segunda-feira, 26 de novembro de 2007
Onde estuda Gasparzinho, o fantasminha camarada?
Em um de seus contos, “A Ilha Idílica”, Rodoux Faugh revela a existência da terra dos sonhos, o lugar onde bastava dar asas à imaginação para que o objeto do desejo se materializasse. Como na terra encantada os sonhos eram plenamente possíveis, naturalmente todas as pessoas eram saudáveis, educadas, felizes. Por mais difícil e complexo que fosse a fantasia, não havia realidade capaz de inviabilizá-la. O imaginário sempre estava a brincar com a materialidade. Por isso não havia dor de espécie alguma e, conseqüentemente inexistia a máfia dos laboratórios, da indústria farmacêutica, das sanguessugas... Crianças abandonadas, maltratadas ou coagidas pelos pais? nem pensar. Desemprego? não sabiam do que se tratava. Hipocrisia, estupidez, demagogia, falta de educação? como jamais ocorrera isso por lá, ignoravam simplesmente. A ilha era um pedaço diminuto do céu que, numa tempestade bravia, dera de atracar na terra. Com direito a anjos, trombetas, imortalidade, felicidade eterna (cerveja, que ninguém é de ferro!) e tudo mais que o bom Deus só reservara, nos primórdios da criação, para o paraíso.
Pois não é que o Brasil, às vezes, se torna em tudo semelhante à tal Ilha Idílica? Pelo avesso, é evidente. Ou de ponta cabeça, caso prefiram.
Quem já não viu – ainda que pela TV – um pervertido qualquer, marginal de primeira hora, latrocida ignominioso, jurar inocência e arrependimento com os olhos marejados, a expressão cândida de ternura, isso após ter cometido o mais vil e hediondo crime, banalizando entre nós o estado de absoluta barbárie? E ganha progressão de pena, indulto de natal e outros penduricalhos legais para logo, logo, tornar à arte de aterrorizar as pessoas e a sociedade.
Ou um desses parlamentares pegos com a boca na botija, chorando lágrimas de crocodilo e rememorando a infância sofrida, tragada pelo ofício de engraxate e de vendedor de quitandas e picolés? E são absolvidos no conselho de ética(¿) ou então renunciam ao mandato para retornarem redimidos(¿), rejuvenescidos, transformando a política em um cabaré de cego, um antro de prostituição e jogatinas.
Ou então um desses pregadores religiosos - a minoria, felizmente! – muito mais dados às coisas mundanas, aos prazeres terrenos que às virtudes do reino celeste, pois que se afeiçoam à pedofilia e ao charlatanismo? E por chicotear a boa fé da gente simples, ao contrário de desprezo e cadeia, são bonificados com missões na África ou designados para ‘evangelizar’ em outras freguesias, onde o conhecimento sobre as barbaridades que praticam não chega jamais.
Ao contrário da ilha idílica de Rodoux Faugh, onde só poderiam residir os justos e bons, em Pindorama, parece que são os maus que fazem história, que sempre vencem, que conseguem materializar seus insanos e nefastos desejos em detrimento dos sonhos e aspirações da comunidade.
E para isso valem do que se encontra ao alcance das mãos. Estatística, cálculos, equações complexas, números infinitesimais, indicadores múltiplos, dados e informações, a maquiagem que for para emprestar certo grau de seriedade às suas teses e proposições sorrateiramente urdidas.
A última jogatina acaba de sair do forno, da cumbuca, seu cheiro nauseabundo infecta o ar e chega a sapecar as narinas de tão quente.
O Ministério da Educação estima que pode haver um milhão e 200 mil alunos-fantasmas na rede pública. A conta é simples e seu resultado foi obtido quando os técnicos cotejaram os dados do censo da Educação Básica, versões 2006 e 2007.
Esses números não são definitivos e o ministro da Educação, Fernando Haddad, afirma que “a diferença de numeração é um erro que deve ser corrigido a partir da complementação dos dados do censo, que terminará no próximo mês”.
De qualquer forma, seja qual for a dimensão e amplitude do “erro”, todos sabemos da importância desses dados para as prefeituras municipais. O total de alunos é uma informação por demais relevante porque é um dos principais quesitos para a distribuição de verbas entre Estados e municípios.
Funciona mais ou menos assim: para terem ‘direito’ a um volume maior de recursos financeiros, muitos prefeitos e secretários de educação passam a exercitar as Ciências Ocultas Degenerativas, enamorando vampiros, assombrações e principalmente fantasmas (fantasminhas para ser mais preciso).
Com a picaretagem aplicam gatunagem ao quadrado: beneficiam-se de maneira criminosa, informando um total de alunos que jamais tiveram (recebendo por isso mais recursos do que teriam direito) e ao mesmo tempo retiram recursos dos municípios que efetivamente matricularam mais alunos (e que passam a receber bem menos do que a lei assegura).
Portanto, se algum dia adentrar uma sala de aula e percebê-la vazia, leve em conta, caro leitor, que apenas aparentemente as carteiras escolares estarão vazias. Na realidade, as salas estão abarrotadas de estudantes, as carteiras todas ocupadas. É que os coleguinhas de Gasparzinho são invisíveis para nós outros, reles mortais. Como? se os fantasminhas camaradas são computáveis para efeito de transferências de verbas? Ah e como são!?!?!?!
Antônio Carlos dos Santos é criador da metodologia de planejamento estratégico Quasar K+ e da tecnologia de produção de teatro popular de bonecos Mané Beiçudo. acs@ueg.br