“O mundo vai ser mais paranóico”
Aos 61 anos, o pernambucano Luiz Felipe Pondé é um dos mais respeitados filósofos contemporâneos brasileiros. Escritor e comentarista em diversos canais de mídia, o que fala reverbera. Neste momento em que aumenta consideravelmente o número de mortos no Brasil decorrentes da Covid-19, Pondé aborda com a DINHEIRO temas como inteligência emocional, a liberdade do ser humano, ausências de coisas simples do cotidiano e de como observa o pós-pandemia. “O mundo vai ser mais paranoico”, diz. Quando o assunto é presidente Jair Bolsonaro, sua língua é ferina. Mostra toda sua indignação do que chama de um “governo delinquente”.
DINHEIRO –É o momento de criar alternativas, de se reinventar?
Luiz Felipe Pondé – É o que acontece em grandes crises. Estávamos desde a Guerra Fria achando que o mundo era um parque temático. Com a pandemia, sofremos mas ao mesmo tempo nos mexemos, inventamos coisas. Estou louco para que acabe o afastamento radical. Sinto falta das aulas presenciais, que são muito melhores, alunos perto, numa realidade de fato. E sinto falta de viajar a trabalho. Quando morei fora sempre senti falta dessa característica do brasileiro, de estar próximo.
Com metade do mundo em casa, a inteligência emocional, que já era fator importante para sucesso e felicidade das pessoas, torna-se mais fundamental agora?
Sem dúvida. Quem não tem inteligência emocional e social, quem tem recursos psicológicos e emocionais precários, inclusive de ambiente de isolamento, sozinho ou com a família, tem de ter jogo de cintura. Eu saio para (ir ao trabalho como comentarista) às televisões, o que tem se transformado em grandes momentos de prazer, conversar com pessoas da redação, dar risada juntos. A capacidade de não exigir muito de você mesmo, perceber os limites do outro e perceber seus próprios limites é importante.
Dar mais valor às pequenas coisas do cotidiano, como tomar um café com um amigo, faz bem para nós?
Faz bem saber que sentimos falta disso. Quem está gostando da quarentena precisa procurar ajuda profissional, porque ficar limitado em seu movimento não é normal. Ficar isolado tem seus efeitos colaterais. As pessoas ficam mais ansiosas. Saiu artigo no The New York Times, reproduzido nos jornais brasileiros, que provavelmente as pessoas sairão da quarentena com a pandemia ainda em alta. Chega uma hora que as pessoas não aguentam mais e corre-se o risco.
O ser humano sempre viveu livre, certo?
Desenvolvemos em ambiente aberto. A maior parte da história da humanidade foi na pré-história. Então somos uma espécie que cresceu em espaço aberto. Continuamos assim. Ficar fechado gera ansiedade. Tem muita gente com medo de uma ameaça contínua, porque o inimigo é invisível. Essa epidemia se espalhou muito rápido e atingiu estratos sociais muito altos no começo e criou pânico total. No Brasil, sempre morreu muita gente na saúde pública. Mas como o vírus entrou pelos bairros ricos que hoje estão se livrando da epidemia, gerou pânico e houve saturação de notícias, de números, sentimento de instabilidade… Isso causa sensação de descontrole. Estávamos acostumados a controlar tudo nas últimas décadas. Tem muita gente paranoica. A mídia tem de relatar, inclusive no sentido pedagógico. Mas está batendo no limite.
Corre-se o risco de termos uma sociedade psicologicamente doente depois da pandemia?
Já temos outros problemas vindo à tona, como mais mulheres apanhando em casa, mais briga de casal, mais brigas de filhos. Os pais não sabem mais o que fazer com as crianças. Sem dúvida o risco de estressamento gera epidemia comportamental.
Temos mudado como sociedade, usando mais a tecnologia, com adaptações de processos. Teremos esse novo normal que muitos pregam?
O novo normal vai ser mais pobreza, mais intervenção do Estado, mais gasto público, desequilíbrio fiscal. Com relação à tecnologia, muitas empresas já usavam muito home office e tende a crescer. Educação a distância também. O mundo vai ser mais paranoico. Tem alguns riquinhos que ficam dizendo que o novo normal vai ser consumir só saúde, conhecimento e solidariedade. Isso é babaquice. Você olha para a história das epidemias, a maior parte das pessoas fica pior, mais exploradora, mais desesperada. Os governos tomam atitudes mais radicais e violentas. O novo normal pode ser pior.
