A OAB deve prestar contas ao
TCU?
Sim.
República para todos!
Por sua posição, entidade deveria dar exemplo
Por Júlio Marcelo de Oliveira (Procurador do Ministério Público de Contas junto ao TCU)
Nada justifica a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) não prestar contas ao TCU (Tribunal de Contas da União). Não existe ninguém acima da República ou da Constituição, e prestar contas é o primeiro e mais básico dever de quem gerencia recursos compulsoriamente arrecadados.
Alega-se que ela é uma entidade sui generis, que não integra a administração pública, essencial à Justiça, defensora da democracia, guardiã dos direitos da cidadania, dotada da capacidade de propor ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) no STF, diferente dos demais órgãos de fiscalização profissional etc.
Nada disso, isoladamente ou em conjunto, é motivo para não prestar contas de recursos coletados compulsoriamente de todos os que queiram exercer a advocacia.
Todos os conselhos profissionais prestam contas, menos a OAB. Como eles, a OAB exerce poder estatal de polícia, fiscalizando e determinando quem pode ou não advogar, assim como o CFM fiscaliza o exercício da medicina e determina quem pode ou não atuar como médico. Também o CFM pode propor ADI perante o STF e também é guardião de valores fundamentais como a vida e a saúde; nem por isso, deixa de prestar contas das anuidades cobradas de todos os médicos.
Ser essencial à Justiça e defender direitos da cidadania, como a liberdade e a própria democracia, não é exclusividade da OAB. O Ministério Público e a Defensoria Pública compartilham essa mesma nobre missão, e prestar contas ao TCU não lhes retira nada de sua independência e autonomia para exercer seu múnus público com a mais ampla liberdade.
Que dizer, então, da própria Justiça e do STF? Guardião máximo da Constituição e fiador da democracia, cumpre ao STF dirimir os mais delicados e decisivos conflitos da República, velar pela ordem democrática e pelo Estado de Direito, ser o depositário fiel da confiança da sociedade na força normativa da Constituição e no império da lei.
No entanto, vejam só, o STF presta contas republicanamente ao TCU de cada centavo que a sociedade põe à sua disposição para suas atividades, e isso nada o diminui ou prejudica; antes, o engrandece e aumenta sua legitimidade.
Curioso é que, quando se trata de usufruir de privilégios próprios da administração pública, a OAB não se faz de rogada. Acha ótimo gozar de imunidade tributária e considera perfeito usar a Justiça Federal para cobrar inadimplentes de anuidades cujos valores ela mesma estabelece e impõe, graças à parcela de poder estatal que lhe é confiada. Para ela, tudo isso pode. Só prestar contas é que não pode.
Apega-se a OAB a precedente do antigo Tribunal Federal de Recursos, anterior à CF/88, e ao que disse o STF em 2006 no julgamento da ADI 3.026/DF. Em vias de examinar a ADI 5.367/DF, o STF tem agora excelente oportunidade de rever esse entendimento, que colocou a OAB sobrepairando soberanamente acima do bem e do mal e das instituições da República, única instituição a não prestar contas de quanto arrecada e de como o gasta.
Nenhuma nota distintiva da OAB, real ou imaginária, justifica que ela goze dos benefícios de quem desempenha parcela do poder estatal e não se submeta ao ônus glorioso de revelar à sociedade como realiza seus gastos, por meio da prestação de contas ao órgão criado justamente para isso, o TCU.
Pelo contrário, em razão mesmo de sua posição institucional, da respeitabilidade inconteste, da missão de defesa da República e da ordem jurídica, a OAB, em vez de lutar pelo privilégio odioso de não prestar contas, deveria dar exemplo, fazendo questão não só de prestar contas ao TCU, como também de divulgar na internet, detalhadamente, todos os seus gastos. República é isso!
Não. Medida política quer calar voz crítica da Ordem
TCU só pode fiscalizar os que recebem verba pública
Por Cláudio Lamachia (Especialista em direito empresarial e presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil)
Sempre que setores políticos se sentem ameaçados pela atuação crítica e independente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), é tirada do armário a proposta de vincular a instituição à administração pública federal por meio do Tribunal de Contas da União (TCU). Anonimamente, os agentes políticos incomodados conseguem veicular pela imprensa a informação de que o tribunal fiscalizará as contas da OAB — como se ela j á não fosse fiscalizada.
O primeiro engano é que o TCU tem competência para fiscalizar órgãos públicos, mas não instituições nem empresas de direito privado que não recebem dinheiro público nem arrecadam tributos, como é o caso da OAB, que sobrevive da contribuição dos advogados.
Outra inconsistência: as contas da Ordem já são públicas e audita-das por diversos órgãos internos e auditorias externas, como em qualquer entidade privada.
Elas estão disponíveis na internet e, para advogadas e advogados, são acessíveis em detalhes. Existem ainda as instâncias da própria advocacia, por meio dos representantes eleitos para trabalhar pela classe, sem remuneração ou auxílios.
