quinta-feira, 12 de julho de 2018

O Brasil esqueceu Monteiro Lobato


No último 4 de julho, passou em branco o aniversário dos 70 anos da morte de José Bento Monteiro Lobato. É até justificável. Nos tempos sombrios em que vivemos, um brasileiro como o grande escritor, editor e defensor dos interesses nacionais merece o esquecimento.
Depois de permanecer quatro anos nos Estados Unidos (1927-1931), o já célebre escritor voltou ao Brasil determinado a defender a necessidade da exploração do petróleo. Considerava como a razão da soberania dos Estados modernos e indispensável à libertação econômica. Debate pelos jornais e em conferências com aqueles que achavam absurdo o Brasil ter petróleo. Criou diversas empresas para iniciar a exploração do 'ouro negro', mas sempre esbarrou na burocracia oficial e nos interesses dos trustes, em especial da Standard Oil. Quando publicou, em 1936, O Escândalo do Petróleo, o livro causou um grande impacto: em alguns meses, vendeu quatro edições. Porém, com a chegada do Estado Novo (novembro de 1937), foi retirado das livrarias e proibidas novas reedições.

Lobato não desistiu. Da mesma forma como atacou duramente o Código de Minas de 1934 por criar inúmeros embaraços à exploração do subsolo aos empreendedores privados brasileiros, fez criticas severas ao Conselho Nacional de Petróleo (CNP), criado em 1938 e, para muitos, considerado um símbolo da defesa das riquezas naturais do Brasil. Para Lobato, o CNP impediu 'as empresas nacionais até de gemer'; o seu diretor, o general Horta Barbosa, era leigo no assunto, autoritário e incompetente.

Na época, falava-se muito em 'economia dirigida', certamente por influência dos planos quinquenais soviéticos, mas o nacionalismo de Lobato sempre foi antiestatal. Atacou o governo, reputando-o inepto para dirigir uma simples estrada de ferro, mas, apesar disso, queria normatizar todas as atividades econômicas, acabando por 'transformar a complexíssima economia da nação numa vasta Central do Brasil'. Desanimado, desabafou: 'Os nossos estadistas dos últimos tempos positivamente pensam com outros órgãos que não o cérebro - com o calcanhar, com o cotovelo, com certos penduricalhos -, raramente com os miolos'.

Na defesa do petróleo, fez questão de não ser confundido com um chauvinista. Ao contrário, reconheceu a necessidade de contar com a colaboração das empresas estrangeiras e de suas técnicas, pois 'nada faremos de positivo, se teimarmos em afastar o estrangeiro e ficarmos a mexer na terra com as nossas colheres de pau'. A questão central era manter o controle nacional do subsolo explorado pela iniciativa privada em associação com empresas estrangeiras, sem a participação estatal na esfera da produção.

Mesmo com o Estado Novo, Lobato continuou a fazer críticas à política governamental. Em maio de 1940, quando a França estava sendo conquistada pela Alemanha nazista, escreveu longa carta ao ditador Getúlio Vargas. Atacou o CNP e pediu a Vargas que, 'pelo amor de Deus, ponha de lado a sua displicência e ouça a voz de Jeremias', pois 'se vai generalizando a opinião de que a política oficial obedece, mais do que nunca, aos interesses do imperialismo da Standard Oil'. Segundo Lobato, 'para o CNP as palavras pátria e nacionalismo dançam um foxtrote no palco dos considerados justificatórios - mas no fim da dança só saem ganhando as companhias estrangeiras que nos vendem petróleo'.

Meses depois, o governo deteve Lobato e o condenou a seis meses de prisão. Foi indultado, mas mesmo na prisão não perdeu a oportunidade de escrever uma carta ao general Horta Barbosa, seu velho inimigo: 'Passei nessa prisão, general, dias inolvidáveis, dos quais sempre me lembrarei com a maior saudade. Tive ensejo de observar que a maioria dos detentos é gente de alma muito mais limpa e nobre do que muita gente de alto bordo que anda solta'.

O combatente estava esgotado. Tinha tentado criar várias empresas para explorar petróleo, mas sempre esbarrou na burocracia governamental e nos interesses estrangeiros. Usou até da literatura para divulgar para as crianças a sua luta, como no O poço do Visconde (1937). Mas o pensamento oficial dominante é de que não havia petróleo no Brasil - os mais otimistas diziam que o que poderia ser encontrado não justificaria a exploração econômica. Lembra Galeão Coutinho que Lobato foi o primeiro escritor brasileiro que não sentiu vergonha de ser um homem de negócios, afastando-se do padrão do intelectual que vive à sombra do Estado. Pouco antes de morrer, escreveu que tinha passado a 'vida querendo fazer dinheiro com a indústria para escrever por distração. Acabei ganhando dinheiro com a literatura para perdê-lo na indústria'.

Em tempos em que um presidiário, organizador do maior desvio de recursos públicos da história, é recordado por parcela da população como o candidato ideal à Presidência da República, é melhor esquecer José Bento Monteiro Lobato.

Por Marco Antonio Villa, no Correio Braziliense

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