quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

Escola ou campo de batalha?



O poema “Enjoadinho” de Vinícius de Moraes é uma ode aos nossos filhos.

Filhos... Filhos?
Melhor não tê-los!
Mas se não os temos
Como sabê-los?
Se não os temos
Que de consulta
Quanto silêncio
Como os queremos!
Banho de mar
Diz que é um porrete...
Cônjuge voa
Transpõe o espaço
Engole água
Fica salgada
Se iodifica
Depois, que boa
Que morenaço
Que a esposa fica!
Resultado: filho.
E então começa
A aporrinhação:
Cocô está branco
Cocô está preto
Bebe amoníaco
Comeu botão.
Filhos? Filhos
Melhor não tê-los
Noites de insônia
Cãs prematuras
Prantos convulsos
Meu Deus, salvai-o!
Filhos são o demo
Melhor não tê-los...
Mas se não os temos
Como sabê-los?
Como saber
Que macieza
Nos seus cabelos
Que cheiro morno
Na sua carne
Que gosto doce
Na sua boca!
Chupam gilete
Bebem xampu
Ateiam fogo
No quarteirão
Porém, que coisa
Que coisa louca
Que coisa linda
Que os filhos são!


Os alunos são como nossos filhos. Melhor dizendo, são nossos filhos sob a guarda e orientação de um mestre.

E como em casa, os filhos na escola costumam aprontar. Ás vezes uma simples brincadeira, de gosto duvidoso, sem maiores conseqüências. Mas quando os limites não são claramente pactuados, as conseqüências podem se tornar imprevisíveis, traumáticas, trágicas.

Dentre os casos extremos estão aqueles em que crianças levam para a escola a arma deixada pelos pais ao alcance das pequeninas e curiosas mãos. Progenitores relapsos e irresponsáveis, levianos e incapazes. O burburinho, a roda pequena em torno do instrumento letal que faz do policial e do super herói, justiceiros; o prenúncio da tragédia, o dedinho com dificuldade acionando a engrenagem, estampido seco, e um coleguinha ferido ou prostrado no chão.

Mas entre a normalidade e os casos extremos, existe um sem número de possibilidades que amesquinham o ambiente escolar.

A cidade da Rolândia, no interior do Paraná, serviu de cenário para um desses casos. Quem poderia supor que uma professora correria qualquer risco numa sala de aula, em seu ambiente de trabalho, enquanto exercia com responsabilidade seu ofício de educadora?

Quando se sentou na cadeira para fazer a chamada dos presentes, a professora sentiu um calor nas pernas, mas não deu tempo de se levantar sem que o estrago já estivesse consumado. Numa dessas brincadeiras sem limites, os alunos urdiram um plano travesso, janota: colar a professora na cadeira. Como desconheciam as conseqüências resultantes da interação de diferentes substâncias e solenemente ignoravam a química, ciência que elucida a estrutura das substâncias e suas reações, o que era para ser uma brincadeira traquina, uma peraltice, tornou-se caso de polícia.

A cola que lambuzava a cadeira reagiu com a camada de verniz que protegia a madeira, provocando o acidente que queimou as pernas da professora.

Auxiliada por uma servidora, a professora de matemática teve que recorrer ao hospital da cidade. E tão logo deixou o hospital, foi desabafar com o delegado, quando formalizou queixa de agressão. E o aluno identificado como responsável pela estultice foi punido, recebendo um gancho de três dias.

Já em Vacaria, interior do Rio Grande do Sul, na Escola Técnica Bernardina Padilha, um aluno da 6ª série resolveu, em plena sala de aula, praticar tiro ao alvo, fazendo, dos colegas, alvo. E a esmo, começou a atirar giz utilizando uma bodoqueira, um estilingue.
A inconseqüência não poderia render bons frutos. Um dos ‘petardos’ lacerou o olho esquerdo de uma coleguinha que perdeu 90% da visão. A criança terá que se submeter à uma cirurgia para transplantar a córnea.

Pais e mestres devem redobrar a atenção sobre as crianças e adolescentes. A irresponsabilidade é própria dos pirralhos, por isto são menores, estão com a consciência e a identidade em processo de formação. Mas faz parte – e parte importante – dessa formação a imposição de limites, a utilização apropriada da palavra ‘não’, a disciplina pactuada, exaustivamente discutida. Liberdade não pode ser confundida com licenciosidade e democracia com democratismo.

Pais e mestres devem aprender a desenvolver com os filhos e alunos relações democráticas. E enganam-se os que imaginam que democracia é o sistema do laissez faire e da libertinagem. Uma das grandes virtudes do verdadeiramente democrata é saber exercer a autoridade sem se fazer autoritário. E com todo o rigor, disciplina e responsabilidade que isto implica. Traduz-se em premiar com louvor quando merecido e punir com rigor quando necessário. O famoso jeitinho brasileiro, o nem-lá-nem-cá, o nem-uma-coisa-nem-outra, não gera referências, o que para uma criança em processo de formação soa tão grave quanto um crime. O melhor é deixar claros os limites; os direitos, os deveres, e a fronteira que os separam; e que apesar dos marcos delimitantes existe um largo espaço para a negociação. Daí, estabelecer os pactos e compromissos para que se extraia da convivência tudo o que dela se espera e pode oferecer.

Não sendo assim, teremos de nos resignar com a dor de receber nossos filhos retornando para casa maltratados, judiados, feridos. Como se regressando de um campo de batalha, não de uma escola.

Antônio Carlos dos Santos é o criador da metodologia de planejamento estratégico Quasar K+ e da tecnologia de produção de teatro popular de bonecos Mané Beiçudo. acs@ueg.br