O abismo social pode piorar?
É possível que tenhamos abismo social mais claro e aumentado. Quando há empobrecimento, alguns mantêm o nível de vida, mas muitos caem abaixo do nível que vivia. Aí o consumo cai, o emprego cai. A economia não é estática, é dinâmica. O Brasil é o país mais rico da América Latina, mas tem grau de miséria muito grande. A dificuldade de integrar a preocupação entre os serviços de saúde e a economia é um problema grave. Chegamos num ponto de grau de risco maior de contaminação, mas com as pessoas voltando ao trabalho. Ainda mais com um governo federal delinquente como temos. Também estamos atravessando uma tempestade política. Isso afeta todo o País. No meio de uma pandemia o Bolsonaro vai revelando sua qualidade delinquente, que muitos de nós já sabíamos, mas muitos fingiam não saber.
Vemos o segundo ministro da Saúde cair diante de uma crise sanitária complexa. Falta liderança no País?
Sem dúvida. Se tivéssemos um presidente como FHC ou Lula, a situação estaria diferente agora. A Dilma (Rousseff) também era uma incapaz. Brasil é país centralizado. É república federativa falsa, porque tudo depende de Brasília. O governo federal arrecada quase todos os impostos. E agora dependemos de estados e municípios, que têm pouca autonomia, mas estão pegando a bucha pela frente. O presidente Bolsonaro deveria ser processado pela irresponsabilidade na Saúde. Temos um governo acéfalo. Temos um rei louco. O País tem um cérebro louco no gerenciamento, seguido por 25% ou 30% da população que são loucos como ele. Ele está dependendo dos truques com o centrão [dentro da Câmara]. Mas se a maré virar, o centrão larga e podemos avançar em um processo de impeachment. Está por um triz. Ele tenta se encostar nas Forças Armadas, que têm de se cuidar para não se melar com o Bolsonaro, que é um Titanic afundando.
E o ministro da Economia, Paulo Guedes, não era para ter maior protagonismo neste momento?
A impressão que dá é a de que ele acabou também. Acho necessária a busca por equilíbrio fiscal. Atualmente, quando a economia tende a pender mais para o Keynes (maior intervenção do Estado para impulsionar os investimentos) do que para o Hayek (defensor do ultraliberalismo), o Guedes parece mais perdido do que cego em tiroteio. Não adianta ficar gritando para os empresários pegarem pesado com o Estado de São Paulo, porque as empresas têm gente, gente que morre e que tem medo. Se as pessoas morrem demais, começam a não querer trabalhar. Temos equação complicada. Acredito que o momento Guedes de Chicago que a gente conhece passou. Pode voltar, mas acho difícil, porque teremos pobreza grande, o gasto do governo vai ser grande.
Dá para dizer que vamos sair melhor da pandemia como sociedade?
Não acredito. As pessoas que me conhecem sabem que não sou voltado para autoajuda motivacional, acho tudo uma picaretagem quando é voltada para o pensamento público. Tenho a esperança de que esse trauma melhore um pouco o serviço de saúde. Deveria haver uma carreira médica como existe a carreira jurídica. É a única forma de revolver o problema de saúde no País, criando serviço público que pague bem os médicos, que queiram ir morar no Amapá, porque lá tem emprego e vão receber bem, galgar postos ais altos. Como existe no Poder Judiciário, no Ministério Público. Estou fazendo uma analogia. No meu sonho, o ideal seria melhorar o cuidado primário na saúde. A medicina do Brasil tem de ser grande parte socializada para os médicos terem bons salários, vida segura, e estimular a saída dos grandes centros, sem serem sacerdotes. Porque médico que vai para a saúde pública hoje é porque ou é muito fraco em ternos de carreira ou tem vocação sacerdotal. E as duas formas não garantem nenhuma saúde em escala. As catástrofes nos ensinam as tecnologias e nos ensinam a resolver problemas com técnica a gestão. Podemos aprender ainda. No Brasil, o passivo é muito grande em responsabilidade social, em política, em gestão da saúde e da educação. É impressionante como Bolsonaro conseguiu fazer governo pior do que da Dilma.
