Adriel tinha apenas sete anos de idade quando foi estupidamente colhido por uma caminhonete desgovernada que entrou na contramão. Morreu abraçado à sua mãe, Alessandra, de 26 anos, e ao namorado dela, Alessandro Santos, um ano mais velho.
Os três foram atropelados e arrastados por quase 15 metros por um veículo conduzido pelo promotor público paulista Wagner Juares Grossi que, afirmam as testemunhas, dirigia bêbado (exames comprovaram o estado de embriaguez) e em alta velocidade.
Os três encontram-se enterrados a sete palmos de profundidade enquanto o promotor goza dos benefícios da lei brasileira que assegura fórum privilegiado aos promotores.
Exemplos como este se tornaram rotina no panorama nacional. E a impunidade talvez seja o principal estímulo para o cenário de guerra civil que se estabeleceu entre nós e que mergulha nosso sistema de trânsito num plasma de injustiça, violência extrema e incompetência generalizada.
No Brasil, em apenas uma década, o número de mortes entre motociclistas cresceu 460%, entre ciclistas 300%, e entre motoristas e passageiros 70%. Só entre pedestres ocorreu uma redução de 30%.
É como se estivéssemos em pleno ar, num Airbus A380 (o novo avião/transatlântico que pode conduzir de uma só vez mais de 800 passageiros) desgovernado, fora de controle, com pilotos e tripulação despreparados para a tarefa de mantê-lo voando em equilíbrio.
As mortes por acidente de trânsito no Brasil caíram na vala comum. Quando a dor é extrema, o corpo humano aciona um sistema de defesa que a amortece e elimina nos momentos mais intensos. É o que vem ocorrendo no trânsito. As tragédias ocorrem com tal profusão e violência que tudo se tornou banal, normal, aceitável. Fomos tragados pela indiferença que avilta e pela hipocrisia social: 35 mil mortes por ano, 98 por dia. Nos últimos dez anos, 327 mil mortos - 40 Maracanãs inteiramente lotados.
Conjugado à impunidade, as péssimas condições das estradas e vias públicas ajudam a compor o cenário de terra arrasada.
A Confederação Nacional do Transporte acaba de divulgar a Pesquisa Rodoviária CNT 2007, que avaliou 87.592 km de rodovias no País. O estudo denuncia que 74,20% das rodovias sob administração federal apresentaram algum problema no pavimento, sinalização (horizontal ou vertical) ou de geometria da via. As principais conclusões:
- 54,5% da malha rodoviária analisada estão com o pavimento em estado Regular, Ruim ou Péssimo, totalizando 47.777 km.
- 65,4% da extensão pesquisada têm sinalização com problemas (57.253 km).
- 8,5% possuem placas total ou parcialmente cobertas por mato (7.462 km).
- 39,0% da extensão avaliada têm placas com a legibilidade deteriorada (31.880 km).
- 37,5% não possuem placas de limite de velocidade (32.815 km).
- 42,5% da extensão analisada não têm acostamento (37.259 km).
Na outra face da moeda estão cunhadas as instituições estatais de trânsito. Brasil adentro, não há dia em que os jornais em suas manchetes de primeira página deixem de estampar escândalos enfatizando desbaratamento de quadrilhas (das quais participam servidores públicos) e escândalos de corrupção.
Não basta inundar a mídia com propaganda institucional clamando pela paz no trânsito. É necessário que o Estado desburocratize suas instâncias mantendo-as ao largo da corrupção, capacite os servidores, e qualifique os sistemas de gestão. Não sendo assim, restará a dor e a resignação de chorar a próxima vítima.
Antônio Carlos dos Santos, criador da metodologia Quasar K+ de Planejamento Estratégico e da tecnologia de produção de teatro popular de bonecos Mané Beiçudo. acs@ueg.br