segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

A pontapés e açoites


A sociedade se moderniza celeremente e impulsiona tudo e todos para frente. Para não se deixar tragar por uma zona cinzenta e obtusa é necessário não ficar para trás, não perder tempo, não perder a vez.

E o remédio é manter-se sempre atento, desperto, preparado para os desafios, cada vez mais crescentes, em número e também em complexidade.

Um sábio ensinamento herdado de nossos tataravôs mantém-se atualizado apesar do correr do tempo: o sucesso de amanhã depende de nosso trabalho de hoje. Que não deixa de ser um axioma. Também uma forma comedida, parcimoniosa, de discorrer sobre a histórica fábula da cigarra e das formiguinhas.

As formigas trabalharam o tempo todo, se mataram na lida, dia e noite, noite e dia, acumulando e poupando o máximo do que conseguiram amealhar. E quando a estação das vacas magras rompeu, a dispensa estava cheia, repleta do que comer, sinal eloqüente de que a fome seria mantida distante. Já a cigarra que ficara todo o tempo a cantar, sucumbiu na fome e na desgraça... Não poupou porque passou a vida a se divertir, sem preocupar-se em trabalhar, se lixando para a reserva que permitiria atravessar o rigoroso inverno.

Esta é a alegoria atribuída ao mestre grego das fábulas, Esopo.

Mas Monteiro Lobato apresentou uma versão mais fraterna, bem em conta para esses tempos de natal e festas de final de ano.

Na versão do mestre da literatura infantil, ao solicitar abrigo e alimento para as formigas, a cigarra encontrou abrigo, guarida, solidariedade, e passou a animar as novas amigas com seu cantar alegre e radiante de vida. Porque a vida não deve ser só trabalho e labuta.

Experimentamos tempos em que os séculos correm na efemeridade das horas, dos minutos. Os satélites tratam de tornar as distâncias tão voláteis como as cortinas de fumaça.

Também por isso é preciso se preparar, manter-se plugado, antenado, captando o que de importante deve ser apreendido, processando o que de substantivo a vida nos apresenta.

E a melhor forma de manter-se vivo, presente, em permanente estado de aceleração é estudando – meu Deus! ainda há quem duvide.

Para os que ignoram ou desdenham a máxima, a vida costuma cobrar um preço alto.

Em um dos seus trabalhos mais recentes, o BNDES identificou que a participação de brasileiros - que não concluíram o ensino fundamental - no mercado formal de trabalho caiu significativamente.

Para os que não completaram a 8ª série do ensino fundamental, a queda foi de quase 50%, precisamente 47%.

Os dados cotejados referem-se à década que inicia em 1995 e termina em 2005. Considerando que as transformações continuam em pleno curso, é de supor que a queda, hoje, seja substancialmente mais aguda.

Em 1995 este contingente de trabalhadores respondia por 28% do total de servidores do poder público. Em 2.005 o índice reduziu-se para 15%.

No comércio, a performance foi de 39% para 16%; e na indústria a queda foi de 56% para 29%.

Na agropecuária, um setor importante para a economia brasileira, os índices decresceram, de 85% para 71%.

O mundo globalizado não tem lugar para os trabalhadores não qualificados. Ao contrário, trata-os a pontapés e açoites.

Para este tipo de trabalhador os espaços no mercado de trabalho diminuem na velocidade da luz.

E não existe mistério algum, nenhuma dificuldade para explicar o que vem ocorrendo na economia brasileira: como a escolaridade média da população aumentou, as empresas exigem mais na hora de contratar com carteira assinada.

Para os que não querem ou não têm oportunidade para estudar, uma das poucas alternativas é o mercado informal.

Não bastassem as atividades intrínsecas da informalidade, deve-se acrescer outra: a saturação, o inchaço, o gigantesco número de trabalhadores que são expurgados para a informalidade, tornando a concorrência selvagem, insana, predatória.

É uma daquelas situações clássicas em que ficamos enclausurados, imobilizados, sem ter para onde fugir ou correr. Ou como nos sonhos malucos, quando diante do perigo, corremos, corremos, sem conseguir sair do lugar.

Felizmente, neste caso de emprego ou ocupação sustentável, as alternativas não variam muito. Para garantir, hoje, o emprego ou a ocupação que nos garantirá o amanhã, devemos estudar, precisamos nos qualificar, urge reciclar, importa capacitar, e tudo o mais que redunde em aprender... Só assim seremos capazes de fazer mais e melhor, utilizando menos tempo e insumos.

Antônio Carlos dos Santos é engenheiro e escritor, criador da metodologia de planejamento estratégico Quasar K+ e da tecnologia de produção de teatro popular de bonecos Mané Beiçudo. acs@ueg.br