sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

Até quando a gestão-caterva açoitará a educação?

Por incrível que pareça, mais da metade dos municípios brasileiros atuam ao largo das boas técnicas gerenciais e da eficácia administrativa, desperdiçando tempo, energia e, sobretudo, os recursos da sociedade. Pior, possibilitando ainda que o modus operandi em vigor seja sacralizado, generalizando as nefastas praticas do clientelismo, do fisiologismo, da gestão-caterva, aquela em que o profissionalismo é quase nada e a bisonhice e a malandragem quase tudo. Conseqüências mais imediatas? Desvios de toda ordem e as portas escancaradas para a corrupção. Por que digo isto? Dos 5.564 municípios brasileiros, tão somente 41% contam com um plano de educação. Pode? Não, não pode, evidentemente. Mas é o mais fiel retrato da cruel realidade brasileira, conforme relatório preliminar do Sicme, o Sistema de Informações dos Conselhos Municipais de Educação.

E se o quadro envergonha e indigna, as coisas já estiveram bem piores. Em 2006, apenas 33% das municipalidades contavam como seu planejamento educacional.

O século XXI já não abriga quem lance dúvidas sobre a importância e necessidade do planejamento na vida das pessoas e das instituições. Sobretudo no aparelho de estado sua adoção é imperativa. Hoje, são inconcebíveis tergiversações sobre esta questão. Guiar-se por planos, programas e projetos que disponham, claramente, os objetivos, estratégias e metas a serem alcançados é obrigação legal e constitucional para tantos quantos atuem na administração do aparelho de Estado, mormente os gestores públicos.

E o que faz o Plano Municipal de Educação? Exatamente organizar a atuação do governo local no setor, racionalizando e potencializando a aplicação dos recursos humanos, materiais e financeiros. Como define objetivos, diretrizes e rumos da educação municipal, deve ser discutido e votado na Câmara de Vereadores, que o transformará em lei.

Já convertido em lei, a comunidade pode acompanhar a implementação da norma, a execução do Plano, exercendo a fiscalização e o controle social sobre as ações do prefeito, do secretário municipal de educação, do diretor da escola e dos demais gestores que integram o sistema. Não existindo Plano e lei, tudo fica a mercê da boa vontade dos prefeitos, da improvisação, do tráfico de influência, prevalece a gestão-caterva.

Uma grande conquista da Constituição de 1988 foi assegurar ampla autonomia política e administrativa para os municípios, autonomia jamais havida anteriormente, não na amplitude atualmente experimentada. Os municípios conseguiram resgatar sua importância política e institucional, e ocupam lugar privilegiado dentre os sujeitos de nosso ordenamento democrático; mas vê-se, principalmente na área da educação, que nossos prefeitos e edis não estão à altura da importância atribuída a eles pela Carta Magna.

O Plano Nacional de Educação estabelece que cada um dos 5.564 municípios brasileiros deve ter o seu Plano Municipal de Educação. Mas 3.282 cidades optaram por ignorar a orientação do MEC, fazendo pouco caso da determinação constitucional. O interessante é que o Ministério suspende o repasse de verba para a merenda escolar - castigando diretamente nossas crianças – quando os prefeitos cometem alguma irregularidade como, por exemplo, atrasar a prestação de contas. Mas este mesmo Ministério não aplica punição alguma quando o Prefeito deixa de encaminhar à Câmara o projeto de lei criando o Plano Municipal de Educação.

Um outro grave aspecto que esta discussão faz emergir é o certo distanciamento que a sociedade vem mantendo sobre o tema. Uma eloqüente demonstração que a população de 59% dos municípios brasileiros desconhece alguns de seus mais destacados direitos. No processo de elaboração do Plano Municipal de Educação, uma etapa preliminar estabelece a obrigatoriedade da criação do Conselho Municipal de Educação, instância de deliberação colegiada integrada por membros do governo e da comunidade. É o Conselho quem hierarquiza os problemas e elege as prioridades educacionais, por isso é, sob qualquer aspecto, o mais poderoso instrumento de controle social disponível.

Os brasileiros já têm, ao alcance da mão, diversos instrumentos de participação e controle social. O Conselho e o Plano municipais de educação são apenas alguns deles. Protestos e reclamações desvinculados da ação política viram fofoca e histerismo coletivo. A sociedade deve saber mais para exigir mais, mas num contesto de emprestar eficácia à sua manifestação. Os direitos já estão no papel. E não são poucos. Basta agora trazê-los para a realidade do dia a dia. Atividade só é possível com participação e organização. Não sendo assim, será a redenção da adminstração-caterva.

Antônio Carlos dos Santos, criador da metodologia Quasar K+ de Planejamento Estratégico e da tecnologia de produção de teatro popular de bonecos Mané Beiçudo. acs@ueg.br