Aos 61 anos, o pernambucano Luiz Felipe Pondé é um dos mais respeitados filósofos contemporâneos brasileiros. Escritor e comentarista em diversos canais de mídia, o que fala reverbera. Neste momento em que aumenta consideravelmente o número de mortos no Brasil decorrentes da Covid-19, Pondé aborda com a DINHEIRO temas como inteligência emocional, a liberdade do ser humano, ausências de coisas simples do cotidiano e de como observa o pós-pandemia. “O mundo vai ser mais paranoico”, diz. Quando o assunto é presidente Jair Bolsonaro, sua língua é ferina. Mostra toda sua indignação do que chama de um “governo delinquente”.
DINHEIRO –É o momento de criar alternativas, de se reinventar?
Luiz Felipe Pondé – É o que acontece em grandes crises. Estávamos desde a Guerra Fria achando que o mundo era um parque temático. Com a pandemia, sofremos mas ao mesmo tempo nos mexemos, inventamos coisas. Estou louco para que acabe o afastamento radical. Sinto falta das aulas presenciais, que são muito melhores, alunos perto, numa realidade de fato. E sinto falta de viajar a trabalho. Quando morei fora sempre senti falta dessa característica do brasileiro, de estar próximo.
Com metade do mundo em casa, a inteligência emocional, que já era fator importante para sucesso e felicidade das pessoas, torna-se mais fundamental agora?
Sem dúvida. Quem não tem inteligência emocional e social, quem tem recursos psicológicos e emocionais precários, inclusive de ambiente de isolamento, sozinho ou com a família, tem de ter jogo de cintura. Eu saio para (ir ao trabalho como comentarista) às televisões, o que tem se transformado em grandes momentos de prazer, conversar com pessoas da redação, dar risada juntos. A capacidade de não exigir muito de você mesmo, perceber os limites do outro e perceber seus próprios limites é importante.
Dar mais valor às pequenas coisas do cotidiano, como tomar um café com um amigo, faz bem para nós?
Faz bem saber que sentimos falta disso. Quem está gostando da quarentena precisa procurar ajuda profissional, porque ficar limitado em seu movimento não é normal. Ficar isolado tem seus efeitos colaterais. As pessoas ficam mais ansiosas. Saiu artigo no The New York Times, reproduzido nos jornais brasileiros, que provavelmente as pessoas sairão da quarentena com a pandemia ainda em alta. Chega uma hora que as pessoas não aguentam mais e corre-se o risco.
O ser humano sempre viveu livre, certo?
Desenvolvemos em ambiente aberto. A maior parte da história da humanidade foi na pré-história. Então somos uma espécie que cresceu em espaço aberto. Continuamos assim. Ficar fechado gera ansiedade. Tem muita gente com medo de uma ameaça contínua, porque o inimigo é invisível. Essa epidemia se espalhou muito rápido e atingiu estratos sociais muito altos no começo e criou pânico total. No Brasil, sempre morreu muita gente na saúde pública. Mas como o vírus entrou pelos bairros ricos que hoje estão se livrando da epidemia, gerou pânico e houve saturação de notícias, de números, sentimento de instabilidade… Isso causa sensação de descontrole. Estávamos acostumados a controlar tudo nas últimas décadas. Tem muita gente paranoica. A mídia tem de relatar, inclusive no sentido pedagógico. Mas está batendo no limite.
Corre-se o risco de termos uma sociedade psicologicamente doente depois da pandemia?
Já temos outros problemas vindo à tona, como mais mulheres apanhando em casa, mais briga de casal, mais brigas de filhos. Os pais não sabem mais o que fazer com as crianças. Sem dúvida o risco de estressamento gera epidemia comportamental.
Temos mudado como sociedade, usando mais a tecnologia, com adaptações de processos. Teremos esse novo normal que muitos pregam?
O novo normal vai ser mais pobreza, mais intervenção do Estado, mais gasto público, desequilíbrio fiscal. Com relação à tecnologia, muitas empresas já usavam muito home office e tende a crescer. Educação a distância também. O mundo vai ser mais paranoico. Tem alguns riquinhos que ficam dizendo que o novo normal vai ser consumir só saúde, conhecimento e solidariedade. Isso é babaquice. Você olha para a história das epidemias, a maior parte das pessoas fica pior, mais exploradora, mais desesperada. Os governos tomam atitudes mais radicais e violentas. O novo normal pode ser pior.
