segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

Sobre Lobos & Cordeiros

A corrupção é uma chaga que achincalha todos os povos do mundo. Não importa se o país é uma potência econômica e militar ou se é uma republiqueta bananeira dominada por ditadores-anões de plantão, o fato é que – como o ar que se respira, lá está ela, onipresente, onipotente, plenipotenciária, reinando absoluta em todos os rincões do planeta.

Mas existe uma diferença fundamental. É que nas democracias desenvolvidas, a corrupção é cassada qual praga pestilenta, cachorro doido e vírus da febre aviária. Lá, as cadeias recebem com especial generosidade os ratos que se deleitam em dilapidar o patrimônio público.

Já por estas plagas, os avanços e aperfeiçoamentos efetuados em nosso sistema político-institucional ainda não foram capazes de debelar o mal e nos mantêm muito distantes de um quadro minimamente razoável.

Não há dia – um só dia – em que as manchetes dos jornais deixem de sacudir o país com episódios ultrajantes ligados à corrupção. E se manifesta com tamanha amplitude e intensidade que, parece, não há setor que consiga manter-se ao largo de seus tentáculos lancinantes.

Desde as relações mais simples e triviais como um lugar na parte mais dianteira da fila – qualquer fila - uma vaga no estacionamento lotado, no restaurante reservado; a abordagem do guarda de trânsito, uma acelerada no trâmite do processo, a ocorrência policial, a vaga num concurso público... até as relações mais complexas como a concessão de obras e serviços públicos e o jogo partidário-eleitoral, a corrupção no Brasil faz barba, cabelo e bigode.

A vasta máquina burocrática estruturada para dar combate ao embuste e à ladroíce parece não fazer qualquer efeito. Haja tribunais de contas, controladorias, ouvidorias, corregedorias, inspetorias, controle interno, controle externo, ministério público, inúmeros tipos de polícia e o ‘desejo’ de tudo apurar, ‘doila a quem doila’. Como essas instituições raramente falam entre si, quase nada funciona, e os corruptos acabam fazendo pouco caso delas. Procedem com a tranqüilidade dos pequenos aprendizes de bandido, os que surrupiam pirulito de criança. E sequer se preocupam em estruturar e urdir planos complexos e detalhados. Roubam à luz do dia, à vista de todos, convencidos que jamais serão apanhados com a boca na botija, alcançados pelo braço reparador da justiça.

E a questão se banalizou de tal forma que não faltam piadas a respeito. Uma é bastante antiga:

A jornalista entrevista um famoso deputado:

- Deputado, o senhor pode nos dizer como começou a sua carreira de político?

- Ah! Foi logo na infância... eu ainda estudava no primário...

- No primário? – espantou-se a jornalista.

- Sim! Um dia meu pai me chamou e disse: “Filho, a partir de hoje eu vou lhe dar 1.000 reais todas as vezes que você tirar uma nota maior que sete”.

Então, eu cheguei para a minha professora e falei: “Escuta, dona Rosa, a senhora não gostaria de ganhar 500 reais de vez em quando?”


A piada é antiga e daquelas de humor negro. Para os politicamente corretos que se incomodam com a expressão utilizada “humor negro”, então, vá lá!, me redimo: a piada é antiga e daquelas de humor afro-descendente. Piorou, não é?! A emenda saiu pior que o soneto.

Piada e brincadeiras à parte, o sorriso, a alegria que a antiga piada provoca reflete uma realidade que se incrustou na cultura e mancha a alma nacional de maneira quase indelével.

De ficção, a piada não tem quase nada. Quando a jornalista faz a pergunta, o político não vacila e detalha a resposta: aprendeu a corromper na escola, com o estímulo do pai e a cumplicidade da professora.

O pai incorre num erro grave e primário ao exigir simplesmente nota e não aprendizagem e resultados. O que imagina ser a solução é o embrião do problema. Entrega ao filho a arma para que o crime seja consumado.

Nada de errado em estabelecer premiação para os êxitos obtidos pelo filho. Mas caso desejasse, de fato, estimular o filho seria necessário primeiramente precisar o objetivo: melhorar o aproveitamento, tirar notas boas, aprender. Mas não só. Também a estratégia, o como fazer, a maneira de proceder: estudando a lição, fazendo a tarefa de casa, pesquisando e elaborando os trabalhos escolares, aprimorando a capacidade de participar das aulas, inquirindo, sugerindo, inserindo novos elementos às discussões, compartilhando experiências,...

Ao pactuar compromissos com os filhos, os pais devem atinar para o conjunto, alargar a visão para o processo e não focar tão somente nas etapas estanques e isoladas. Uma outra questão importante é a precisão e a clareza. Não pode pairar qualquer dúvida sobre o objetivo a ser atingido. Tão pouco sobre a estratégia, a maneira de efetuar a travessia, de conquistar o objetivo. E aqui vale a regra de ouro: improvisações e alternativas criativas são bem vindas; jogo sujo, não; definitivamente, não! Nada de Lei de Gerson, de peraltices tipo: “meu filho não sabe nada, mas pelo menos é esperto e não foi reprovado, passou de ano”. É por isso que se diz que ‘ética’ e ‘responsabilidade’ vem de berço, começam lá atrás, na primeira infância.

Como o pai mirou exclusivamente no objetivo, se fixou apenas em uma etapa do processo, o filho se achou no direito de buscar o caminho mais fácil: comprar a nota.