A maior entidade da sociedade civil do país completará 88 anos em novembro e se diferencia dos demais conselhos profissionais por causa das atribuições recebidas da Constituição Federal. Nesse tempo todo, foram frequentes os ataques de adversários. E sempre nos pronunciamos ao lado da sociedade e da lei nos momentos críticos, como é o atual.
A tentativa de vincular a OAB ao poder político é antiga. Em 1952, o extinto Tribunal Federal de Recursos (atual Superior Tribunal de Justiça) discutiu a questão e concluiu que a Ordem não é órgão público. Em 2003, o próprio TCU chegou a essa conclusão. Em 2006, o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) também decidiu assim. Essa tentativa, portanto, fere a coisa julgada, sendo juridicamente inviável.
Quem ganharia com a submissão da OAB —que é transparente, tem natureza privada e possui mecanismos eficientes de fiscalização e controle— a um órgão da administração pública federal?
A OAB é uma voz crítica na sociedade. Foi assim quando fez oposição à ditadura militar e quando pediu os impeachments de Fernando Collor, de Dilma Rousseff e, recentemente, de Michel Temer. A Ordem se levanta contra os abusos das autoridades —como as decisões ilegais que mandam quebrar o sigilo de conversas entre jornalistas e fontes ou entre advogados e clientes.
A atuação da OAB inclui a cobrança permanente pelo fim dos privilégios desfrutados por alguns agentes públicos, como salários acima do teto, férias de 60 dias e auxílios ilegais. Essa posição se manteve quando pedimos, no início de 2016, a saída de Eduardo Cunha da Presidência da Câmara dos Deputados, quando ele ainda era o todo-pode-roso da República. Depois, com ele destruído, diversos atores políticos passaram a dizer o óbvio.
Neste ano, a OAB reforçou a atuação contra a transformação do Ministério da Educação em balcão de negócios, o que ocorre pela autorização “de baciada” de cursos de direito, ignorando critérios técnicos e de qualidade mínima.
O mesmo com relação a algumas agências reguladoras, que funcionam como moeda de troca política e como defensoras das empresas em prejuízo dos consumidores.
Barramos o encarecimento da banda larga (gestado dentro da Anatel) e fomos à Justiça contra o abuso das companhias aéreas e da Anac, que criaram a taxa extra para embarque de bagagens. Não só a advocacia, mas a sociedade perde muito com o fim da autonomia e da independência crítica da maior entidade civil brasileira.
Quem, então, ganha com isso? O TCU tem de usar sua estrutura para fiscalizar aqueles que recebem recursos públicos, sob pena de se valer do erário para fiscalizar a atividade privada.
Por sua posição, entidade deveria dar exemplo
Por Júlio Marcelo de Oliveira (Procurador do Ministério Público de Contas junto ao TCU)
Nada justifica a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) não prestar contas ao TCU (Tribunal de Contas da União). Não existe ninguém acima da República ou da Constituição, e prestar contas é o primeiro e mais básico dever de quem gerencia recursos compulsoriamente arrecadados.
Alega-se que ela é uma entidade sui generis, que não integra a administração pública, essencial à Justiça, defensora da democracia, guardiã dos direitos da cidadania, dotada da capacidade de propor ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) no STF, diferente dos demais órgãos de fiscalização profissional etc.
Nada disso, isoladamente ou em conjunto, é motivo para não prestar contas de recursos coletados compulsoriamente de todos os que queiram exercer a advocacia.
Todos os conselhos profissionais prestam contas, menos a OAB. Como eles, a OAB exerce poder estatal de polícia, fiscalizando e determinando quem pode ou não advogar, assim como o CFM fiscaliza o exercício da medicina e determina quem pode ou não atuar como médico. Também o CFM pode propor ADI perante o STF e também é guardião de valores fundamentais como a vida e a saúde; nem por isso, deixa de prestar contas das anuidades cobradas de todos os médicos.
Ser essencial à Justiça e defender direitos da cidadania, como a liberdade e a própria democracia, não é exclusividade da OAB. O Ministério Público e a Defensoria Pública compartilham essa mesma nobre missão, e prestar contas ao TCU não lhes retira nada de sua independência e autonomia para exercer seu múnus público com a mais ampla liberdade.
Que dizer, então, da própria Justiça e do STF? Guardião máximo da Constituição e fiador da democracia, cumpre ao STF dirimir os mais delicados e decisivos conflitos da República, velar pela ordem democrática e pelo Estado de Direito, ser o depositário fiel da confiança da sociedade na força normativa da Constituição e no império da lei.
No entanto, vejam só, o STF presta contas republicanamente ao TCU de cada centavo que a sociedade põe à sua disposição para suas atividades, e isso nada o diminui ou prejudica; antes, o engrandece e aumenta sua legitimidade.
Curioso é que, quando se trata de usufruir de privilégios próprios da administração pública, a OAB não se faz de rogada. Acha ótimo gozar de imunidade tributária e considera perfeito usar a Justiça Federal para cobrar inadimplentes de anuidades cujos valores ela mesma estabelece e impõe, graças à parcela de poder estatal que lhe é confiada. Para ela, tudo isso pode. Só prestar contas é que não pode.
