quarta-feira, 27 de maio de 2020

ENTREVISTA - Carlos Wizard: Exercício de humildade



Bilionário se afastou do Grupo Sforza para se dedicar ao trabalho humanitário. O que ele ganhou com isso?

Nos últimos dois anos, o empresário Carlos Wizard Martins e sua mulher, Vânia, ajudaram 12.000 refugiados venezuelanos a se estabelecer no Brasil. Wizard deixou sua casa em Campinas, no interior paulista, a família e o comando do Grupo Sforza, holding que reúne suas 20 empresas, para se lançar em uma missão humanitária em Roraima. Todos os dias, ele acompanhava grupos de refugiados até o aeroporto de Boa Vista, a capital, e implorava por um lugar em algum voo rumo às regiões Sul e Sudeste, onde empresas e igrejas estariam prontas para acolhê-los.

Dono de uma fortuna estimada em mais de 2 bilhões de reais, o empresário afirma que a experiência foi um exercício de humildade. Acostumado a frequentar filas exclusivas, salas VIP e a ter sua bagagem carregada nos aeroportos, Wizard viveu a experiência de ir para o final da fila e ter de pedir por favor para embarcar em um voo. Sua saga com os venezuelanos transformou-se no livro Meu Maior Empreendimento, recém-lançado pela editora Buzz, cujas vendas serão revertidas para a construção de um hospital infantil na capital roraimense — Wizard vai dobrar o valor arrecadado.

No mundo dos negócios, Wizard diz esperar empresas mais humanas após a atual pandemia e que tanto ganhou quanto perdeu com a crise do coronavírus. Por um lado, suas redes de fast-food estão sofrendo com a quarentena, que obrigou o fechamento de metade das lojas. Por outro, na área de educação, a demanda por cursos online vem crescendo exponencialmente. A Wise Up, escola de inglês que controla com o sócio Flavio Augusto da Silva, tem matriculado cerca de 1.000 alunos por dia. De Campinas, pelo aplicativo Zoom, Wizard deu a seguinte entrevista à EXAME.

Em seu novo livro, o senhor diz tratar de seu maior empreendimento. Qual é?

Dois anos atrás, minha mulher e eu saímos de Campinas [no interior de São Paulo], deixando seis filhos, 18 netos, 20 empresas e o conforto de nossa casa para acolher refugiados venezuelanos em Roraima. Conduzimos um programa de interiorização dessas pessoas, que foram levadas para Rio Grande do Sul, Paraná e outros estados das regiões Sul e Sudeste. Os mais de 12.000 refugiados que ajudamos foram acolhidos por empresas, pela sociedade civil e por instituições religiosas. O transporte foi realizado a custo zero graças a um acordo que fizemos com as companhias aéreas, que disponibilizaram assentos vazios. Todo dia eu ia para o aeroporto com o pessoal. Se houvesse lugares vagos, eles embarcavam. Caso contrário, voltavam no dia seguinte.

Esse era seu trabalho: encaminhar os refugiados para o aeroporto?

Era parte de minha rotina. Às vezes havia cinco vagas, às vezes dez e às vezes nenhuma.

Quais ensinamentos o senhor tira dessa experiência?

Esse período em Roraima foi um grande exercício de humildade. No mundo corporativo, quando eu fazia viagens internacionais, para a China ou para Dubai, por exemplo, chegava ao aeroporto e já havia pessoas da companhia aérea me esperando. Assim que me reconheciam, elas me levavam para a frente da fila, carregavam minha bagagem e me acompanhavam até a sala VIP. Com os refugiados era o contrário. Eu ficava no final da fila, esperava todo mundo embarcar, aguardava encerrar a lista de espera e, então, mendigava um lugar vago. Voltei para casa mais engrandecido. Aquelas pessoas não estavam ali por opção. O país delas havia colapsado.

Seus outros livros falam de sua vida empreendedora e de como criar riqueza. Essa experiência com os refugiados em Roraima trouxe mais equilíbrio para sua vida de empresário?