Já a professora sentiu-se aliviada por se livrar de um problema, por não ter mais que esquentar a cabeça tentando ensinar a lição para quem não deseja aprender... e além do mais, por levar para casa uma graninha extra.

Quanto às pessoas e os políticos, vão se forjando no dia a dia, desde a mais tenra idade. O caráter é formado paulatinamente, enquanto crescemos e amadurecemos. Resulta, sobretudo da formação familiar, mas também da experiência escolar, religiosa, social... No caso específico da política partidária, é um engano burlesco imaginar que todos os candidatos são honestos e bem intencionados, e que, quando eleitos são aprisionados pelo sistema e tragados pela máquina da fisiologia, do clientelismo e da corrupção. Não, se isso ocorre, é exceção da exceção da excepcionalidade. O mais comum, a regra, o que ocorre com freqüência é que o sujeito, o candidato já tem plenamente formado o caráter de bandido, aguardando apenas a primeira oportunidade para colocá-lo à mostra. A velha fábula do lobo em pele de cordeiro que Esopo, seis séculos antes de Cristo, já se preocupava em denunciar.

Largue mão daquela cantilena do inocente útil, do candidato honesto que entrou para a política honesto e se fez ladrão nos escaninhos do poder. Nos casos de corrupção não existem mocinhos, só bandidos. E lugar de bandido não pode ser outro senão a cadeia.

É óbvio ululante que existem políticos honestos, sérios, competentes, compromissados com a ética, a moralidade e o desenvolvimento do Brasil. E não são poucos. Mas a fruta podre é que aparece, que se destaca, porque exala o cheiro nauseabundo dos ambientes putrefatos, insalubres, doentios.... e deve ser extirpada o quanto antes sob pena de colocar a perder todas as demais.

Na família os pais devem acompanhar mais amiúde o dia a dia dos filhos. Devem reservar tempo para acompanhar o que fazem, como estudam, o que e de que forma a escola ensina. E se o sistema de cobrança de resultados é adequando para aferir a aprendizagem, aguçar a curiosidade e estimular a criatividade dos pequenos.

Da mesma forma, na escola os professores devem estar atentos para os desvios comportamentais, não condescender com os maus hábitos, a falta de educação, de respeito, de compromissos... As reuniões de pais e mestres são mais que importantes porque constituem um fórum privilegiado para pavimentar a aprendizagem, o crescimento e o amadurecimento dos nossos pirralhos.

Desde pequenos devem ter ampla clareza sobre o sim e o não, sobre o que é certo e o que é errado, sobre o que é conveniente e o que não é, sobre o que é adequado e o que é inoportuno, sobre o que é legal e o que constitui uma infração. Não pode haver dúvidas neste aspecto. É evidente que, no devido tempo, a reflexão crítica levará ao salutar questionamento do muito que é considerado certo e do outro tanto que é considerado errado. E que valores e posições considerados corretos contemporaneamente foram consideradas erros, pecados ou crimes no passado. E vice-versa. Mas existe um tempo certo para isso. Tempo para preparar o solo para o plantio, tempo para lançar a semente na terra, tempo para o crescimento da planta, para o amadurecimento do fruto e para a esperada colheita.

Neste contexto é que a sociedade deve se habilitar, se capacitar, se municiar de condições para avaliar melhor os candidatos. E separar o joio do trigo.

A malandragem solapou de tal forma as relações institucionais que os políticos e a corrupção acabaram se constituindo nos quesitos que mais envergonham os adolescentes brasileiros.

È uma resposta inesperada para os que vivem apregoando que a juventude ‘não está nem aí’ e que nossos jovens se preocupam exclusivamente com o bem estar individual, com o ‘cada um por si e Deus por todos’.

A posição dos jovens brasileiros foi obtida através de pesquisa recentemente divulgada pela UNICEF, o Fundo das Nações Unidas para a Infância. Os estudos efetuados em âmbito nacional – e que contaram com a participação do Instituto Ayrton Senna e da Fundação Itaú Social – revelaram que 37% dos jovens de 15 a 19 anos apontaram os políticos e a corrupção como os fatores que mais os envergonham.

Coube ao Ibope realizar a pesquisa, denominada "Adolescentes e jovens do Brasil".

O país tem 17,9 milhões de habitantes entre 15 e 19 anos. O Ibope entrevistou 3.010 adolescentes moradores de capitais e do interior de todas as regiões brasileiras, além de 210 indígenas de 15 municípios.

O estudo demonstra que o poder de indignação de nossa juventude está latente, evidente, e os números demonstram que não é pequeno.

Um alento, um bom sinal. Evidência de que a piada de humor duvidoso que ilustra este texto está deixando de nos assombrar...

Nossos jovens mostram que o Brasil está mais vivo e desperto que nunca. Os maus políticos e os corruptos que coloquem suas barbas de molhos, pois os seus dias estão contados.

Na América Latina, repleta de neo-caudilhos populistas, o quadro é em tudo semelhante. O Instituto Gallup International realizou, sob encomenda do Fórum Econômico Mundial, a pesquisa denominada “A voz do povo”. Um universo de 61.600 pessoas ouvidas em 60 países levou o Gallup a assegurar que o levantamento representa o ponto de vista de cerca de 1,5 bilhão de cidadãos. Os dados são estarrecedores. Nesta parte do continente, 77% dos latinos americanos acreditam que “todo político é ladrão”.


Antônio Carlos dos Santos é engenheiro e escritor, criador da metodologia de planejamento estratégico Quasar K+ e da tecnologia de produção de teatro popular de bonecos Mané Beiçudo. acs@ueg.br