sexta-feira, 7 de dezembro de 2007

Renovando o mundo



Gonzaguinha é um dos maiores músicos brasileiros, de todos os tempos, dos idos do descobrimento aos dias de hoje.

Não há quem, apaixonado, tenha deixado de navegar no remanso de sua melodia, doce, serena, espirituosa. Tão pouco quem não tenha embalado algum protesto político com sua poesia contundente, vigorosa, altiva e ferina.

Gonzaguinha era mesmo assim. A um só tempo guerreiro e poeta, gladiador e amante. Quando combatente e destemido opositor, amante. Quando apaixonado pela musa inspiradora, irreverente gladiador. Com naturalidade transitava de uma extremidade à outra sem sequer amarrotar a camisa, porque adquiriu a habilidade dos iluminados, dos abençoados, das pessoas ditas ‘bem resolvidas’.

Esta é a questão chave, construir as condições que nos levem a um estado espiritual que permita o ‘bem resolvido’, a paz interior, condições de todo necessárias para acender a fagulha capaz de iluminar o caminho.

Mas o que fazer para chegar lá? Para alcançar este estágio de desenvolvimento e crescimento pessoal, que oceano singrar? Convivendo em condições tão adversas, em cenários tão inóspitos, seria possível alcançar o equilíbrio?


Com a música “O que é? O que é?” Gonzaguinha responde no compasso da canção:
Eu fico
Com a pureza
Da resposta das crianças
É a vida, é bonita
E é bonita...

Viver!
E não ter a vergonha
De ser feliz
Cantar e cantar e cantar
A beleza de ser
Um eterno aprendiz...

Ah meu Deus!
Eu sei, eu sei
Que a vida devia ser
Bem melhor e será
Mas isso não impede
Que eu repita
É bonita, é bonita
E é bonita...

É isto. Fácil assim. Sem complicação e mistério algum.

A felicidade não deve ser confundida com um instante efêmero, uma alegria episódica. Sem entranhar no teoricismo hermético, é um processo, uma caminhada, uma longa jornada que inicia com o nascimento e só termina quando as cortinas se fecham derradeiramente. Se algum segredo mágico perdura em tempos tão conflituosos, é a necessidade de cultivar a humildade para se fazer eterno aprendiz. Sem as vestes da humildade não existe a mínima possibilidade de entoar com Gonzaguinha o refrão:

Cantar e cantar e cantar
A beleza de ser
Um eterno aprendiz...

Só sei que nada sei. Quem não se lembra da célebre frase de Sócrates, mestre de Platão de Atenas? Reconhecer a ignorância é se abrir para a curiosidade que conduz ao conhecimento.


Todavia, humildade é palavra banalizada na boca de quase todos. Facílima de ser dita, pronunciada aos quatro ventos sem qualquer parcimônia, é na hora da prática que se percebe o quanto é desfigurada, aviltada e prostituída. É assim porque o predicado é patrimônio de gigantes. Não lida com os anões da intelligentsia-miúda, com os que andam de mãos dadas com a hipocrisia. Sim, a humildade é atributo dos prodigiosos, dos viris. Está tão somente para Hércules e Atlas. Eis aqui o aparente paradoxo. Só os bravos e fortes conseguem calcar as sandálias da humildade. Somente o soberano de si mesmo se verga. Como faz a haste de trigo quando repleta de grãos dourados.


Aprendizagem permanente, humildade, fortaleza, felicidade, realização... são os paradigmas capazes de assegurar o equilíbrio, o ‘estar de bem com a vida’, o ‘não ter vergonha de ser feliz’. São os paradigmas que nos aproximam da verdade, da sabedoria, e nos deixam tranqüilos, equilibrados, sorvendo a sombra de Deus.

Aguçando a curiosidade, mantendo a mente aberta e dando asas à vontade de arriscar, estaremos nos renovando sempre, aprendendo sempre. Porque para mover e transformar o mundo é necessário, preliminarmente, revolver e transformar o quadrante mais profundo do coração, o lugar secreto onde habita nosso verdadeiro ser.

Arquimedes, o grande matemático grego ensinou: “Dê-me uma alavanca e um ponto de apoio,e eu moverei o mundo ”. A alavanca interior existe: humildade, equilíbrio, a habilidade de nos tornarmos eternos aprendizes, felicidade.


Antônio Carlos dos Santos é o criador da metodologia de planejamento estratégico QuasarK+ e da tecnologia de produção de teatro popular de bonecos Mané Beiçudo. acs@ueg.br