Com certeza essa experiência me deu mais equilíbrio e desenvolveu meu lado comunitário. No mundo empresarial, estamos voltados para o faturamento e para o lucro dos negócios. Tudo é muito racional. Quando você se despe dessa armadura corporativa, está olhando para um ser humano, independentemente das circunstâncias. Em Roraima, tínhamos muitas agências humanitárias e igrejas. No entanto, ali, ninguém estava defendendo uma bandeira. A fraternidade nos motivava.

As empresas deveriam olhar não só para o lucro e olhar mais para o ser humano?

Eu espero que, depois desta pandemia, as empresas possam se reinventar, se redefinir e valorizar muito mais o ser humano. Sem pessoas, não existem empresas.

O empresário que passa na frente dos outros na fila do aeroporto, no entanto, é considerado mais bem-sucedido do que o que ajuda os refugiados em Roraima.Precisamos rever o conceito de sucesso?

Vivenciamos um momento importante de redefinição de valores, que inclui o conceito de sucesso. Isso passa pela valorização do próximo, seja colaborador, seja cliente ou qualquer outra pessoa, e da humanidade em geral. Espero que esse seja outro efeito colateral positivo de toda a crise de saúde pela qual passamos.

De que forma sua experiência em Roraima vai se refletir na gestão de suas empresas?

Um dos diferenciais de nosso grupo empresarial é realizar um encontro toda segunda-feira, às 8 horas. No auditório cantamos o Hino Nacional, o hino da empresa, felicitamos os aniversariantes, as grávidas, as novas mães e encerramos com um café da manhã. Ninguém se atrasa. É uma questão de valorizar e agir dessa forma naturalmente. Não é só um cartaz com os valores da empresa, isso ocorre na prática. Toda segunda-feira, eu estou lá dando o meu bom dia. Tenho uma formação religiosa, sou membro da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias. Essa base me ajuda no mundo corporativo. A fé é uma forma de tratar bem o semelhante.

Como incluir a própria fé no mundo corporativo sem que ela interfira na liberdade de escolha dos empregados?

Deve-se ter respeito pela fé e pela convicção de cada colaborador, seja ele cristão, judeu, budista, muçulmano ou ateu. E jamais usar sua instituição como um elemento de proselitismo. Não cabe a uma empresa ou instituição fazer qualquer trabalho de conversão ou convencimento. Cabe apenas respeitar. Na essência, toda religião trata de amar a Deus e fazer o bem para o próximo.

Falta maior participação da sociedade civil, especialmente dos empresários, no desenvolvimento do país?

Sofremos há décadas com uma cultura de dependência do Estado, o que acaba bloqueando a iniciativa da sociedade civil. Quando a pessoa fica esperando que o governo ofereça saúde, segurança, benefícios e todas as condições de estabilidade, é como se ela transferisse a própria responsabilidade para o Estado. Um sistema desses se aproxima muito de culturas assistencialistas, provoca dependência e não distribui adequadamente a riqueza gerada no país. Nivela por baixo, todo mundo fica com um pouquinho. Já na livre-iniciativa não há limite.

Por outro lado, a crise do coronavírus mostrou a importância de um sistema público de saúde…

Sem dúvida. A saúde deve ser prioridade para qualquer sistema de governo.

Vivemos uma crise de liderança na política e no empresariado?

Lamentavelmente, estamos vendo um vácuo de liderança. O que vemos, com raras exceções, são governantes preocupados com a próxima eleição. Estadistas com verdadeiro compromisso com o povo, mundialmente, são raros.

E como criar líderes voltados para o coletivo?

Em primeiro lugar, com educação. É preciso, também, uma disposição de todos os políticos para entender que aquela posição que ocupam é apenas de um servidor. Eles não merecem ter benefícios que não estejam disponíveis aos demais trabalhadores. Temos de nos espelhar em culturas da Europa, nas quais os políticos têm seu emprego e doam seu tempo à política. Esse é um espírito de servidão. Porém, no Brasil, buscam-se mais benefícios para a classe política. Não é culpa do presidente, é um sistema que vem assim há décadas. Precisamos de uma reforma política, mas quem vai aprová-la?

O senhor se filiou ao PSDB recentemente. A política está em seus planos?

