segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

A lição esquecida

A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE – chegou à resultados que levam a imaginar que o Brasil fica no fim do mundo. A pesquisa da OCDE é referência internacional quando se trata de medir o desempenho dos estudantes do ensino médio. A edição que está sendo agora divulgada foi finalizada com os dados obtidos através de testes realizados no ano passado e seu índice de confiabilidade é de 95%. A cada três anos o ciclo se repete e uma nova edição do documento é divulgada.

Fim do mundo é aquele lugar onde tudo que se refira à educação é elevado à prioridade absoluta, mas tão somente no discurso e no proselitismo político. Porque quando se trata de viabilizar o proposto, aí tudo cai na terra-rasa, na ‘densa’ consistência de um naco de algodão doce, o divertimento preferido das crianças.

A OCDE apresenta uma lista de 57 países, onde o Brasil se consagra como um dos piores quanto ao nível de educação para estudantes de 15 anos.

A performance do Brasil chega a ser insidiosa, pérfida, para dizer o mínimo. Apenas cinco países, Colômbia, Tunísia, Azerbaijão, Catar e Quirguistão estão em situação pior que Pindorama. Todos as demais 52 nações - demonstram os estudos - têm muito ou algo mais a nos ensinar.

Dos mais de 200 países existentes no mundo, a Organização tomou como universo 57 países. Apesar de contemplar apenas algo em torno de 25% do número de países existentes no planeta, a fatia não é inexpressiva e representa nada menos que 90% da economia mundial.

Mais de 400 mil alunos foram submetidos a testes para avaliar a aprendizagem. As áreas de conhecimento enfocadas foram ciências, capacidade de leitura e noções de matemática. E o mais interessante é que a metodologia utilizada possibilitou avaliar também de que forma os estudantes lidavam com o conhecimento acumulado, como aplicavam o assimilado em sala de aula na resolução das questões que se colocam no dia a dia, no curso da rotina diária. A velha e tão sonhada práxis, a aplicação do conhecimento teórico na realidade objetiva, ajudando a melhorar a vida das pessoas.

Encabeçando a lista estão os que lograram melhor aproveitamento, os estudantes da Finlândia, Hong Kong e Canadá.

Angel Gurría, secretário-geral da OCDE, após defender a educação de qualidade como um dos mais valiosos patrimônios que a sociedade e um indivíduo podem amealhar, expôs o grande objetivo do trabalho: “a lista é muito mais do que um ranking. Ela mostra o quão bem os sistemas de educação individuais estão capacitando os jovens para o mundo de amanhã. Antes de mais nada, mostra aos países seus pontos fracos e fortes”.

Esta é mais uma pesquisa dentre tantas evidenciando o que parece um CD furado, que repete infinitamente, e que todos estamos cansados de saber: a educação no Brasil anda muito mal das pernas, vai de péssima a pior, muito mais para péssima que para pior. Ziguezagueia qual um andarilho bêbado e trêmulo, que não consegue parar em pé, que não discerne sequer a direção a seguir. Não encontra equilíbrio na vertical e tão pouco na horizontal. É como se nossa educação despencasse continuamente, cavalgando um devastador buraco negro.

Ensina o antigo ditado popular que “casa onde não tem pão, todos brigam e ninguém tem razão”. Neste cenário de desfaçatez e negligência, quando – em decorrência da incúria das autoridades – os brasileiros pressentem as portas do futuro sendo vedadas por intransponíveis barreiras de concreto armado, cada um tenta puxar a sardinha para o seu lado.

Não são poucos os que atribuem o caos institucionalizado aos salários pagos aos professores e servidores do sistema. Esta é uma parte importante do problema. Os professores recebem muito mal, cumprem uma jornada de trabalho estafante, em tudo diferente das demais, de modo que a recomposição salarial é uma necessidade inconteste. Mas o problema não se encerra com a superação do problema salarial.

Outros concentram suas baterias na infra-estrutura física degradada, com muitas escolas desmoronando, literalmente caindo aos pedaços: salas sem iluminação, ventilação inadequada ou simplesmente inexistente, coberturas repletas de goteiras, banheiros que envergonham os que dele se utilizam, e daí por diante... Para resumir, numa tosca, mas eficaz comparação, digamos que nossas escolas estão como nossas estradas, esburacadas e quase intransitáveis. Nas estradas sem manutenção perdemos carga, tempo, esforço, dinheiro e o custo-Brasil vai galgando as alturas. Perdemos todos. Nas escolas sem manutenção deixamos de gerar oportunidades, mantemos o flanco aberto, escancarado para as ameaças, desdenhamos a importante e nobre missão de formar cidadãos para produzir exércitos e mais exércitos de marginais, e toda a visão de futuro do país se esvai num ralo de esgoto. Perdemos todos.

Sim, os problemas são muitos. E o resgate da qualidade do ensino no país passa pela recomposição salarial dos trabalhadores do sistema, não há como negar. Mas passa também pela adoção de uma política que conceba nossas escolas como um ambiente decente, agradável, limpo, harmônico, produtivo, que guarde longa distância do que se vê nas instalações atuais, sempre ávidas por reformas, sequiosas por arranjos estruturais, por puxados, gatos e improvisações de toda ordem.

Mas fundamentalmente, de um componente que precede todos os demais e que se refere à gestão. Para seguirmos adiante temos de cuidar para que a gestão do sistema seja profissionalizada. O que isto significa? Aprimorar a formação de nossos professores, estabelecer metas claras, exeqüíveis e perseguí-las com obstinação, monitorando-as passo a passo; adotar sistemas de cobrança por resultados, o que exige a mudança de paradigmas, de nossa cultura corporativista para dar guarida à cultura do mérito, quem cumpre suas metas e resultados deve ser reconhecido e quem as supera, premiado. Na extremidade oposta, os que se apegam ao marasmo da burocracia e à tendenciosidade do corporativismo, devem ser chamados à responsabilidade e punidos quando for o caso. Difícil? Talvez, mas necessário, provam os paises que fizeram a travessia e alcançaram a tão sonhada sustentabilidade.

Das grandes políticas e diretrizes estratégicas à mais elementar operacionalização, como a institucionalização dos pactos de compromissos e a adoção de sistemas de cobrança por resultado, por exemplo, o ‘x’ da questão encontra-se precisamente na gestão do processo.

No plano estratégico, a sociedade dever se fazer mais organizada e presente. Para exigir que a sempre decantada prioridade na educação escape do proselitismo e do lugar comum para se materializar, tornar uma realidade palpável. O planejamento deve ser claro, específico e detalhado. De longo, médio e curto prazos, é fundamental que explicite as metas e os recursos orçamentários. Como medida adicional, no mesmo grau de importância, devemos fortalecer os órgãos de fiscalização e controle como os tribunais de contas, o Ministério Público, as redes de ouvidorias, controladorias e similares. E cuidar para que a corrupção e o desvio de recursos públicos sejam cabalmente reprimidos, eliminando o clima de impunidade que grassa entre nós. É esta áurea de impunidade que alimenta a continuidade da ladroagem.

Quatro décadas atrás estávamos no mesmo patamar que Austrália, Irlanda, Coréia e os tigres asiáticos. Mas deixamos de fazer o que eles priorizaram, investir com coragem e determinação na educação, na formação de cientistas e de capital humano. Façamos agora então a lição que irresponsavelmente foi protelada. Antes tarde do que nunca.

Antônio Carlos dos Santos – criador da metodologia de planejamento estratégico Quasar K+ e da tecnologia de produção de teatro popular de bonecos Mané Beiçudo. acs@ueg.br