“Só quem educa sabe da graça que é demover barreiras, construir pontes, harmonizar diferenças”. Rodoux Faugh
Quando se trata de obter produtos industriais há quem aposte na supremacia das máquinas, dos equipamentos, dos processos informatizados, de uma cultura direcionada para a criatividade e para as inovações, mas tão somente como contraponto ao papel fundamental do trabalhador, que é desdenhado, relativizado no limite da ruptura, tido como a força motriz dos desvios e problemas, o ente cingido pela áurea do subjetivismo que afronta a exatidão perfeccionista e agride a sistemática esterilizada da produção em escala.
Parte da ficção científica esquadrinha um futuro sombrio, revelando um tempo em que máquinas dirigirão máquinas para a produção de outras máquinas, com o homem mantido à margem, escravizado, mero adereço ou insumo de um exército de robôs inteligentes. Mas... homens comportando-se como máquinas dominadoras, como lobos do homem, já não ocorre presentemente? E com desmedida freqüência?
Um certo papel subalterno tem sido enfatizado nos últimos tempos para caracterizar o homem. Avançamos num mundo em que o indivíduo parece perder espaço para uma coletivização forçada, onde o outro não passa de trampolim, alavanca, escada ou coisa que o valha. A nova ordem parece determinar: “se tem alma e espírito, coisifique-se!”
Mas, se o mundo desenha um cenário onde ao homem está destinada uma posição periférica e marginal, que refuga relações sociais solidárias, pelo menos em dois setores é no centro que o homem finca âncoras, irradiando luz e aroma, sabor e espiritualidade.
No teatro como na educação existem dois sujeitos que dão plena sustentabilidade ao processo. No primeiro, ator e platéia. Ainda está para nascer manifestação teatral que prescinda de um e de outro. Não, por mais radical que seja a concepção, é impossível ao teatro ignorar a existência de algum desses personagens. Ambos – ator e platéia - se complementam para tornar esta arte milenar perene, pujante, patrimônio da humanidade. Grandes encenadores como Antonin Artaud e Jerzi Grotowski preconizaram um teatro radicalmente renovador, suprimindo a distância entre atores e espectadores, reduzindo-os a um só corpo, vivo, atuante, num teatro total onde a platéia seria levada a abandonar a característica passividade para atuar num nível mais elevado, no mesmo patamar onde se expressa o ator. Experimentos importantes, mas que só realçaram a importância de ambos no processo de produção artística.
Também na educação ocorre a presença de dois sujeitos sem os quais o processo não se verifica, pelo menos não na intensidade e dimensão demandados pelos agentes, pela sociedade, pelo desenvolvimento. Tanto como no teatro, na educação a existência de professor e educando são determinantes. Comungam de um universo particular, onde um depende do outro para que o conhecimento adquira a habilidade do movimento, condição indispensável para que se processe, ganhe substância para então se multiplicar, propagar, alçar o vôo livre e sereno do canário, sincopado do beija-flor, fulminante e eficaz do gavião.
E neste universo particular, o professor é figura de proa.
Fossemos, em parcimoniosas linhas, resumir a realidade do setor, o diagnóstico não seria nada animador. É bem provável que, filmado, o filmeto apresentasse na tela uma seqüência mais ou menos assim:
• professores descontentes com os salários e as condições de trabalho;
• alunos satisfeitos com o “ensino” oferecido que pouco exige, muito pouco cobra e quase nada ensina;
• pais conformados por, ao menos no período em que os filhos estão nas escolas, contar que os pequenos permaneçam longe das ruas, distantes da violência explícita, da criminalidade e das drogas;
• invariavelmente nas avaliações internacionais o Brasil, quando não ocupa a ultima posição, ostenta as últimas colocações.
Durma-se com um diagnóstico desses. É um cenário dos mais terríveis, muito semelhante aos retratados nos filmes que cultuam Frankenstein, figuras disformes e monstros bizarros. E, talvez exatamente por inaceitável, pela insustentável situação, a sociedade – com os professores à frente – se levanta, mobiliza mundos e fundos para exigir mudanças, transformações que recoloquem o país nos trilhos da ética, do progresso e do desenvolvimento.
O Brasil merece um futuro melhor, bem melhor, substancialmente melhor que o presente. Merecemos um mundo feliz. E não porque nascemos num país continente, “abençoado por Deus e bonito por natureza”. Mas porque temos uma gente que labuta, que de sol a sol, rosto salpicado de suor, conquista o pão de cada dia. Não se trata de merecimento pura e simplesmente, coisa de olhos verdes ou pele ungida com óleo consagrado. E sim porque nos ancoram episódios heróicos como Quilombo dos Palmares e a Inconfidência mineira. Zumbi e Tiradentes são alguns de nossos maiores professores.
O Brasil terá um futuro diferente que só se apresentará próspero e alvissareiro caso o presente mantenha-se vinculado de forma indissolúvel à educação e, por extensão, ao professor. Outubro abriga o dia destinado a comemorar o professor, o mestre, o educador, data propícia para refletir sobre este artista do saber e do conhecimento, este mago capaz de transformar escuridão em claridade, ignorância em sapiência, miséria e parcimônia em abastança e poder, servidão em altivez e cidadania.
Não por acaso, o dia seguinte, o dia 16, é o dia mundial da alimentação. Com certeza uma nova homenagem ao educador, este homem de luz que alimenta alunos, aprendizes, servindo num prato fundo e farto conhecimento, reflexão, saber.
Sobre chamas e lampejos
Vê?
Nem tudo são trevas
Nem tudo é desilusão
Porque no lugar mais ermo
Onde a escuridão cega, traga e esmaga
Um valente carrega uma tocha
-É uma única chama, desdenha um
-Um fugaz lampejo, critica outro
Que seja... que seja, então... chama, labareda, fiapo de fogo, lampejo
Uma faísca qualquer, uma centelha, mas acredite, acredite, bastante para
vergalhar a noite, açoitar o oculto, romper o véu opaco que abriga os mistérios
Se chispa ou raio, importa?
O desafio não é subverter a opressão do breu profundo, a completa ausência,
deixando na terra - como um cometa desenha no céu - um rastro, uma estrada,
uma larga via iluminada, ungida de brilho e clareza?
A fugaz centelha se faz farol nas mãos hábeis do professor
e revela caminhos, desvela enigmas, conduz pequenos e grandes aprendizes
Nada resiste à luminescência da luz de Prometeu
porque quem hoje a carrega é um valente, um guerreiro, um destemido a
quem chamam educador
A vitória da flama contra a escuridão, do brilho contra a ignorância,
do conhecimento contra a mediocridade, da educação contra a estupidez é tão
certa como um rio que vai buscar repouso no estuário, o descanso final no
ponto mais confortável do mar
E para essa travessia, não existe timoneiro melhor que o professor
Porque sopra, porque canta
Porque como ninguém cintila o saber, exala o conhecimento
destila por todos os poros intensa e revolucionária reflexão
Porque, sobretudo, ensina e aprende... simplesmente assim.
Antônio Carlos dos Santos é professor da UEG, criador da metodologia de Planejamento Estratégico Quasar K+ e da tecnologia de produção de teatro popular de bonecos Mané Beiçudo.