sábado, 24 de novembro de 2007

Para alegrar a alma: Manuel Bandeira


Poesia é sempre bom. Em qualquer circunstância. Sobretudo da lavra de um dos maiores modernistas brasileiros: Manoel Bandeira. Pernambucano do Recife, nasceu em 1886 vindo a falecer em 13 de outubro de 1968. O poema abaixo foi lido por Ronald de Carvalho na segunda noite da Semana de Arte Moderna. Era uma quinta feira, dia em que se apresentaram também Guiomar Novaes e Menotti del Picchia. Enquanto interpretava ‘Os sapos’ a platéia agitava, tudo fazendo para atrapalhar a leitura do texto que, como se vê, criticava de maneira viril todos os que se guiavam pela escola do parnasianismo. Deleitem-se com a preciosidade literária:

Os sapos

Enfunando os papos,
Saem da penumbra,
Aos pulos, os sapos.
A luz os deslumbra.

Em ronco que aterra,
Berra o sapo-boi:
— "Meu pai foi à guerra!"
— "Não foi!" — "Foi!" — "Não foi!".

O sapo-tanoeiro,
Parnasiano aguado,
Diz: — "Meu cancioneiro
É bem martelado.

Vede como primo
Em comer os hiatos!
Que arte! E nunca rimo
Os termos cognatos!

O meu verso é bom
Frumento sem joio
Faço rimas com
Consoantes de apoio.

Vai por cinqüenta anos
Que lhes dei a norma:
Reduzi sem danos
A formas a forma.



Clame a saparia
Em críticas céticas:
Não há mais poesia,
Mas há artes poéticas . . ."

Urra o sapo-boi:
— "Meu pai foi rei" — "Foi!"
— "Não foi!" — "Foi!" — "Não foi!"

Brada em um assomo
O sapo-tanoeiro:
— "A grande arte é como
Lavor de joalheiro.

Ou bem de estatuário.
Tudo quanto é belo,
Tudo quanto é vário,
Canta no martelo."

Outros, sapos-pipas
(Um mal em si cabe),
Falam pelas tripas:
— "Sei!" — "Não sabe!" — "Sabe!".

Longe dessa grita,
Lá onde mais densa
A noite infinita
Verte a sombra imensa;

Lá, fugindo ao mundo,
Sem glória, sem fé,
No perau profundo
E solitário, é

Que soluças tu,
Transido de frio,
Sapo-cururu
Da beira do rio