendem a mensagem.

Se um Estado que gasta 40% do PIB não consegue prover essas funções básicas que explicam sua constituição em sociedades primitivas, imagine as exigências contemporâneas como educação básica, saúde pública e renda mínima contra a miséria. P.S.: trecho sobre a preservação de vidas e propriedades publicado nesta coluna em 27 de fevereiro de 2006.

Por PAULO GUEDES, em O Globo

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