sexta-feira, 6 de julho de 2018

A Lava-Jato alcança as multinacionais


O clube do pregão

Gigantes estrangeiras são alvo de ação contra cartel que desviou ao menos R$ 600 milhões
'Clube do pregão', que reunia as multinacionais Philips e Johnson & Johnson e servidores, manipulava licitações e distribuía propinas de até 40% do valor das vendas de insumos

A investigação de fraudes em contratos para a compra de insumos para o Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia (Into), de 1996 a 2017, revelou a participação no esquema de dois dos mais conhecidos conglomerados empresariais do mundo: Philips e Jonhson & Jonhson. O valor dos contratos é de R$ 1,5 bilhão, dos quais R$ 600 milhões são considerados dano aos cofres públicos. As multinacionais integravam o 'clube do pregão internacional' que, com servidores, manipulava licitações e distribuía propinas de até 40% do valor dos contratos. Ontem, na Operação Ressonância, a PF prendeu 20 acusados, entre os quais Daurio Speranzini, ex-diretor da Philips e hoje CEO da General Eletcric para a América Latina. A GE não foi alvo da operação. O diretor do Into, André Loyelo, também está preso. Philips e Jonhson & Jonhson disseram que estão colaborando com as autoridades. Testemunhachave da investigação, o exexecutivo da Philips do Brasil José Masiero Filho disse que o esquema era escancarado. Dois dos conglomerados empresariais mais famosos do mundo foram trazidos para o centro do esquema de corrupção investigado pela força-tarefa da Lava-Jato no Rio. Philips e Johnson & Johnson estão entre as multinacionais da área de insumos médicos atingidas pela Operação Ressonância, deflagrada ontem. Os investigadores apuram fraudes em contratos para a compra de insumos para o Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia (Into), entre 1996 e 2017. No total, o cartel internacional movimentou R$ 1,5 bilhão, dos quais pelo menos R$ 600 milhões são considerados danosos aos cofres públicos.


As multinacionais do setor compunham o 'clube do pregão internacional', segundo as investigações. As fraudes funcionavam com manipulação de produtos licitados para o Into, com direcionamento para fornecedores específicos e participantes do esquema. Se empresas idôneas se inscrevessem para concorrer, eram formulados pareceres para desclassificá-las, com assinaturas de funcionários do Into.

Segundo o MPF, os desvios no Into continuaram mesmo depois da Operação Fatura Exposta, de abril de 2017. Agentes da Polícia Federal cumpriram ontem mandados de prisão preventiva ou temporária contra 20 acusados. Entre os presos está Daurio Speranzini Jr, ex-diretor da Philips e hoje CEO da General Electric (GE) na América Latina. A GE não foi alvo da operação.

O diretor do Into, André Loyelo, também é um dos presos. Ermano Marchetti Moraes, administrador da Dräger, e Gaetano Signorini, diretor comercial da Oscar Iskin, não foram encontrados. Eles estariam no exterior e são considerados foragidos. Os procuradores pediram também a prisão temporária do ex-secretário de Saúde do Rio, Sérgio Côrtes, mas o pedido foi negado pelo juiz Marcelo Bretas, titular da 7ª Vara Federal Criminal do Rio. Côrtes, porém, foi alvo de um mandado de busca e apreensão em seu apartamento na Lagoa.


MAIS MESAS CIRÚRGICAS DO QUE SALAS

Os procuradores da Lava-Jato sustentam que o empresário Miguel Iskin - que foi alvo de um mandado de prisão - comandava o cartel de empresas da área da saúde. O objetivo era controlar o fornecimento de insumos médicos para o Into.

O empresário recebia propinas por intermediar as licitações, cobrando valores que podiam chegar a 40% dos contratos a título de comissão. Segundo a procuradora da República Marisa Varotto Ferrari, foi a atuação de Iskin, conhecido como Xerife, que possibilitou a continuidade das fraudes. Uma vistoria feita no Into pelos órgãos de controle envolvidos na investigação constatou que as compras não atenderam ao interesse público. Além do MPF, participaram das investigações a Controladoria-Geral da União (CGU), o Tribunal de Contas da União (TCU), a Receita Federal e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).

Na operação Fatura Exposta, o MP apurou que Iskin chegou a pagar R$ 450 mil de mesada ao exgovernador Sérgio Cabral, que está preso. O MPF sustenta que Iskin é o 'grande corruptor' da área de saúde do Estado do Rio também no período da administração Cabral.

- Havia um excesso de equipamentos comprados que não eram utilizados. A CGU constatou que foram adquiridas mais mesas cirúrgicas do que salas de cirurgia do Into. E cada mesa dessas precisa de um kit instrumental com valor altíssimo - relatou a procuradora da República. - Isso permite visualizar como a corrupção afeta as escolhas públicas e prejudica diretamente a população.

Os valores desviados pela quadrilha, porém, podem ser ainda maiores do que os R$ 600 milhões estimados. Auditoria do TCU em nove licitações feitas no período dá a extensão do problema. Em todas elas - que movimentaram R$ 180 milhões - foram encontradas irregularidades. Os valores desviados chegariam a R$ 85 milhões, ou 47,2% do total dos contratos. Como as licitações no Into eram feitas com o modelo de pregão, outros órgãos públicos puderam aderir às licitações, maximizando o lucro das quadrilhas. É o que explica o procurador da República Felipe Bogado:

- O prejuízo pode ser muito maior que o estimado porque a Oscar Iskin recebia comissão não só nos contratos (no Into), mas toda vez que um órgão público aderia aos pregões.

Procurada, a Philips afirmou que 'ainda não teve acesso ao processo, no entanto, está cooperando com as autoridades para prestar esclarecimentos quanto às alegações, que datam de muitos anos atrás'. Segundo a empresa, 'os atuais líderes executivos da Philips não são parte da ação da Polícia Federal; um colaborador da equipe de vendas da Philips foi conduzido para prestar esclarecimentos'. A Philips afirma ainda que faz negócios de acordo com todas as leis, regras e regulamentos aplicáveis: 'Quaisquer investigações sobre possíveis violações dessas leis são tratadas muito seriamente pela empresa'.

A Johnson & Johnson disse que 'segue rigorosamente as leis do país e está colaborando integralmente com as investigações em andamento'. Ao G1, a defesa de Miguel Iskin alegou que a ação é 'uma repetição da operação anterior, na qual a prisão preventiva do empresário foi afastada pelo Supremo Tribunal Federal'. A Maquet , citada pela força-tarefa, negou que seja alvo da investigação e colabora com autoridades. As empresas Dräger e Stryker do Brasil não se manifestaram.
Por CHICO OTAVIO, DANIEL BIASETTO E IGOR MELLO, em O Globo



Teatro completo