Apega-se a OAB a precedente do antigo Tribunal Federal de Recursos, anterior à CF/88, e ao que disse o STF em 2006 no julgamento da ADI 3.026/DF. Em vias de examinar a ADI 5.367/DF, o STF tem agora excelente oportunidade de rever esse entendimento, que colocou a OAB sobrepairando soberanamente acima do bem e do mal e das instituições da República, única instituição a não prestar contas de quanto arrecada e de como o gasta.
Nenhuma nota distintiva da OAB, real ou imaginária, justifica que ela goze dos benefícios de quem desempenha parcela do poder estatal e não se submeta ao ônus glorioso de revelar à sociedade como realiza seus gastos, por meio da prestação de contas ao órgão criado justamente para isso, o TCU.
Pelo contrário, em razão mesmo de sua posição institucional, da respeitabilidade inconteste, da missão de defesa da República e da ordem jurídica, a OAB, em vez de lutar pelo privilégio odioso de não prestar contas, deveria dar exemplo, fazendo questão não só de prestar contas ao TCU, como também de divulgar na internet, detalhadamente, todos os seus gastos. República é isso!
Não. Medida política quer calar voz crítica da Ordem
TCU só pode fiscalizar os que recebem verba pública
Por Cláudio Lamachia (Especialista em direito empresarial e presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil)
Sempre que setores políticos se sentem ameaçados pela atuação crítica e independente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), é tirada do armário a proposta de vincular a instituição à administração pública federal por meio do Tribunal de Contas da União (TCU). Anonimamente, os agentes políticos incomodados conseguem veicular pela imprensa a informação de que o tribunal fiscalizará as contas da OAB — como se ela j á não fosse fiscalizada.
O primeiro engano é que o TCU tem competência para fiscalizar órgãos públicos, mas não instituições nem empresas de direito privado que não recebem dinheiro público nem arrecadam tributos, como é o caso da OAB, que sobrevive da contribuição dos advogados.
Outra inconsistência: as contas da Ordem já são públicas e audita-das por diversos órgãos internos e auditorias externas, como em qualquer entidade privada.
Elas estão disponíveis na internet e, para advogadas e advogados, são acessíveis em detalhes. Existem ainda as instâncias da própria advocacia, por meio dos representantes eleitos para trabalhar pela classe, sem remuneração ou auxílios.
A maior entidade da sociedade civil do país completará 88 anos em novembro e se diferencia dos demais conselhos profissionais por causa das atribuições recebidas da Constituição Federal. Nesse tempo todo, foram frequentes os ataques de adversários. E sempre nos pronunciamos ao lado da sociedade e da lei nos momentos críticos, como é o atual.
A tentativa de vincular a OAB ao poder político é antiga. Em 1952, o extinto Tribunal Federal de Recursos (atual Superior Tribunal de Justiça) discutiu a questão e concluiu que a Ordem não é órgão público. Em 2003, o próprio TCU chegou a essa conclusão. Em 2006, o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) também decidiu assim. Essa tentativa, portanto, fere a coisa julgada, sendo juridicamente inviável.
Quem ganharia com a submissão da OAB —que é transparente, tem natureza privada e possui mecanismos eficientes de fiscalização e controle— a um órgão da administração pública federal?
A OAB é uma voz crítica na sociedade. Foi assim quando fez oposição à ditadura militar e quando pediu os impeachments de Fernando Collor, de Dilma Rousseff e, recentemente, de Michel Temer. A Ordem se levanta contra os abusos das autoridades —como as decisões ilegais que mandam quebrar o sigilo de conversas entre jornalistas e fontes ou entre advogados e clientes.
A atuação da OAB inclui a cobrança permanente pelo fim dos privilégios desfrutados por alguns agentes públicos, como salários acima do teto, férias de 60 dias e auxílios ilegais. Essa posição se manteve quando pedimos, no início de 2016, a saída de Eduardo Cunha da Presidência da Câmara dos Deputados, quando ele ainda era o todo-pode-roso da República. Depois, com ele destruído, diversos atores políticos passaram a dizer o óbvio.
Neste ano, a OAB reforçou a atuação contra a transformação do Ministério da Educação em balcão de negócios, o que ocorre pela autorização “de baciada” de cursos de direito, ignorando critérios técnicos e de qualidade mínima.
O mesmo com relação a algumas agências reguladoras, que funcionam como moeda de troca política e como defensoras das empresas em prejuízo dos consumidores.
Barramos o encarecimento da banda larga (gestado dentro da Anatel) e fomos à Justiça contra o abuso das companhias aéreas e da Anac, que criaram a taxa extra para embarque de bagagens. Não só a advocacia, mas a sociedade perde muito com o fim da autonomia e da independência crítica da maior entidade civil brasileira.
Quem, então, ganha com isso? O TCU tem de usar sua estrutura para fiscalizar aqueles que recebem recursos públicos, sob pena de se valer do erário para fiscalizar a atividade privada.
Na Folha de São Paulo