O abismo social pode piorar?
É possível que tenhamos abismo social mais claro e aumentado. Quando há empobrecimento, alguns mantêm o nível de vida, mas muitos caem abaixo do nível que vivia. Aí o consumo cai, o emprego cai. A economia não é estática, é dinâmica. O Brasil é o país mais rico da América Latina, mas tem grau de miséria muito grande. A dificuldade de integrar a preocupação entre os serviços de saúde e a economia é um problema grave. Chegamos num ponto de grau de risco maior de contaminação, mas com as pessoas voltando ao trabalho. Ainda mais com um governo federal delinquente como temos. Também estamos atravessando uma tempestade política. Isso afeta todo o País. No meio de uma pandemia o Bolsonaro vai revelando sua qualidade delinquente, que muitos de nós já sabíamos, mas muitos fingiam não saber.
Vemos o segundo ministro da Saúde cair diante de uma crise sanitária complexa. Falta liderança no País?
Sem dúvida. Se tivéssemos um presidente como FHC ou Lula, a situação estaria diferente agora. A Dilma (Rousseff) também era uma incapaz. Brasil é país centralizado. É república federativa falsa, porque tudo depende de Brasília. O governo federal arrecada quase todos os impostos. E agora dependemos de estados e municípios, que têm pouca autonomia, mas estão pegando a bucha pela frente. O presidente Bolsonaro deveria ser processado pela irresponsabilidade na Saúde. Temos um governo acéfalo. Temos um rei louco. O País tem um cérebro louco no gerenciamento, seguido por 25% ou 30% da população que são loucos como ele. Ele está dependendo dos truques com o centrão [dentro da Câmara]. Mas se a maré virar, o centrão larga e podemos avançar em um processo de impeachment. Está por um triz. Ele tenta se encostar nas Forças Armadas, que têm de se cuidar para não se melar com o Bolsonaro, que é um Titanic afundando.
E o ministro da Economia, Paulo Guedes, não era para ter maior protagonismo neste momento?
A impressão que dá é a de que ele acabou também. Acho necessária a busca por equilíbrio fiscal. Atualmente, quando a economia tende a pender mais para o Keynes (maior intervenção do Estado para impulsionar os investimentos) do que para o Hayek (defensor do ultraliberalismo), o Guedes parece mais perdido do que cego em tiroteio. Não adianta ficar gritando para os empresários pegarem pesado com o Estado de São Paulo, porque as empresas têm gente, gente que morre e que tem medo. Se as pessoas morrem demais, começam a não querer trabalhar. Temos equação complicada. Acredito que o momento Guedes de Chicago que a gente conhece passou. Pode voltar, mas acho difícil, porque teremos pobreza grande, o gasto do governo vai ser grande.
Dá para dizer que vamos sair melhor da pandemia como sociedade?
Não acredito. As pessoas que me conhecem sabem que não sou voltado para autoajuda motivacional, acho tudo uma picaretagem quando é voltada para o pensamento público. Tenho a esperança de que esse trauma melhore um pouco o serviço de saúde. Deveria haver uma carreira médica como existe a carreira jurídica. É a única forma de revolver o problema de saúde no País, criando serviço público que pague bem os médicos, que queiram ir morar no Amapá, porque lá tem emprego e vão receber bem, galgar postos ais altos. Como existe no Poder Judiciário, no Ministério Público. Estou fazendo uma analogia. No meu sonho, o ideal seria melhorar o cuidado primário na saúde. A medicina do Brasil tem de ser grande parte socializada para os médicos terem bons salários, vida segura, e estimular a saída dos grandes centros, sem serem sacerdotes. Porque médico que vai para a saúde pública hoje é porque ou é muito fraco em ternos de carreira ou tem vocação sacerdotal. E as duas formas não garantem nenhuma saúde em escala. As catástrofes nos ensinam as tecnologias e nos ensinam a resolver problemas com técnica a gestão. Podemos aprender ainda. No Brasil, o passivo é muito grande em responsabilidade social, em política, em gestão da saúde e da educação. É impressionante como Bolsonaro conseguiu fazer governo pior do que da Dilma.
Por Beto Silva, na Revista Isto É Dinheiro
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