terça-feira, 4 de dezembro de 2007

Quando a desgraça é inevitável

Estudo recente publicado pela Fundação Getúlio Vargas e coordenado pelo economista Marcelo Néri apresenta uma conclusão inconteste: a maioria absoluta dos consumidores de drogas brasileiros faz parte dos seletos extratos das classes média e alta.

Os resultados dos estudos foram obtidos através do cruzamento dos dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares do IBGE.

Nada menos que 70% dos usuários de drogas compõem famílias com renda mensal superior a seis mil reais. Importa ressaltar que este é um universo que encerra menos que ¼ da população brasileira.

Outras duas informações relativas aos consumidores de drogas merecem especial atenção.

A primeira é que quase a metade, precisamente 43% possuem cartão de crédito. Uma quantidade surpreendente considerando que, no conjunto da população, apenas 17% dos brasileiros têm condições de acessar essa modalidade de manejo de crédito.

A segunda não é menos surpreendente. Enquanto o sistema bancário só destina cheque especial para 12% da população, dentre os usuários de drogas este índice chega ao patamar de 35%.

Pouco tempo atrás a polícia prendeu uma quadrilha de oito jovens. Distribuíam drogas em colégios particulares e instituições de ensino superior. A polícia classifica o bando de “playboys” do tráfico. São todos belos, corados, bem nutridos, estampando nas faces e nas vestes a classe social de onde originam. Um dos traficantes foi preso no instante em que assistia aula na universidade. O trafico não entra mais nas escolas pela porta dos fundos (aqui).

Não é fácil lidar com uma operação dessa envergadura. O setor de inteligência policial demandou cinco meses de investigação, com 16.000 ligações grampeadas.

O episódio que acabo de narrar ocorreu no Rio de Janeiro. Uma semana antes foi a vez da polícia mineira mostrar serviço: prendeu cinco estudantes com 5.000 comprimidos de ecstasy.

Dentre os alunos e a juventude as drogas sintéticas são as mais comercializadas, com o LSD e o ecstasy ocupando o topo de cadeia de preferências.

Um dos grandes obstáculos ao combate eficaz ao tráfico que denomino estudantil, é que os jovens não vêem problema na atividade criminosa. Para eles, está tudo na mais absoluta normalidade. Naquela privilegiada situação expressa pelo ‘se melhorar estraga’. Com longa experiência com essa vertente do crime, o coordenador de repressão a entorpecentes da polícia Federal explica: “Eles acham que não estão fazendo nada de errado, pois não há disputas entre as quadrilhas”.

Todos os estudos e pesquisas enfatizam o grande perigo que está embutido no consumo do LSD e do ecstasy: a associação da droga à festa, ao prazer, à diversão, à música e ao bem estar levam a uma avaliação mais que equivocada, de toda distorcida, a de que os riscos da droga são facilmente administráveis, que as coisas jamais escaparão do controle, o que definitivamente não procede, e os casos pregressos estão todos aí demonstrando.

Também o consumo da maconha e da cocaína bate recordes sucessivos, assustadoramente letais. Um fato que demonstra o descaso das autoridades no tratamento do mega-problema é que o país não produz uma só grama de cocaína.

Como as autoridades não conseguem lidar com os 16.000 quilômetros de fronteira seca, o país tornou-se um importador de peso no cenário internacional, tornou-se entreposto, centro de distribuição de drogas para os EUA e para o continente europeu. Das cem toneladas que, segundo estimativas, ingressam no Brasil – sobretudo através das fronteiras com a Colômbia, Peru e Bolívia – não chega a 10% a quantidade apreendida pela Polícia Federal.

Dentre as causas da tragédia brasileira que agora subverte as escolas, a desarticulação das instituições governamentais responsáveis pelo combate ao tráfico, e a corrupção, já encorpada e endêmica.

Assistir à este deprimente espetáculo sem nada fazer é como vislumbrar a aproximação do maior dos tornados e do mais destrutível tsunami e permanecer imóvel, apático, indiferente. Agindo assim, não restam duvidas, a desgraça será inevitável.

Antônio Carlos dos Santos – criador da metodologia de Planejamento Estratégico Quasar K+ e da tecnologia de produção de teatro popular de bonecos Mané Beiçudo. acs@ueg.br