Não tenho pretensão política. Já recebi convite para concorrer a todos os cargos lá de Roraima. Havia gente que, ao ver meu desempenho nas funções humanitárias, dizia que eu fazia aquilo para me eleger num estado pobre. O João Doria [governador de São Paulo] me convidou para ser candidato à prefeitura de Campinas. Agradeci o convite a ele, que é meu amigo, mas expliquei que, hoje, minha missão está voltada para causas sociais. Gastei dois anos de minha vida em Roraima sem nenhuma intenção de me candidatar.

A crise do coronavírus impulsionou a filantropia, porém as doações no Brasil ainda são pequenas. Falta solidariedade à elite brasileira?

Nunca vimos tantas ações sociais, comunitárias e beneficentes. O coronavírus não discrimina ninguém. Ataca tanto a pessoa instruída quanto a analfabeta. A sociedade ficou nivelada, todos estão sujeitos à contaminação. Isso desperta um olhar diferente. Mas não podemos perder de vista um aspecto que é o fato de a cultura americana incentivar, valorizar e estimular a filantropia por meio de benefícios fiscais. No Brasil, cada real doado é tributado. Não estou fazendo uma crítica, apenas constatando que a caridade americana, na verdade, é uma troca. Em vez de depositar em Washington, para Donald Trump, o bilionário deposita na ONG, na universidade ou na igreja. Vale ressaltar que, por aqui, temos um dos maiores filantropos do mundo, que é o Elie Horn [fundador da incorporadora Cyrela].

No início da pandemia, alguns empresários foram contra a quarentena, afirmando que as perdas humanas seriam inevitáveis e, por isso, era importante não prejudicar a economia. Como o senhor avalia a atuação do empresariado na crise?

Não é questão de colocar a vida à frente da economia, ou vice-versa. Vivemos em um país continental. Temos mais de 5.000 municípios. Não faz sentido Brasília, ou quem quer que seja, fechar escola, indústria e comércio onde não existem casos. Não podemos perder a referência. Precisamos analisar caso por caso, não pode ser linear, com uma regra única do Oiapoque ao Chuí.

Países que demoraram a estabelecer a quarentena, como os Estados Unidos, estão vivenciando crises mais severas do que os que tomaram medidas antecipadamente, como a Alemanha…

Há países que não decretaram quarentena ou lockdown e que não demonstraram maiores índices de morte. Perder uma vida é grave, porém não foi a quarentena que diminuiu o número de mortos.

Em um artigo recente, o senhor comparou a crise do coronavírus a uma guerra. O Brasil já ultrapassou 15.000 mortos pela covid-19. É possível estabelecer um número aceitável de mortes que justifique abrir a economia?

Nenhuma morte é aceitável. O que existe é a realidade. Nesse sentido, o número de mortes é baixíssimo no Brasil, percentualmente, em relação à população de qualquer país, seja da Itália, seja da Espanha, seja da China. Não quero morrer e não quero que ninguém morra. Mas é a natureza.

Qual é sua expectativa em relação ao pós-pandemia e às suas empresas?

Meus negócios estão divididos em duas áreas. No caso da rede Mundo Verde e das redes de fast-food [Pizza Hut, KFC e Taco Bell], estou sendo prejudicado. As lojas em shopping centers, que representam aproximadamente metade da rede, estão fechadas no momento. As de rua funcionam apenas no modelo delivery. O faturamento caiu bastante. Já na Wise Up, de escolas de inglês, matriculamos mais de 1.000 alunos por dia. Nunca tivemos tantas matrículas quanto agora. As pessoas estão em casa, porém continuam com a necessidade de criar diferenciais na carreira, por isso estão buscando cursos. O inglês online é uma boa alternativa também pelo fato de ter um custo mais acessível do que o curso presencial.

A área de educação está sendo beneficiada pela pandemia, então…

Lançamos o modelo online no ano passado. Claro que ninguém sabia da pandemia, mas é o que está segurando a operação.

A Wise Up pode se transformar numa escola totalmente online no futuro?

Nesta semana falei com meu sócio, Flavio Augusto, e nossa previsão é que, após a crise, o interesse pelo modelo online continue. Mas não vai substituir totalmente o presencial.

Por Rodrigo Caetano, na Revista Exame



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