quinta-feira, 29 de novembro de 2007

O bochinche, a tragédia anunciada.

O céu da Escola Estadual Fonte Nova não é azul, jamais ostentou a cor celeste. O cinza escuro e duro do concreto armado é a tintura que coloria o céu dos professores, servidores e alunos de uma das unidades de ensino de Salvador na Bahia. É como se os 600 alunos que lá estudavam estivessem sendo coletivamente punidos, não com os decrépitos e centenários instrumentos de castigo como a palmatória, o suplício de ajoelhar em caroços de milho ou a obrigatoriedade de ostentar o maldito chapéu de burro com o nariz encostado no quadro negro. A pena imposta aos estudantes da Escola Estadual Fonte Nova foi áspera, vingativa: privá-los do céu. Estivesse o céu nublado e triste ou ensolarado e alegre, a vista de sua abóbada sempre esteve fora do alcance, e os estudantes só vislumbravam sobre suas cabeças as escuras e sombrias arquibancadas do Estádio Octávio Mangabeira.

Meteoritos caindo do céu não é coisa rara, nem novidade para ninguém. É bonito vê-los à noite, singrando o espaço, ostentando a longa calda de fogo reluzente. Mas não se tem conhecimento que algum tenha despencado sobre uma escola, uma sala de aula, sobre um pátio onde as crianças se divertiam no horário do recreio. Já na Escola Estadual Fonte Nova, raro era o dia em que não chovia astrólitos. Segundo o vigilante, era comum que pedaços de cascalho e pedras se soltassem da estrutura da arquibancada, caindo na calçada, no ginásio e no pátio da escola.

A tragédia que ocorreu no Estádio Fonte Nova deixou sete mortos e mais de 80 feridos. No dia em que Bahia e Vila Nova se enfrentavam pelo campeonato brasileiro, parte da estrutura da arquibancada cedeu, deixando aberto um vão de 17 metros.

O Estádio inaugurado em 1951 tem capacidade para 60.000 torcedores, mas já suportou quase o dobro. No ano de 1988, mais de 110.000 pessoas presenciaram a partida em que o Bahia derrotou o Fluminense do Rio de Janeiro.

O pior desta que é uma das maiores tragédias do esporte brasileiro é que vem sendo anunciada há muito tempo. O que agrava e acentua o desleixo, a negligência e o desmazelo das autoridades responsáveis.

Engenheiros, arquitetos e promotores vinham alertando para os riscos de acidentes desde 2005. O Ministério Público chegou a pedir a interdição do estádio.

Três meses atrás, o Sindicato Nacional das Empresas de Arquitetura e Engenharia promoveu vistorias e avaliou os principais estádios brasileiros. O objetivo era levantar as praças esportivas habilitadas para abrigar os jogos da Copa de 2014. Pois bem, dos 29 estádios avaliados, a Fonte Nova ficou em último lugar, apresentando as piores condições de segurança. O documento do Sinaenco é tão claro como um dia de sol escaldante: relata que o estádio está em "estado lastimável" em decorrência da falta de manutenção e não oferece "nenhum conforto e segurança para os usuários". Eis aí o diagnóstico efetuado (e DIVULGADO!!!) com praticamente três meses de antecedência.

Era sob este céu de brigadeiro que funcionava a Escola Estadual Fonte Nova. Nos corredores da escola a ferragem do teto está inteiramente exposta, oxidando e corroendo o concreto armado que esfarinha, deitando pó e sujeira sobre o chão. Também o forro de gesso apodreceu, e o que se vê são muitos buracos. Da escola, a visão da gigantesca e carcomida arena é quase completa: a cena da tubulação do estádio completamente enferrujada é chocante, uma prova inconteste do bochinche.

Muitas escolas brasileiras se encontram em estado de penúria, com as instalações físicas aviltadas, ostentando uma paisagem de ruína, de destruição e decadência. Algumas estão como escombros do pós-guerra.

É a miséria que acomete a parte física de grande número de nossas escolas, comprometendo a segurança e a aprendizagem de nossos alunos. É a miséria mais indigente e deplorável que acomete a moral de grande número de nossos dirigentes, comprometendo até mesmo a subsistência da nação, da sociedade, da cidadania.

Antônio Carlos dos Santos - criador da metodologia de planejamento estratégico Quasar K+ e da tecnologia de produção de teatro popular de bonecos Mané Beiçudo. acs@ueg.br