sexta-feira, 15 de junho de 2018

Agências de regulação e a politicagem


As mãos livres nas indicações para as agências
Ao longo deste primeiro semestre de 2018, 16 diretores ou diretores-presidentes de agências de regulação foram ou devem ser indicados. O assunto tem recebido destaque na imprensa, que diz que as indicações são alvo de disputa entre os partidos da base aliada. Sobre as características dos indicados, chamava mais a atenção suas vinculações ou o apadrinhamento que recebiam de um determinado partido político do que a sua experiência profissional ou conhecimento acumulado na área.

Não há, a princípio, nenhuma anormalidade no fato de um diretor de uma agência de regulação ter preferências políticas. O que parece impróprio é ser este o principal, se não o único, critério de escolha. A indicação deveria se pautar pelas necessidades do exercício de uma política de Estado, que contempla a aplicação de normas regulatórias de caráter mais permanente do que as composições políticas que sustentam um governo particular. Porém, parece muitas vezes que a nobre função do regulador assume também o papel de moeda de troca no combalido presidencialismo de coalizão, algo muito distante de seu dever-ser.

Esta crítica não é nova. Já constava nas recomendações do TCU, em seu acórdão 2261/2011, bem como na fundamentação do Projeto de Lei do Senado nº 52, de 2013, em trâmite no Congresso Nacional, também conhecido como Lei Geral das Agências Reguladoras.

O princípio que orienta o desenho regulatório é conferir à autoridade reguladora autonomia para que a aplicação da norma não seja afetada pelos interesses casuísticos do governo incumbente, de modo a conferir maior previsibilidade e credibilidade para salvaguardar os investimentos de longo prazo necessários à provisão dos serviços regulados. Ao adotar esse modelo regulatório, o governo ata suas próprias mãos a fim de criar um compromisso crível com os investidores privados. O processo de indicação, contudo, ainda deixa margem para um importante canal de influência sobre a agência que subverte o princípio geral que orienta o desenho regulatório.

Por esse motivo, o projeto de lei traz mudanças importantes, que, em linhas gerais, reduzem a discricionariedade da Presidência da República e do Senado no processo de indicação. Além do clássico 'brasileiros de notório saber' - já existente e, de tão vago, pouco restritivo -, o projeto de lei introduz uma série de restrições qualificadoras aos indicados, especificando um número mínimo de anos de experiência na área de atuação da agência reguladora, bem como vedações associadas à vinculação política do indicado ou sua participação em empresas que explorem qualquer das atividades reguladas pela agência. Ainda mais importante do que essas restrições sobre as qualificações do indicado é a mudança no processo de indicação. A indicação da Presidência da República se restringiria a uma lista tríplice resultante de um processo seletivo público.

Ao amarrar as mãos da Presidência, que não mais pode indicar um nome qualquer de interesse de sua base aliada, o sistema proposto reduz também a barganha política no Senado, visto que não haveria mais como impor um nome ao Executivo. Não podendo mais servir como moeda de troca, espera-se que as indicações sejam orientadas pelo princípio de melhor capacidade de aplicação das normas regulatórias.

Trata-se de um inegável avanço. Mas as experiências internacionais mais bem sucedidas revelam que as mudanças previstas para o desenho regulatório brasileiro poderiam ser ainda mais ousadas. Tome-se, por exemplo, o caso da Irlanda. O governo define um perfil a ser contratado; como ilustração, para ocupar uma diretoria específica da agência de telecomunicações, pode especificar alguém com expertise em engenharia de computação e direito. Uma comissão independente faz, então, um trabalho de busca desse perfil, seguindo os modelos de contratação de CEOs, como headhunters. É interessante notar que a busca não se restringe aos cidadãos daquele país; busca-se o melhor perfil, independentemente de sua nacionalidade. Os eventuais interessados são também avisados que o exercício de campanha pela indicação pode implicar a sua desqualificação, o que reduz os incentivos para eventuais transações escusas entre o indicado e aqueles que o indicam e sabatinam.

Este modelo assegura a seleção de quadros altamente qualificados e independentes, as duas principais características desejadas para quem ocupará o comando das agências de regulação.

A disputa que se vê pelas indicações revela as deficiências do marco regulatório corrente. Espera-se que, pelo menos, ofereçam o impulso para a mudança, que passa por amarrar um pouco as mãos daqueles com a importante missão de escolher os diretores das agências de regulação.
Por Paulo Furquim de Azevedo e  Vicente Bagnoli, no JOTA



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