domingo, 25 de novembro de 2007
Manuel Bandeira & Castro Alves
Continuamos na estrada com Manuel Bandeira. Ontem nos deleitamos com o poema ‘Os sapos’, e hoje vamos de ‘Teresa’. Com a companhia adicional de Castro Alves.
Teresa
A primeira vez que vi Teresa
Achei que ela tinha pernas estúpidas
Achei também que a cara parecia uma perna
Quando vi Teresa de novo
Achei que os olhos eram muito mais velhos que o resto do corpo
(Os olhos nasceram e ficaram dez anos esperando que o resto do corpo nascesse)
Da terceira vez não vi mais nada
Os céus se misturaram com a terra
E o espírito de Deus voltou a se mover sobre a face das águas.
Agora vamos com a Teresa de Castro Alves:
O "adeus" de Teresa
A vez primeira que eu fitei Teresa,
Como as plantas que arrasta a correnteza,
A valsa nos levou nos giros seus
E amamos juntos E depois na sala
"Adeus" eu disse-lhe a tremer co'a fala
E ela, corando, murmurou-me: "adeus."
Uma noite entreabriu-se um reposteiro. . .
E da alcova saía um cavaleiro
Inda beijando uma mulher sem véus
Era eu Era a pálida Teresa!
"Adeus" lhe disse conservando-a presa
E ela entre beijos murmurou-me: "adeus!"
Passaram tempos sec'los de delírio
Prazeres divinais gozos do Empíreo
... Mas um dia volvi aos lares meus.
Partindo eu disse - "Voltarei! descansa!. . . "
Ela, chorando mais que uma criança,
Ela em soluços murmurou-me: "adeus!"
Quando voltei era o palácio em festa!
E a voz d'Ela e de um homem lá na orquestra
Preenchiam de amor o azul dos céus.
Entrei! Ela me olhou branca surpresa!
Foi a última vez que eu vi Teresa!
E ela arquejando murmurou-me: "adeus!"
Muito de semelhança, não é mesmo?! As considerações abaixo fui buscar no LEITURAS
Vale a pena ler.
“Semelhanças? Ambos os poemas registram três momentos entre o poeta e sua Teresa; ambos apresentam Teresa em diferentes situações de sua vida.
A partir daí começam os pontos divergentes que ainda mais aproximam os dois poemas.
Enquanto a linguagem de Castro Alves é trabalhada, a de Manuel Bandeira é intencionalmente simples; enquanto Castro Alves registra a perda amorosa, Manuel Bandeira apresenta o encontro. Veja-se que trilham caminhos opostos. Castro Alves, romântico, constrói uma ambiência de sonho a envolver a figura feminina; Manuel Bandeira, modernista, emprega uma linguagem despojada e nada acrescenta alem da figura da mulher que se revela a seus olhos.
Nas duas primeiras estrofes de Castro Alves, há uma aparente harmonia:
A vez primeira que eu fitei Teresa,
Como as plantas que arrasta a correnteza,
A valsa nos levou nos giros seus...
E amamos juntos... E depois na sala
“Adeus” eu disse-lhe a tremer co’a fala...
E ela, corando, murmurou-me: “adeus”.
Uma noite... entreabriu-se um reposteiro...
E da alcova saiu um cavaleiro
Inda beijando uma mulher sem véus...
Era eu... Era a pálida Teresa!
“Adeus” lhe disse conservando-a presa...
E ela entre beijos murmurou-me: “adeus!”
O “adeus”, nas duas estrofes, tem o significado de “até breve”. Nesse adeus se esconde a promessa de reencontro.
Na terceira estrofe, que registra a separação dos amados, o adeus se reveste de outro significado, mescla de medo e sofrimento, induzido pela expressão “em soluços” somada à timidez de “murmurou-me” que o antecede.
Passaram tempos... séc’los de delírio...
Prazeres divinais... gozos do Empíreo...
... Mas um dia volvi aos lares meus.
Partindo eu disse – “Voltarei!... descansa!...”
Ela, chorando mais que uma criança,
Ela em soluços murmurou-me: “adeus!”
A quarta estrofe marca a separação definitiva:
Quando voltei... era o palácio em festa!...
E a voz d’Ela e de um homem lá na orquestra
Preenchiam de amor o azul dos céus.
Entrei!... Ela me olhou branca... surpresa!
Foi a última vez que eu vi Teresa!...
E ela arquejando murmurou-me: “adeus!”
O verbo escolhido pelo autor, “arquejar”, mais uma vez revela profundo sofrimento. Nota-se, porém, como em toda a obra lírico-amorosa de Castro Alves, a superioridade sugerida na figura masculina. É a mulher que fica pálida, chora, arqueja. Os termos que apresentam as emoções e ações masculinas sugerem força e erotismo.
Na primeira estrofe da Teresa de Manuel Bandeira, registra-se uma simples observação:
A primeira vez que vi Teresa
Achei que ela tinha pernas estúpidas
Achei também que a cara parecia uma perna.
O poema, numa clara alusão a seu hipotexto, inicia-se com o verso de Castro Alves adaptado à linguagem contemporânea: A vez primeira que eu fitei Teresa/A primeira vez que eu vi Teresa. Ao contrário do primeiro, porém, que destaca o despertar de um encantamento, o segundo parece registrar quase um desagrado.
Na estrofe seguinte, o segundo momento relatado – em contraste evidente com o poema-matriz, que nesse segmento aponta a separação –, insinua um indício de encontro na percepção que tem o autor da alma de Teresa revelada nos olhos que nasceram antes e ficaram esperando o resto do corpo crescer.
A terceira estrofe, também a terceira parte do poema, confirma o encontro. Nesse encontro, tal como no início dos tempos bíblicos, a vida recomeça, num contraste marcante com o poema de Castro Alves que, em sua parte final, expõe a ruptura definitiva.
Na diferença, a semelhança. Não uma diferença qualquer, mas uma diferença pontuada, intencional: o relato de um encontro, não o de um desencontro.
Em ambos os poemas, a exploração do tempo, apresentado em ordem cronológica, para marcar o processo gradual dos momentos narrados.