quarta-feira, 28 de novembro de 2007

A incúria, a desídia.

A pequena L. tem quinze anos, mas o corpo tísico aparenta não mais que dez. A fragilidade da adolescente e o rosto de criança não foram suficientes para impedir que fosse presa por uma delegada (repare no gênero!), mantida encarcerada por uma juíza (mais uma espiada no gênero!), num estado gerenciado por uma governadora (novamente o gênero??).

A pequena criança fixou enclausurada durante 15 dias numa cela com cerca de trinta homens. Trinta! Relutou, não aceitou as propostas indecorosas, resistiu o quanto pode, administrou a fome rompendo os limites das impossibilidades. Chegou a ficar três dias sem comer, sem colocar pedaço de pão ou um grão de arroz na boca... e para ter acesso ao prato de comida foi obrigada a se sujeitar à sanha maquiavélica dos íncubos e com eles manter relações sexuais. E na cidade de Abaetetuba, pertinho da capital paraense, a somente 89 quilômetros de Belém, no Pará, foi restaurada a ignomínia, a barbárie absoluta e inconteste, a escravidão mais abjeta, aquela que submete a infância à depravação sexual.

O caso em tudo se assemelha a um folhetim policial criado nos porões mais profundos do inferno.

Quando se escutava ainda os ecos da explosão inicial originada pela divulgação do insidioso escândalo, três policiais passaram a perseguir a família. Pressionaram, ameaçaram, intimidaram, utilizaram todo o poder do estado policial de que estavam investidos para submeter a paupérrima família à mais completa humilhação. Obrigaram o pai a mentir sobre a verdadeira idade de sua filha e chegaram a fazê-lo falsificar uma certidão de nascimento, numa tramóia urdida para dar como ‘de maior’ a franzina L. de apenas 15 anos.

Infelizmente, o caso não é isolado. Nos grotões do país persistem ainda as inaceitáveis cadeias mistas, atuam em profusão autoridades relapsas, incompetentes (criminosas!) que transformam mulheres em vítimas “ocultas” do sistema penitenciário brasileiro. É o que denuncia a Anistia Internacional, chocada com o episódio ocorrido no Estado do Pará, que ganhou o mundo para se transformar num dos mais vergonhosos atos de agressão aos direitos humanos.

Um recente documento da OEA - Organização dos Estados Americanos – denuncia que, em Mato Grosso do Sul, na cadeia mista de cidade de Amambai, um funcionário manteve relações sexuais com uma presa dentro da cela, na presença de dez mulheres. A impunidade chegou a um estágio que já não sentem necessidade de praticar o ilícito às escondidas. Tudo é perpetrado às claras, à luz do meio dia, na presença de comuns e de autoridades institucionais, que às vezes são parceiras e cúmplices.

O Brasil não é uma república de bananas. Temos lá muitos problemas, boa parte deles gravíssimos, mas vivemos uma democracia, temos instituições com certa solidez, um marco regulatório inspirado nos países mais avançados do planeta, várias leis carecem de adequações mas outras colocam-se dentre as mais atuais, similares às que vigoram em países como a Suécia e a Alemanha. Temos instituições e uma burocracia voltada exclusivamente para a proteção dos presos, dos reeducando e da sociedade. Os servidores do ministério público e do judiciário estão entre os que recebem os maiores salários do setor publico. E no caso da pequena L., o ministério público e a juíza local são cúmplices explícitos do massacre a que foi submetida a pequena criança.

Devem ser exemplarmente responsabilizados pela incúria e pela desídia.

Antônio Carlos dos Santos é o criador da metodologia de Planejamento Estratégico Quasar K+ e da tecnologia de produção de teatro popular de bonecos Mané Beiçudo. acs@ueg.br