Nos tempos antigos alguns reis e mandatários adquiriram o hábito de percorrer seus povoados e o interior do país, disfarçados de mendigos ou pessoas comuns.
Saiam de seus palácios na surdina, longe do olhar da corte, do conhecimento de seus ministros, assessores, asseclas, dos batalhões que prestavam segurança pessoal, dos filhos e parentes e até mesmo das esposas, amantes e concubinas. Pé ante pé largavam a segurança e o conforto dos palácios para adentrar num outro mundo, onde viviam seus súditos.
Misturados ao povo simples, e sem que ninguém percebesse suas verdadeiras identidades e intenções, entravam nas filas, recorriam às repartições públicas, procuravam os burocratas reais, entabulavam conversas com vendedores, andarilhos, artesãos, desejando captar o verdadeiro sentimento popular, as queixas e reclamações, as esperanças e expectativas da plebe rude.
No dia seguinte, promoviam então uma verdadeira revolução interna. Muitos eram demitidos e muitos outros contratados. As repartições passavam por ajustes, eram desmembradas, aglutinadas, reordenadas e algumas simplesmente liquidadas. Da noite para o dia, novas instruções e ordens reais passavam a vigorar, e o povo conseguia um ar mais puro e límpido para respirar, a vida melhorava, bem devagar, é verdade, num movimento quase inercial, mas melhorava.
O hábito se perdeu com o tempo e nos dias de hoje os dirigentes e mandatários guardam distância quilométrica de qualquer aproximação – ainda que efêmera e tangencial - com a massa ignara. Preferem recorrer às estatísticas, aos números, às pesquisas, aos diagnósticos e estudos científicos produzidos por seus experts. O máximo que se permitem é, nos períodos eleitorais, promover alguns comícios e reuniões públicas, quando se deixam fotografar ao lado da gente simples, carregam criancinhas no colo, amparam senhoras grávidas, dão o braço em apoio às velhinhas... E mal são anunciados os resultados das eleições, voltam-se ao abrigo de seus palácios suntuosos e indevassáveis.
Tanta indiferença e ostentação talvez seja o motivo que inquietou o senador Cristovam Buarque levando-o a radicalizar sua ação política.
Surpreendendo seus pares e a opinião publica, o congressista apresentou no Senado da República um projeto que impede parlamentares, prefeitos, governadores e presidente da República de matricularem seus filhos em escolas particulares durante a educação básica.
O projeto de lei é simples. Quem tem cargo eletivo teria a obrigação de colocar filhos e demais dependentes em escolas públicas já a partir de 2014.
A proposta não apresenta e sequer faz menção à punição para os que ignorarem a lei. Mas em entrevista, o senador complementa: “as punições seriam duras e os parlamentares federais, por exemplo, poderiam estar incorrendo em quebra de decoro, passíveis portanto de cassação do mandato”.
Muitos fizeram chacota, incorporaram a iniciativa ao anedotário político, passaram a ter o senador na conta dos lunáticos, mas poucos se preocuparam em refletir sobre o assunto.
Porque os filhos da realeza brasileira não podem se misturar aos filhos dos trabalhadores, dos pobres, dos reles mortais?
Alguém duvida que, com a iniciativa implementada, com os filhos dos parlamentares, prefeitos, governadores e presidente da República freqüentando escolas da rede pública, o ensino e a educação brasileira dariam um salto de qualidade, mudariam para melhor, da água para o vinho e na velocidade de luz?
Muitos trataram de, apressadamente e no afogadilho, concluir:
- Tshá... pura demagogia.
- O problema é por demais complexo e não se resolve com medidas tão simplórias e artificiais.
- Esses políticos... sempre atrás dos holofotes...
Mas a pergunta que não quer calar continua vagando no ar, sem resposta:
Alguém duvida que, com a iniciativa implementada, o ensino e a educação brasileira dariam um salto de qualidade, mudariam da água para o vinho e na velocidade de luz?
Antônio Carlos dos Santos é criador da metodologia de Planejamento Estratégico Quasar K+ e da tecnologia de produção de teatro popular de bonecos Mané Beiçudo.